Por Daniela Giopato
Viajar pelas estradas, conhecer lugares e pessoas diferentes, sentir-se livre e ser o responsável pelo transporte de toda a riqueza do País. A frase pode parecer um pouco poética, mas durante muito tempo serviu como principal motivação para que jovens interrompessem seus estudos, antes mesmo de completar o segundo grau, e se aventurassem na profissão de motorista de caminhão, no mesmo caminho do pai, avô, de um parente próximo ou por inspiração própria. Pesquisa realizada pelo Sest Senat com mil motoristas autônomos e empregados frotistas, em 35 municípios de 11 Estados, mostrou que 19% dos motoristas estudaram apenas até a 4ª série do ensino fundamental; 41,4% até a 8ª série; 34,1% completaram o ensino médio e somente 1,9% dos entrevistados chegou ao banco da faculdade.
Os veteranos da estrada lembram com saudade de um tempo em que para ser carreteiro bastava aprender a dirigir. Conseguir frete era fácil e os transportadores não exigiam caminhão novo e nem equipado com rastreador. Muito menos cursos, palestras ou treinamento. Nesta mesma época, o pai se sentia orgulhoso ao ver o filho seguir a sua profissão.
Hoje, o perfil do carreteiro mudou. Para ser competitivo no mercado é importante investir no caminhão e no currículo. Além disso, com o aumento da insegurança e da falta de estrutura nas estradas, a imagem da profissão passou a ser sinônimo de sacrifício e, sendo assim, todo aquele romantismo de ser carreteiro foi sendo deixado de lado. E a consequência principal é a falta de interesse pela profissão. Flávio Benatti, presidente da NTC & Logística, da seção de cargas da CNT e do FETCESP, acredita que a infraestrutura e o ambiente desfavorável são os principais fatores que impedem o jovem a optar pela profissão de motorista de caminhão. “Algumas viagens são verdadeiras aventuras de riscos, o que não estimula o jovem. Acredito que quando existir efetivamente um investimento em toda a infraestrutura do transporte, esta realidade vai começar a mudar”.
Benatti lembra que a Internet reduziu as fronteiras, e que hoje para conhecer um lugar não é necessário se arriscar em cima de um caminhão. Somado ao ambiente hostil e aos sacrifícios que envolvem o dia-a-dia dos carreteiros, os jovens começaram a migrar para outras profissões.
Outro fator apontado como motivo de desânimo por parte dos carreteiros são as inúmeras exigências feitas pelos transportadores. Muitos não conseguem atendê-las, sendo a principal delas a de ter um veículo de carga mais novo. Hoje, a realidade do Brasil mostra uma frota de 287 mil caminhões com idade acima de 30 anos. Registro da ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre – mostra que a idade média de 1,926 milhão de caminhões é de 18,3 anos. “Essa situação pede medidas urgentes para renovar essa frota para que o autônomo possa permanecer no mercado”, afirma Benatti.
O carreteiro Jackson Silva, 29 anos e dois de estrada, de Ijuí/RS, viveu de perto todas as mudanças da profissão, afinal, ele vem de uma família de carreteiros e sempre escutou de seu pai que em sua época a profissão era mais segura e tranquila, além de ter despertado interesse em muitos jovens. “Hoje isso mudou, só fica na profissão quem realmente gosta. A competitividade entre os colegas, as exigências e os riscos aumentaram muito”, comenta. Antes de optar pela estrada, Jackson experimentou a rotina de escritório, de motorista regional e de frentista, porém, se viu obrigado a assumir o volante no período em que seu pai se acidentou. Desde então não parou mais e conseguiu emprego em uma transportadora, onde começou a viajar para várias rotas do País.
Por incentivo do pai, Elton Trindade, 34 anos, 16 de profissão, de Santo Antonio das Missiones/RS, empregado, ingressou na profissão. Acreditava que ao dirigir um caminhão seria livre e teria a oportunidade de conhecer lugares e pessoas diferentes, além de poder ganhar mais dinheiro. Assim, decidiu parar com os estudos quando ainda cursava o primeiro ano do segundo grau e abraçou seu sonho. Ao longo do tempo percebeu que “as coisas” não eram bem assim como imaginava. Porém, ele não se arrepende e diz que apesar de não ter a intenção de incentivar o filho de quatro anos a seguir seus passos, nunca irá impedi-lo. “Gosto do que eu faço. Por mais dificuldades que eu tenha, acho que fiz a escolha certa”. Sentir-se livre. Esse foi o motivo que impulsionou o jovem Adenilson Luiz Thomaz, Getulio Vargas/RS, 26 anos de idade e cinco de estrada, a seguir a profissão. Foi o primeiro da família a se decidir pelo caminhão. Estudou até o primeiro ano do segundo grau e assim como em outras profissões foi difícil surgir a primeira oportunidade. Bateu de porta em porta até que conseguiu uma chance. A partir daí adquiriu experiência e ao longo dos anos foi se aperfeiçoando com treinamento e cursos.
Apesar de todo sacrifício e do pouco tempo ao volante, diz que se decepcionou um pouco com o dia-a-dia da estrada, mas ao mesmo tempo pensa como iria conseguir ganhar o que recebe se não fosse motorista. Tem um filho de cinco anos e espera que ele prefira os estudos e siga outra atividade. “Quem sabe daqui alguns anos as coisas melhorem para os carreteiros?”, questiona. Adenilson tem opinião que precisa haver mudanças nas estradas e na infraestrutura que envolve a profissão, pois, afinal, os caminhões melhoraram muito, são confortáveis e têm alta tecnologia. “Para quem pretende ingressar nesta aventura, o meu conselho é gostar, se aperfeiçoar e se dedicar”.
Com quase meio século de estrada, Almirante Bittencourt, 65 anos e 46 de profissão, de Passo Fundo/RS, diz que apesar do pai ser carreteiro tudo o que aprendeu deve ao motorista que o ajudava. Estudou até o quarto ano do ginásio e acreditava que estava no caminho certo, afinal, 30 anos atrás a situação era melhor e a rentabilidade também, além de todo um romantismo por trás da profissão. “Se soubesse o que iria acontecer com o passar do tempo teria escutado meu pai, estudado e escolhido outra profissão. Hoje, apesar de termos caminhões muito melhores e confortáveis, trabalhamos sem segurança, sem estrutura e ainda somos discriminados”.
Para Almirante, por desconhecer as dificuldades da profissão muitas pessoas ainda se iludem . “Certa vez fui questionado por um turista sobre as vantagens que o motorista de caminhão tem por poder conhecer o Brasil inteiro. Disse a ele que realmente conhecemos, mas o lado negativo do País, como os buracos e os ladrões de carga”, ironiza. Apesar de ter filhos e netos, e de até sentir um pouco de interesse da parte deles por caminhão, Almirante não os incentiva e espera que todos estudem, se formem e sigam por outro caminho. “Toda profissão tem seu lado positivo e negativo, porém a de motorista está cada dia mais desvalorizada e perigosa e isso não compensa”, opina.
A paixão pelo caminhão foi determinante para Roberto João Boonesta, 63 anos e 22 de profissão, de Leopoldina/ES, se decidir pela profissão. Hoje, apesar de dizer que não se arrepende do caminho escolhido, confessa que se soubesse de tudo o que iria enfrentar ao longo dos anos não teria parado os estudos na sétima série do primeiro grau e apostaria em outro meio de ganhar a vida. “As exigências aumentaram muito. Sou autônomo, meu caminhão é 1969, e às vezes tenho dificuldade na hora de conseguir uma carga”. Roberto acredita que o romantismo da profissão foi dando espaço as cobranças, falta de segurança e de estrutura na estrada, por isso muitos se desiludiram e acabam por não recomendar a profissão para os filhos, amigos e jovens.
Conhecido na estrada como Boca de Lata, Fábio Campos Tenente, de Portela/RS, tem 25 anos de idade e apenas seis de profissão. Viu no caminhão uma chance de ganhar mais e antes de se decidir cursou até o primeiro ano da faculdade de administração. Mas por problemas particulares foi obrigado a abandonar os estudos e a procurar um emprego que garantisse o sustento da nova família que estava formando. “Com o caminhão consegui tudo o que tenho hoje. Às vezes bate o arrependimento por conta das dificuldades e penso como estaria se tivesse continuado a faculdade e me formado”.
A saudade da família e os dias longe de casa também são alguns fatores que incomodam Fábio e o faz repensar sobre a escolha. Mas aí pensa que tem muitas pessoas que se formam e estão sem emprego. “Acho linda a profissão, mas realmente me encaixo no grupo que não a recomenda a ninguém. Quem tiver oportunidade que estude e se dedique, pois os riscos não compensam”, alerta. Já para aqueles que querem tentar se aventurar, a recomendação é fazer cursos, participar de palestras e treinamentos.
Apesar de estar na estrada há 11 anos, o carreteiro Maurício Ribeiro, de Passo Fundo/RS, se arrepende de ter ingressado na profissão. O principal motivo é o fato de ele ficar longe da esposa, do filho de um ano e dos amigos e parentes. “O que ganho não compensa os riscos e as dificuldades que enfrento a cada viagem”. Maurício lembra da época de seu pai, hoje aposentado, e diz que todos que se aventuravam com caminhão tinham o sonho de se sentir livre e conhecer lugares e pessoas diferentes. “Confesso que também pensava assim, mas na prática isso não acontece. Os caminhões têm rastreador e não temos tanta liberdade assim”, reclama.
O fato de não ter concluído os estudos também o incomoda e afirma que as coisas serão diferentes com seu filho. “Ele vai estudar e seguir outro rumo. Sei que ser carreteiro ainda encanta, mas não o quero enfrentando tantas dificuldades e perigos”, determina. Aos jovens que sonham em ingressar na profissão, Maurício aconselha: façam cursos, se atualizem e estejam preparados. Em seu plano de vida consta mudar de profissão para poder ficar mais tempo perto da família. “Parece contraditório, mas quero trabalhar em outra atividade para realmente ser livre e poder viver a minha vida, poder marcar um compromisso, estar na festa de aniversário do meu filho, viajar e estar mais próximo das pessoas que amo”, finaliza.
Ao contrário dos demais veteranos de estrada, Pedro Bueno da Cunha, de Balneário de Piçarras/SC, tem 62 anos de idade, dos quais 35 como carreteiro, nunca tinha se imaginado trabalhando como motorista de caminhão quando ingressou na profissão. Começou a dirigir por acaso, após ser avalista de um amigo na compra de um caminhão e ter de assumir a dívida por falta de pagamento. “Herdei o veículo e então decidi arriscar. Aprendi e me deixei levar pelo encanto da profissão. Passei a conhecer o Brasil inteiro e outros países e fiz amigos”, comemora.
A paixão veio aos poucos, com o dia-a-dia na estrada. E mesmo as dificuldades enfrentadas nos anos recentes são encaradas com tranquilidade. “Temos que fazer aquilo que gostamos”. Para aqueles que pensam em encarar a profissão, a recomendação é fazer cursos, se atualizar, ser paciente, e ter o nome limpo. “Não adianta mais ser aquele motorista que aprendia com o pai. Tem que correr atrás das novidades e das tecnologias, que mudam muito rápido”, ensina.