Por Wilgen Arone
Quem pensa que a situação do motorista profissional em países de primeiro mundo é muito diferente dos colegas brasileiros está muito enganado. Na Alemanha, por exemplo, apesar da boa infraestrutura rodoviária existente, o motorista de caminhão tem uma rotina difícil, ao ponto que a falta de profissionais já consiste em uma grande preocupação para o setor no país. Poucos jovens têm disposição para viver da atividade de dirigir caminhão e há previsão de que nos próximos anos mais de 40% dos motoristas da Alemanha (cerca de 250 mil profissionais) vão se aposentar, o que leva a crer que as consequências negativas serão sentidas pelo consumidor final, pois para garantir o atual fluxo de transporte nas estradas será necessário o mesmo número de motoristas existentes hoje no país.
Segundo uma pesquisa feita pelo Sindicato de Serviços Unificados Ver.di (Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft e.V), os motoristas alemães trabalham, em média, de 40 a 60 horas por semana, 42 por cento deles têm uma jornada de trabalho que varia de 61 a 80 horas. Isso acontece porque as empresas que executam as viagens, só recebem o valor total quando a mercadoria chega no prazo combinado -geralmente muito curto. Outro problema é a redução dos custos, muitas empresas eliminaram os armazéns, fazendo da carreta um armazém sobre rodas e aumentando a pressão para entregar as mercadorias no prazo.
Quando se tem uma jornada de trabalho extrema, não sobra muito tempo para a família e para diversão. Em muitos casos, a família acaba ficando em segundo plano. O carreteiro Oliver Beimbrink conta que vê sua mulher a cada 15 dias, quando volta para casa. “Ela nunca viajou junto, mas sabe que a minha profissão é assim, se não entendesse, não poderia trabalhar”. Sua queixa em relação à profissão é a falta de estacionamento para caminhões nas rodovias e o pagamento para usar vagas em restaurantes de beira de estrada.
Já o carreteiro Bernd Alles, 67, leva sua mulher para viajar sempre que é possível. Para ele o segredo para um bom relacionamento está na dosagem correta de convivência. Embora fique em casa somente 5 ou 6 vezes por mês ele diz ter um bom relacionamento com sua mulher. “Fizemos 45 anos de casados na semana passada e minha mulher me acompanhou. Ela não vem sempre porque fico muito tempo na estrada e para ela é muito cansativo”. Aposentado, Alles continua dirigindo porque precisa de dinheiro para viver.
O acúmulo de função se desenvolveu nos últimos anos de uma maneira catastrófica. Além de dirigir, o motorista, quando chega a seu destino, ainda tem que ajudar a descarregar a mercadoria. Antigamente, a maioria das empresas tinha funcionários que estavam lá para receber e ajudar os condutores. Mas agora, por motivos financeiros, esse pessoal quase não existe. “Geralmente recebemos uma empilhadeira nas mãos e temos que fazer o serviço sozinho”, exemplifica Beimbrink.
A concorrência desleal, desencadeada pela abertura das fronteiras e pelo cancelamento de um preço fixo, para um determinado volume de remessas, são problemas que vem preocupando os carreteiros na Alemanha. O cancelamento do preço fixo tinha o objetivo de incentivar os transportes ferroviários, o que na prática, acabou gerando uma competição dentro da indústria. “Como os custos com pessoal são muito altos, as empresas começaram a diminuir os salários, saindo do acordo coletivo de tarifas para condutores ou contratando motoristas do Leste europeu”, esclarece Andrea Kocsis, presidente substituta do Sindicato de Serviços Unificados Ver.di.
Após a abolição dos preços fixos, a competição ficou cada vez mais acirrada, o que ocasionou o rebaixamento das taxas, tendo um efeito imediato no salário dos motoristas. Kocsis comenta que muitos condutores não são associados ao sindicato da categoria e muitas empresas são associadas a entidades que não tem vínculo com tarifas coletivas. Outro problema comum é a aparente autonomia, já que muitos motoristas atuam formalmente como autônomos e trabalham somente para uma única empresa. Isso ocorre especialmente em serviços expressos e de entrega de encomendas. No tráfego de veículos pesados, a maioria dos carreteiros é contratada.
Muitos carreteiros do leste europeu trabalham para empresas alemãs com salários mais baixos que os seus colegas alemães. Andrea Kocsis deixa claro que os motoristas são vítimas do sistema. “O problema maior está nas empresas que tiram proveito das diferentes legislações trabalhista e fiscal. As condições de trabalho dos motoristas do Leste Europeu são muito ruins. Seria uma grande ajuda, se as leis da Alemanha pudessem ser aplicadas a esses trabalhadores que exercitam a profissão na Alemanha”, diz.
Com 770.000 motoristas profissionais (550.000 trabalhando em expedições e 220.000 trabalhando diretamente em fábricas) e 80 mil empresas de transportes, os carreteiros da Alemanha têm um salário acordado que varia de € 14,15 e € 9,42 a hora. O rendimento mensal básico fica em torno de € 1800 a € 2.500.
A insegurança também é tema relevante no país, ocasionada, em parte, pela falta de experiência dos novatos que não cumprem as normas de segurança nas rodovias. “Tenho uma carreta muito boa, mas a segurança nas estradas não depende somente de veículos em boas condições, pois ela é ameaçada também por condutores desqualificados” conta o carreteiro Ehard Tepe. Aos 56 anos de idade, e 33 na profissão, ele diz que o valor recebido para as despesas é insuficiente, por isso ele toma o café da manhã no próprio caminhão e apenas janta em algum restaurante de beira de estrada.
Embora o roubo de cargas e de carreta não seja comum nas rodovias alemãs, muitos veículos estão equipados com GPS, para garantir a segurança dos condutores e das mercadorias. Beimbrink conta que já houve roubo de carga na empresa que trabalha, “todos os veículos foram equipados com GPS, para evitar futuros contratempos, mas o problema de roubo de combustível é muito comum, no momento”.
A dificuldade para conseguir vagas para descanso é comum em alguns trechos. Embora o Departamento Federal dos Transportes da Alemanha tenha incluído a construção de novas vagas em sua lista de prioridade, o número de estacionamentos ainda não é suficiente para atender toda a demanda. Em algumas rodovias as vagas são exibidas eletronicamente. Kocsis diz que os motoristas não tem tempo para ficar procurando por vagas. Ela acredita que o problema de falta de estacionamento nas estradas possa ser resolvido com um sistema de pré reserva. “Precisamos de um sistema antecipado de reserva”, sugere.
A falta de organização da categoria também é problema, já que muitos motoristas vivem isolados em sua profissão, devido à estrutura operacional das pequenas empresas. Muitas vezes não há um vínculo do empregado com o empregador, o que dificulta o contato. Kocsis explica que o Ver.di tem o intuito de garantir as normas da categoria, como o combate ao emprego ilegal, e os baixos salários. A saúde é um problema muito sério, imprevistos podem acontecer com qualquer um. Para evitar que os condutores arrisquem sua saúde, existe na Alemanha um serviço chamado DocStop, que dá assistência médica aos condutores em viagem.