Por Evilazio de Oliveira
É difícil saber se o motorista de caminhão está enxergando bem a rodovia, os demais veículos, a sinalização de trânsito ou até mesmo os documentos que assina. Sob alegação da falta de tempo, normalmente ele procura auxílio quando a situação se agrava muito, ou, então, passa por avaliações esporádicas nas rodovias, em ações patrocinadas por órgãos do governo ou empresas particulares. Nesses casos, o carreteiro que eventualmente apresente sintomas mais graves de alguma moléstia é aconselhado a procurar ajuda médica especializada, o que evidentemente poderá não ser feito pela alegação de “absoluta falta de tempo”. Enquanto isso, a tendência é de que o mal detectado progrida.
Os problemas de visão dos motoristas é uma realidade muito mais grave do que se imagina. Dados do programa Saúde na Estrada, por exemplo, criado pela Ipiranga para exames de saúde gratuitos a motoristas de caminhão, atendeu em 2011 30.792 profissionais em 14 Estados e detectou que ao menos 20% (6.158) apresentaram problemas de visão. Além disso, 70% dos motoristas examinados estão com o peso acima do normal; 22,7% apresentaram pressão arterial alterada e 12,7 % estão com o nível de açúcar acima do normal.
Em Uruguaiana/RS, Comandos da Saúde nas Rodovias, envolvendo a Polícia Rodoviária Federal, Universidade do Pampa, Exército e Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) – avaliaram 222 motoristas de caminhões. A ação envolveu entrevistas e exames visuais, audição, força física, peso, diabetes, glicose, colesterol, pressão arterial e batimentos cardíacos. Ao final, 52,94% (117 motoristas) apresentaram alterações no teste de Campimetria, que mede o campo visual periférico do indivíduo. Essas alterações podem ser causadas por uma série de fatores que devem ser melhores investigados. Conforme os resultados das avaliações, 83% dos motoristas estão acima do peso e pelo menos 50% dos entrevistados são fumantes. Em 2008, durante abordagem semelhante, o diagnóstico mais preocupante foi a grande quantidade de motoristas hipertensos, número que diminuiu este ano. As ações nas estradas permitem que o motorista fique sabendo de eventuais alterações na saúde e é aconselhado a procurar orientação médica, o que dificilmente acontece. A grande maioria apenas se submete a exames anuais determinados pelas empresas empregadoras ou o teste de acuidade visual ao renovar a CNH.
O carreteiro Juenir Capeletto, natural de Iraceminha/SC, tem 50 anos de idade e 20 de profissão. Ele dirige um bitrem graneleiro e viaja entre os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso. Relizou o último exame de visão há dois meses, para a renovação da CNH e diz que não tem esse tipo de problema, pois lê e escreve bem e protege os olhos com óculos escuros nos dias de muito sol. Garante que cuida da saúde, faz exercícios físicos e sempre que possível joga futebol com os amigos. “Tudo em ordem”, afirma.
Todo o ano, por exigência da empresa em que trabalha, o carreteiro Juraci Bispo de Oliveira, 49 anos e 31 de volante, natural de São Paulo/SP – se submete a um exame completo de saúde, incluindo acuidade visual. Em um desses exames foi diagnosticada a necessidade de lentes especiais para leitura, “um desgaste natural da visão ocasionado pela idade”, explica sorrindo. Por isso, para ler ou assinar qualquer tipo de documento recorre aos óculos. Para dirigir, tudo bem. Para longe a visão está perfeita. Tem óculos escuros na cabine, mas não gosta de usá-los mesmo nos dias de muito sol. Acredita que deveria ser mais divulgado e incentivado o uso dos óculos com lentes especiais que diminuem o ofuscamento dos faróis dos veículos que trafegam em sentido contrário à noite. Afirma que além de muito perigosos, os faróis altos – esses sim – prejudicam a visibilidade e a visão do carreteiro.
O motorista Antônio Leocir Farias, 41 anos e 23 de profissão, paranaense de Ampere, dirige um bitrem graneleiro e, segundo ele, sua última avaliação da visão foi há uns cinco anos. Diz que enxerga bem e não tem problemas para leitura ou com a sinalização de trânsito. “Tudo ótimo”. Também não gosta de usar óculos escuros durante o dia. Lembra que trabalhou um período como motorista de ônibus, daí sim precisava fazer avaliações periódicas de saúde e de visão. “Mas era determinação da empresa”, diz, “depois a gente vai se descuidando…”
Antônio Marcos Guimarães, 36 anos, 15 de profissão, só faz exame de acuidade visual para a renovação da CNH. Garante que não tem problemas de visão, apesar de nunca, em sua vida, ter ido a um oftalmologista. Mesmo assim, foi submetido a um check-up para admissão na empresa em que trabalha. E sempre que encontra serviços médicos gratuitos em postos de combustíveis, vai lá verificar a pressão, glicose, essas coisas. “Não custa se prevenir”, afirma.
O carreteiro Davi Bueno de Godói, 35 anos, oito de direção, natural de Não-Me-Toque/RS, viaja por todo o Brasil e só faz exames de vistas para a renovação da Carteira. Acredita que enxerga bem, embora reconheça que “está tudo errado na sua vida”. Vai a sua casa apenas “como visita”, sem tempo para cuidar direito da família e mesmo da saúde. Não lembra quando esteve no médico pela última vez. Agora sabe que precisa ir a um dentista e, talvez, aproveitar para um exame completo de saúde. “Mas, e o tempo?”, se pergunta. E repete: “está tudo errado…”
Mais preocupado com a saúde, o estradeiro Hélio Lopes, 55 anos de idade e 30 de direção tem ido com frequência ao médico. Natural de Apucarana/PR, e dirigindo uma carreta no transporte de cargas nos Estados do Sul, ele teve problemas de tiróide e de gota. Fez a última avaliação há dois meses e está seguindo as orientações médicas. Garante que está se recuperando bem. Deveria usar óculos há três anos, mas confessa que tem dificuldade para se acostumar, por isso os mantêm pendurados ao pescoço, “pra quando for preciso”, salienta. Embora as lentes sejam para perto e longe, ele afirma que só sente dificuldades para leitura ou quando precisa assinar o manifesto da carga. Acredita que vai ser inevitável o uso permanente dos óculos, até mesmo como medida de segurança na estrada.
João Alves Pereira Filho é natural de Maringá/PR, tem 45 anos de idade, 18 de profissão e viaja entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Há quatro meses passou por um check-up completo por determinação da empresa. “Por enquanto tudo está funcionando bem”, garante. Também não tem dificuldades para leitura, assinatura de documentos ou na identificação dos sinais de trânsito na estrada. Sempre que o sol está muito forte protege os olhos com óculos escuros. Segundo ele, o que incomoda mesmo e atrapalha a visão são os faróis altos durante a noite, principalmente dos carros pequenos. “Uma falta de educação desse povo”, desabafa.