Por Evilazio de Oliveira

Formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, o Mercosul foi estabelecido oficialmente em março de 1991 com o objetivo principal de eliminar barreiras comerciais entre os países membros, aumentar o comércio e estabelecer tarifa zero entre eles, e em um futuro próximo criar uma moeda única. Porém, a esperada integração regional das nações que integram o Cone Sul da América Latina, fruto de acordos que resultaram na formação, há 20 anos, do Mercado Comum do Sul, o Mercosul, ainda está longe do objetivo. Principalmente nas relações entre Brasil e Argentina, maiores parceiros comerciais do bloco sul-americano, com operações previstas de 40 bilhões de dólares ainda neste ano. Apesar de todas as dificuldades de uma efetiva integração, há quem admita importantes avanços, enquanto outros, no entanto, acham que tudo deveria começar de novo, do zero.

Na opinião do presidente da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), José Carlos Becker, o Mercosul tem evoluído em termos de legislação, mas ainda está muito aquém do desejado. Lembra que a falta de integração dos órgãos intervenientes na liberação de cargas nas fronteiras ainda causa a parada de caminhões por muito tempo, fazendo o empresário repensar na “suposta” vantagem de operar no transporte internacional. Destaca que a burocracia é muito grande em relação aos documentos e que a falta de integração e de estrutura impedem maior agilidade nas travessias de fronteiras, fazendo com que o setor perca competividade. Segundo ele, a integração em todo o mundo é irreversível, um caminho sem volta e considera que em relação ao Mercosul, “estamos perdendo tempo”.

Para o presidente da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais, o Mercosul tem evoluído em termos de legislação, mas está ainda longe do desejado
Para o presidente da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais, o Mercosul tem evoluído em termos de legislação, mas está ainda longe do desejado

O presidente do SDAERGS (Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio Grande do Sul), Lauri Kotz, ressalta que o Mercosul completou 21 anos de existência mostrando sérias e constantes dificuldades em sua solidificação. Tem opinião de que nessas circunstâncias seria melhor apagar o que foi feito até agora e começar tudo de novo, do zero. Segundo ele, a união aduaneira pretendida simplesmente não aconteceu, o que se reflete pesadamente na plena integração do bloco. “Hoje, são comuns e constantes as restrições que chamamos de barreiras não tarifárias, principalmente por parte da Argentina”, diz. Kotz lembra que ações como essas retardam o comércio com o Brasil e favorecem os produtos originários da China, destacando que é muito grande o número de itens transportados para os quais são exigidas licenças de importação e que têm um único objetivo: forçar as indústrias a se instalarem em solo argentino para a produção de peças e equipamentos.

Após 20 anos com dificuldades para se solidificar seria melhor o Mercosul recomeçar do zero, acredita Lauri Kotz, do sindicato dos despachantes aduaneiros
Após 20 anos com dificuldades para se solidificar seria melhor o Mercosul recomeçar do zero, acredita Lauri Kotz, do sindicato dos despachantes aduaneiros

De acordo com o dirigente, é necessário que se faça uma revisão urgente do processo de integração dos países que compõem o Mercosul. “Se isso não ocorrer teremos apenas uma integração pontual, servindo somente alguns segmentos comerciais”, diz. Acredita que, enquanto não se processar uma profunda mudança, cabe ao governo brasileiro tomar medidas enérgicas e definitivas, evitando essas situações e promovendo o real equilíbrio nas relações de ambos os países.

O Mercosul deveria facilitar o trânsito entre os países, mas cada um tem suas leis e exigências próprias, destaca o carreteiro Mateus Mayer
O Mercosul deveria facilitar o trânsito entre os países, mas cada um tem suas leis e exigências próprias, destaca o carreteiro Mateus Mayer

O delegado da Receita Federal em Uruguaiana, Cláudio Montano, admite que existam efetivamente muitas reclamações referentes a eventuais demoras na liberação de cargas na aduana. Todavia, segundo ele, o processo envolve outros serviços, inclusive os despachantes aduaneiros, responsáveis pela documentação da carga. Qualquer alteração nesse processo tranca tudo, esclarece. Lembra que em Uruguaiana passam cerca de 600 caminhões por dia transportando cargas, em sua maioria, em transações comerciais entre Brasil e Argentina e Brasil e Chile. Ao longo dos últimos anos a Receita tem modernizado seus serviços em tecnologia e atualização dos quase 100 funcionários que trabalham nesse setor. O mesmo acontece no porto seco, administrado pela Eadi/Sul, afirma. Ao contrário do que reclamam os carreteiros, as filas são cada vez menores e o tempo de espera para a liberação tem diminuído gradativamente. Montano acredita que com o término das obras da estação aduaneira em Paso de los Libres/AR haverá maior integração entre as aduanas, facilitando a liberação das cargas e reduzindo a burocracia. Porém, faz questão de destacar que a responsabilidade não é apenas da Receita Federal. Muitas vezes a carga demora a ser liberada por causa do despachante que não providenciou os documentos a tempo ou então na fiscalização do Ministério da Agricultura.

Nos últimos 15 anos o setor de transportes evoluiu em todos os sentidos, mas Elstor Artur Jantsch não deixa de criticar o excesso de burocracia para a liberação de cargas
Nos últimos 15 anos o setor de transportes evoluiu em todos os sentidos, mas Elstor Artur Jantsch não deixa de criticar o excesso de burocracia para a liberação de cargas

Há mais de 12 anos dirigindo caminhão no transporte internacional, o carreteiro Osmair Leandro, 45 anos e 18 de profissão, natural de Curitiba/PR, acha que para o motoristas a situação só tem piorado ao longo dos últimos anos. Principalmente em relação à Argentina, para onde ele tem viajado com mais frequência transportando peróxido de hidrogênio. Segundo ele, as dificuldades começam pela burocracia nas aduanas, onde se perde muito tempo, altos custos dos combustíveis para os veículos estrangeiros (que ficam fora do subsídio oficial concedido para caminhões argentinos) e, o pior de tudo, o relacionamento com os policiais rodoviários da província de Entre Rios, que sempre acham motivo para multar ou extorquir motoristas brasileiros ou chilenos sem a menor cerimônia. “Tudo é muito complicado”, diz. Por isso acredita que na prática o Mercosul nunca vai funcionar, pois haverá sempre um lado querendo defender seus interesses. Mateus Mayer, natural de Giruá/RS, tem 29 anos de idade, dirige caminhão há 10 e está há cinco anos no transporte internacional. Ele é dono de um Ford Cargo 2003 sider e trabalha como agregado, transportando autopeças de Belo Horizonte e Betim/MG para Buenos Aires e Córdoba, na Argentina. Segundo afirma, a concorrência no transporte internacional é muito grande, há descaso com os motoristas nas aduanas e nas fiscalizações de fronteira, corrupção generalizada nas polícias rodoviárias argentinas, sobretudo na província de Entre Rios e dificuldades para liberação das cargas, com muita burocracia. Acredita que o Mercosul deveria facilitar o livre comércio e o livre trânsito entre os países, mas cada um tem suas leis e exigências próprias. Em sua opinião não existe integração, ao menos para o motorista.

Além dos guardas rodoviários argentinos, o que mais incomoda Milton Paulúcio são as longas esperas nas aduanas. "Que Mercosul é este?", pergunta o carreteiro
Além dos guardas rodoviários argentinos, o que mais incomoda Milton Paulúcio são as longas esperas nas aduanas. “Que Mercosul é este?”, pergunta o carreteiro

Natural de Venâncio Aires/RS, o carreteiro Elstor Artur Jantsch tem 59 anos e 38 de profissão. Há 15 anos morando em Santiago do Chile, prepara-se para retornar à sua terra. Lembra que foi para o país andino gerenciar a sucursal de uma empresa de transportes, que já não existe mais, e acabou ficando. Segundo ele, nesse período de Mercosul o setor evoluiu muito em todos os sentidos, com mais negócios de importação e exportação, novos caminhões, facilidade nas comunicações e maior integração entre os povos. Mesmo assim, critica o excesso de burocracia, as dificuldades de liberação de cargas nas aduanas – que poderiam ser bem mais ágeis, acredita – e dos abusos cometidos pelas polícias de Entre Rios, que sempre acabam achando motivos para multar ou extorquir dinheiro dos carreteiros, sobretudos dos brasileiros e chilenos. Tudo isso, mais os perigos das estradas com os ladrões de cargas, os rigores do inverno e a necessidade de uma vida mais sossegada, estão fazendo com que ele pense em vender o caminhão e voltar para a sua Venâncio Aires. Ainda não sabe o que fará no futuro, mas tem certeza que alguma coisa vai surgir. “Parado é que não vou ficar”, garante.

É um crime o que fazem com a gente. Se houvesse mais seriedade no Mercosul as coisas seriam mais fáceis para o carreteiro, desabafa Ramão Fioravante
É um crime o que fazem com a gente. Se houvesse mais seriedade no Mercosul as coisas seriam mais fáceis para o carreteiro, desabafa Ramão Fioravante

Na opinião do estradeiro Milton José Paulúcio – 53 anos de idade, 34 de volante e 11 rodando em estradas da Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai – “tudo é a mesma bagunça, não melhorou nada em termos de Mercosul e está cada vez piorando mais”. Natural de Castilho/SP, e trabalhando para uma empresa de Curitiba/PR, afirma que o que mais incomoda são os guardas rodoviários de Entre Rios e as demoras nas aduanas. Critica a Receita Federal pelo excesso de burocracia e pelo mau atendimento. “Chega a hora de o funcionário ir embora, ele vai, não está nem aí para o caminhão que está na fila e muitas vezes vai precisar esperar todo um final de semana para seguir viagem”, lamenta. “Que Mercosul? Tudo é uma bagunça”, dispara.

Ramão Fioravante nasceu em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre/RS, porém como o pai era carreteiro atuando no transporte internacional a família se mudou para Uruguaiana/RS, na fronteira do Brasil e Argentina. Seguiu a profissão do pai e hoje, aos 40 anos de idade e 22 de volante, ele continua na mesma atividade e nas mesmas rotas. É dono de uma carreta tracionada por um cavalo-mecânico ano 77 e, apesar de tudo, está feliz. Reconhece os incômodos com as longas esperas nas aduanas e com as “mordidas” das polícias rodoviárias da Argentina, mas tem experiência e até resignação. “É um crime o que fazem com a gente, mas não tem jeito. Vamos reclamar para quem?” Segundo ele, se de fato existisse seriedade no Mercosul as coisas seriam mais fáceis até para os carreteiros. A começar pela legislação de trânsito e das exigências de determinados itens no caminhão, citando a obrigatoriedade de se trafegar nas rodovias argentinas sempre com os faróis acesos, mesmo durante o dia, ou das Três Marias (as três lâmpadas) sobre a cabina. “Para trafegar na Argentina e Chile o caminhão precisa obedecer legislação diferente do Brasil. Então, onde ficam as facilidades de integração, se logo nas aduanas começa a via sacra, continuando com as polícias e toda a burocracia que complica a vida do carreteiro. E isso sem falar nas grandes decisões comerciais, com as barreiras que de vez em quando impedem a passagem de determinados produtos de um país para outro, fato muito comum entre Brasil e Argentina”, salienta.