Por Evilazio Oliveira
Nesta época de incertezas em relação ao comportamento da economia mundial, o carreteiro que conhece muito bem o significado do termo “ter o nome limpo” sabe da importância em não estar inscrito no SPC, Serasa, cheque devolvido ou – pior – registro em ocorrência policial -, porque será muito difícil conseguir carga ou emprego na área. Com o nome sujo, consequentemente, é vetado para a liberação do seguro da mercadoria.
Na opinião do presidente do Setcergs (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no RS), Carlos Silvano, as transportadoras não podem interferir nas exigências das gerenciadoras de risco para o fechamento de um seguro. Ele lembra que as empresas são compelidas a aceitar os critérios pré-estabelecidos, que quase sempre atuam de acordo com as seguradoras. Há casos em que determinadas empresas não aceitam as análises de riscos das gerenciadoras e são elas que fazem a intermediação entre a seguradora e a transportadora.
Silvano esclarece que ao contratar o motorista a empresa faz um cadastro detalhado do candidato, com cópia para a gerenciadora de risco. Se o cadastro não for aceito, é mais fácil e barato tentar identificar e procurar resolver o problema do que buscar outro motorista no mercado. A não ser em casos graves, em que o candidato efetivamente não deva ser aceito, a solução pode ser buscada em comum acordo, explica. Ele lembra que o cadastro negativo ajuda as empresas a trabalharem com pessoas responsáveis, excluindo os maus elementos. Porém, por outro lado, também acaba prejudicando motoristas que por alguma imprevidência teve um cheque devolvido ou o nome cadastrado no SPC ou Serasa por um eventual atraso no pagamento de uma conta.
Carlos Silvano afirma que no Rio Grande do Sul, de cada 100 consultas às gerenciadoras de risco para análise cadastral de motoristas, apenas dois ou três por cento são recusados e, em muitos casos, essa recusa ainda é revertida. Salienta que devido ao alto valor das cargas transportadas e do seguro, as exigências sobre a idoneidade do motorista são muito grandes, pois, se estiverem no “grupo de risco” em razão de um histórico policial ou de dívidas – teoricamente estaria mais vulnerável ao crime. Essas exigências são estendidas ao veículo e à sua conservação, necessidade de rastreador e, muitas vezes, escolta. E os membros da escolta, evidentemente, também são submetidos a análise das gerenciadoras.
Os cadastros dos motoristas são renovados no período de três a seis meses, dependendo da gerenciadora de risco e dos autônomos, a cada nova viagem. As empresas pagam cerca de R$ 60,00 para cada novo cadastro e de R$ 16,00 para a renovação. “É um ônus que se paga para que a carga esteja mais bem protegida e para que se tenham melhores profissionais nas estradas”, afirma Carlos Silvano. Preocupado com a quantidade de reclamações de motoristas, com “restrições”, o vice-presidente do Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de carga seca, líquida, inflamável, explosiva e refrigerada de linhas internacionais), de Uruguaiana/RS, Jorge Frizzo, está recorrendo à Justiça contra duas gerenciadoras de risco. Segundo ele, são informações sigilosas sobre a vida do carreteiro, na maioria referente a assuntos creditícios – e que acabam impedindo que dezenas de bons profissionais trabalhem. Em razão da crise, o problema se agrava, com mais de 100 casos encaminhados ao Sindicato nos últimos dias, conforme afirma. Aos 52 anos, 33 dos quais esteve nas estradas dirigindo caminhões, Jorge Frizzo demonstra saber bem do que fala. Lembra que pelo menos 99% dos carreteiros “trabalham de dia para comer à noite”. Por isso, qualquer dificuldade em carregar resulta em sérios prejuízos financeiros. Espera que a Justiça determine que as gerenciadoras de risco se abstenham de fornecer informações confidenciais sobre o carreteiro, de modo a impedir que ele trabalhe, ao mesmo tempo em que as empresas sejam mais flexíveis no exame das informações. Elogia a sugestão do presidente do Setcergs, Carlos Silvano, no sentido de as transportadoras auxiliarem o carreteiro na busca de uma solução para os motivos da sua “restrição”.
O Ministério Público do Trabalho, por meio do procurador Noedi Rodrigues da Silva, recebeu a denúncia e instaurou inquérito civil para averiguar os procedimentos, segundo informação de Jorge Frizzo. Enquanto isso, a advogada Iara de Moura Paiva prepara representação no Ministério Público Estadual contra três gerenciadoras de risco, “para que se abstenha de repassar informações sobre um determinado carreteiro”. Afirma que informações são obtidas, muitas vezes, de forma ilícita. Ela também entrou com pedido de indenização por danos pessoais e morais ao carreteiro que não pôde carregar por “restrição moral”. Segundo a advogada Iara Paiva, é inconstitucional impedir que uma pessoa trabalhe, além da série de alegações que faz no processo, na esperança de convencer a Justiça de supostos abusos cometidos pelas agenciadoras.
O carreteiro Jorge Luiz da Silva, natural de Novo Hamburgo/RS, 53 anos de idade e 38 de estrada, trabalha como agregado da Transportadora Josp Ltda., de Campo Bom/RS. Viaja para os países do Mercosul e garante que não tem e nunca teve qualquer tipo de restrição nas gerenciadoras de risco. Lembra que os motoristas constituem uma classe muito desunida, com todos os tipos de pessoas. Existem profissionais bons, que trabalham direito; outros, no entanto, bebem, fazem festas, gastam o que não podem e acabam se endividando, e com isso surgem os problemas de crédito e as dificuldades para carregar. Jorge Luiz acredita que os motoristas devem ser mais responsáveis ao assumir dívidas, pois sabem que “sujando o nome” não poderão trabalhar. Ele acrescenta que em certa ocasião ficou uma semana parado na Argentina e entrou em pânico, porque estava na iminência de atrasar a mensalidade do caminhão. Chegou a planejar uma renegociação para não ficar inadimplente, mas finalmente conseguiu carga e escapou por pouco. “Sou muito exigente nesse aspecto de compromissos assumidos”, ressalta.
Para o carreteiro Ademir Alberto Santinon, 44 anos de idade e 14 de profissão, é preciso ter muito cuidado ao fazer compras a prazo ou assumir qualquer tipo de dívida. É preciso saber se terá condições de pagar essas contas, porque, se ficar com o “nome sujo”, não vai poder trabalhar. Natural de Porto Lucena/RS, Santinon trabalhou muito tempo dirigindo caminhão de entregas e só há pouco comprou seu próprio cargueiro, ano 95 e atuando no transporte internacional. Garante que nunca teve qualquer tipo de restrição com gerenciadoras de risco ou com seguradoras. Ele acredita que a análise de cadastro dos motoristas é benéfica para as transportadoras, para os donos da carga e para os próprios motoristas, que viajam mais tranquilos. E, também, para indiretamente ajudá-los a melhor programar suas compras e suas dívidas. “Se eu levantar o telefone compro um caminhão novo, mas como vou pagar depois?” A concorrência na estrada é muito grande e ninguém quer perder carga por qualquer tipo de restrição, por isso é preciso se programar para estar com as contas em dia.
Flávio Fagundes tem 36 anos de idade e 13 de direção. Ele trabalha como empregado e transporta de tudo no caminhão que dirige. Não tem dívidas, conta em bancos e nem problemas com acidentes, roubo de cargas ou qualquer implicação com a polícia. Mesmo assim, desde 1998 seu nome consta com “restrição” na Pamcary. Garante que não sabe o motivo, pois as empresas não dizem, apenas informam que está irregular. Apesar disso, segundo ele, já teve o cadastro aprovado pela Pamcary na Argentina, carregando sem problemas.Na ocasião, Flávio Fagundes garantiu que iria procurar o motivo desse impedimento. Natural de Itaqui/RS, Elci Machado, 57 anos de idade e 35 de volante, dirige um caminhão no transporte internacional. Ele trabalha como empregado e sempre cuidou para ter o “nome limpo” pagando todas as contas em dia e evitando qualquer tipo de problema que possa acabar prejudicando sua vida pessoal ou profissional. Mesmo assim, numa ocasião uma gerenciadora complicou porque ele mudou de endereço e esqueceu-se de fazer a atualização do cadastro. Diz que desistiu de carregar naquela empresa, procurou outra que o ajudou a resolver a questão. Continua até hoje nessa empresa, sem nenhum tipo de restrição com as gerenciadoras. Todavia, ele acredita que esses assuntos particulares não deveriam interferir na atividade profissional do carreteiro. “A pessoa vai deixar de ser um bom motorista por ter atrasado uma conta ou ter um cheque devolvido?” – “Se o motorista está devendo e não carregar, como é que ele vai pagar as contas?”, pergunta.