Por Larissa Andrade
Os carreteiros brasileiros que cruzam as fronteiras com frequência conhecem bem a burocracia e lentidão nos controles, resultando em perda de muito tempo e, consequentemente, de dinheiro. Com isso, o transporte rodoviário internacional acaba saindo muito mais caro do que deveria.
O governo brasileiro e dos países vizinhos também já estão cientes desse problema, mas as soluções ainda não apareceram. Os integrantes da CIT (Câmara Interamericanade Transportes), da qual o Brasil também faz parte, assinaram em setembro de 2013 um documento solicitando aos governos o trabalho ininterrupto dos postos de fronteira e a unificação dos feriados.
Conforme explica o secretário-geral da CIT, Dr. Paulo Vicente Caleffi, esses são apenas dois aspectos iniciais a serem trabalhados. “Por serem muitos os fatores que burocratizam o trânsito internacional, e sendo alguns deles próprios da soberania interna de cada país, decidiu-se abordar apenas dois temas: o tempo de trabalho dos postos de fronteira e os feriados locais”.
O documento, assinado por países como Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia e Bolívia, foi enviado a todos os presidentes dos países que fazem parte da CIT, porque a solução deve ser conjunta, assim como aconteceu na União Europeia, onde cruzar as fronteiras é algo extremamente comum para os motoristas de caminhão.
No Brasil, apenas 7,6% da frota de caminhões faz viagens internacionais, segundo estudo de 2011 da CNT (Confederação Nacional de Transporte). Já na Espanha, mais de um quarto (26,8%) das toneladas transportadas em 2012 por caminhões tinham como origem ou destino um país estrangeiro. Em 1975, esse número era de apenas 5,6%.
Não há como comparar os países europeus com o Brasil e seus vizinhos sul-americanos, já que as diferenças vão desde o tamanho do território até o uso de uma moeda única. Mas a experiência europeia pode dar exemplos do que vem funcionando e poderia ser adaptado à realidade da América Latina.
Na Europa, a preocupação com a burocracia é coisa antiga. Já no final da Segunda Guerra Mundial, na década de 1940, foi firmado um documento chamado de Convenção TIR, que estabelecia um reconhecimento mútuo dos controles entre as partes contratantes. Na prática, isso significava que um caminhão que saía, por exemplo, de Portugal com destino à Holanda, era verificado e selado pela alfândega no momento da partida, em Portugal, e conseguia atravessar todas as fronteiras até o destino final sem passar por controles aduaneiros adicionais, tendo de apresentar apenas o documento TIR.
Mas muita coisa mudou no Velho Continente com a fundação da União Europeia, em 1993, e o transporte de cargas foi um dos setores afetados. O Tratado da União estabelecia a livre circulação de pessoas e mercadorias e, com isso, as fronteiras físicas de antes deixaram de existir, assim como as travas administrativas, burocráticas e de controle de inspeção.
A assessora jurídica da Fenadismer (Federação Nacional de Associações de Transportadores da Espanha), Desirée Paseiro Rodríguez, conta o que aconteceu no setor: “a união aduaneira trouxe uma melhora enorme para o transporte internacional, pois os impostos de importação e exportação para a entrada e saída dos diversos países da União deixaram de existir, facilitando o transporte de mercadoria dentro da UE”.
O secretário-geral da IRU (União de Transporte Rodoviário Internacional, em inglês), Umberto de Pretto, ressalta que “o maior impacto positivo, incluindo a nível financeiro, é uma logística mais eficiente com entregas mais rápidas. Esse ganho de eficiência permite aos transportadores fazer mais entregas, diversificar seus mercados de atuação e desenvolver novos negócios”.
Pretto conta que são muitos os problemas em fronteiras quando não há uma legislação “amigável”, como é o caso da América Latina. “Questões de segurança e procedimentos não harmonizados tornam o transporte internacional rodoviário extremamente complexo e demorado. Legislações nacionais e regionais contraditórias e sobrepostas, controles aduaneiros redundantes e burocracia excessiva são os maiores impedimentos para um tráfego internacional adequado”, ressalta. Um levantamento da IRU realizado em áreas que ainda não implementaram os principais instrumentos de facilitação usados na União Europeia mostra que o tempo de espera na fronteira pode chegar a 57% do tempo total do transporte.
Na Europa, a melhoria com o fim das fronteiras, tal como as conhecemos, é evidente. O diretor técnico da espanhola Astic (Associação de Transporte Internacional Rodoviário), José Manuel Pardo, relembra os velhos tempos. “O problema antes da entrada da Espanha na União Europeia era a escassez de autorizações. Para passar pela França, por exemplo, era necessário ter uma autorização para cada viagem, regulada em um acordo Espanha-França. Essas autorizações eram escassas e por isso havia dificuldade para se obter uma, mas quando se conseguia, os preços do transporte eram muito elevados”.
Atualmente, para transportar produtos dentro da União Europeia é necessária uma única autorização com validade de cinco anos, mas que permite fazer um número de viagens ilimitado.
Apesar do avanço, ainda há muito a ser feito dentro da própria União Europeia, conforme conta o secretário-geral da IRU, Umberto de Pretto. “Agora, a UE é integrada em um único mercado que resolveu o problema de passagem de fronteiras. No entanto, grande parte da legislação que rege o transporte rodoviário a nível europeu continua sendo prerrogativa dos países-membros, ou seja, a nível nacional, como dimensões e peso do veículo e padrão de treinamento dos profissionais, entre outras”.
Sem dúvidas, a vida dos motoristas europeus de caminhão ficou muito mais fácil há duas décadas, mas aqueles que transportam produtos para países que não são membros da União Europeia ainda encontram dificuldades. Isso porque as fronteiras continuam existindo e a burocracia segue presente. José Manuel Pardo, da Astic, dá alguns exemplos. “Nas fronteiras com os países do Leste europeu ou Marrocos, pode haver atrasos prolongados. Houve recentemente problemas nas fronteiras com a Rússia, porque eles queriam exigir uma garantia adicional para os transportes que já estão cobertos pela Convenção TIR”.
Pretto, da IRU, ressalta que alguns países já assinaram a Convenção, mas ainda não implantaram o Sistema TIR, o que gera um terreno fértil para práticas e atividades ilícitas nas estradas, o que resulta em mais gasto para os transportadores e, consequentemente, para o consumidor.
Diferenças sociais e concorrência |
Muito se fala das vantagens da livre circulação de pessoas e produtos na União Europeia. Mas, há desvantagens para o carreteiro? A resposta é sim. A oferta de serviço cresceu muito e, como resultado, os preços caíram. Levando em conta o delicado momento econômico, pelo qual a Europa atravessa, especialmente os países do sul, essa forte concorrência acaba sendo determinante.
E isso preocupa principalmente os carreteiros autônomos e pequenas transportadoras, que encontram desafios em cortar seus custos. “Existem aspectos do transporte rodoviário em que não há nenhuma regulação. Um dos elementos estruturais em que se baseia a UE é a liberdade de mercado, circunstância que motiva a falta de regulação em matéria de custos e preços. O preço é livre. Mas, as diferenças sociais que ainda se observam entre determinados países da UE causam uma enorme concorrência entre empresas de uns e outros países. Com isso, alguns Estados-membros, como França ou Itália, estabeleceram regulações nacionais sobre os custos mínimos para evitar o dumping ou que as empresas se mudem a outros países da União em que os custos sociais e laborais sejam muito inferiores”, conta Desirée, da Fenadismer. Na Espanha, essa é também uma forte preocupação. Segundo a Fenadismer, atualmente 10% do transporte internacional de produtos que tem como ponto de partida ou chegada a Espanha é realizado por empresas da Polônia. Por conta disso, a Federação solicitou ao governo espanhol a elaboração de um Plano de Controle que inspecione e comprove que todas as empresas cumprem as normas de transporte, sociais e fiscais estabelecidas pela União Europeia para que a concorrência seja sempre honesta. Mesmo com todas as diferenças, há algo em comum entre o transporte de carga europeu e o brasileiro: a necessidade de melhores e mais justas condições de trabalho, que permitam reduzir custos e aumentar a eficiência. A Europa está alguns passos à frente e podemos aprender de sua experiência, tanto dos acertos quanto dos erros. As empresas de transporte já estão cientes dos problemas há muito tempo, agora falta a atuação do poder público – que também só tem a ganhar com um transporte internacional mais eficiente. |