Por Sérgio Caldeira
Já se foi o tempo em que os mistérios da eletrônica se resumiam aos módulos utilizados para controlar apenas a dosagem de combustível. Hoje a eletrônica e seus periféricos interagem com praticamente todos os componentes de um caminhão moderno, como freios e câmbios, e em alguns casos até ajudam a monitorar a pressão dos pneus e seu estado de conservação. Os próprios painéis de instrumentos chegam a ponto de serem parecidos com aqueles das modernas aeronaves, isto é, carregados de funções como “set” e “on/off”, onde o estradeiro que não está habituado a operá-los terá enorme dificuldade em colocar um caminhão desses em movimento ou de tirar proveito dessa tecnologia.
O certo é que a eletrônica é uma ferramenta que auxilia no controle da maneira como o motorista conduz e opera o veículo, com o registro de várias ações. Porém, poucos estão preparados para lidar com equipamentos tão modernos, situação que pode comprometer a eficiência da operação de tais veículos e até resultar em aumento do consumo de combustível, ou, em casos extremos, em acidentes graves. A oferta de cursos na área é ainda pequena e os programas de treinamentos são poucos para atender a grande demanda.
O carreteiro José Francisco de Oliveira, QRA “Pato Rouco”, como é conhecido no rádio PX, ou faixa cidadão, diz que o estradeiro que não se educar com os caminhões eletrônicos estará fora do mercado de trabalho. Ele roda entre as capitais do Nordeste e São Paulo transportando gesso para a empresa Gemark, proprietária do pesado que pilota, um Volvo FH 440 equipado com o que há de mais moderno em termos de eletrônica, inclusive com a caixa de transmissão automatizada I-Shift. José Francisco pensa que “se for profissional, o motorista pega rápido. Não precisa ter um domínio da informática complexa, porque a tecnologia e a eletrônica vieram para facilitar a vida difícil de quem praticamente mora na estrada”.
Trabalhar mais o treinamento. Essa é a opinião do colega de empresa, Roberto Rosa do Nascimento, em relação à eletrônica. Ele relata que se o treinamento for feito com consistência, poderá haver uma economia de consumo de combustível em torno de 3%. Ele dirige outro Volvo da Gemark, um NH 12 380 e sabe muito bem sobre os segredos de uma condução econômica, que vai além do ato de acelerar.
Rosa, que já foi motorista de ônibus rodoviários (trabalhou, entre outras empresas, na Cometa), explica que parte do trato zeloso com sua máquina vem desse tempo, onde a exigência e os controles das empresas em busca de mais cuidados com passageiros foram fatores determinantes para ele ser mais cauteloso e alcançar uma convivência harmônica com veículos eletrônicos.
O estradeiro Devanir Bologna, de Cambé/PR, tem 28 anos de estrada e é proprietário de um Scania T112H. Ele destaca que a maneira de tocar um caminhão eletrônico é totalmente diferente. “Se eu pegar um desses nem saio do lugar”, exagera o carreteiro, que está acostumado a lidar com caminhões alimentados por bomba injetora do tipo tradicional, como o seu Scania fabricado há um bom tempo.
Ele complementa que não é só o sistema de injeção do motor, mas também os outros aparatos que podem dificultar a condução de um caminhão moderno se a pessoa não tiver um conhecimento prévio dos recursos disponíveis. Devair também se assusta com os valores de manutenção dos eletrônicos, além da necessidade de haver pessoas bastante especializadas para efetuar a manutenção. “Você não pode levar um caminhão com tantos dispositivos eletrônicos em qualquer oficina, o que, na melhor das hipóteses, poderia desprogramar as diversas centrais em caso de erro”, alerta.
Já o carreteiro de Poços de Caldas, José Aparecido, que trabalha na Sitcar Transportes, diz que aprendeu muita coisa com a ajuda de colegas de estrada em função da falta de cursos sobre os periféricos eletrônicos. Ele é direto: “não se pode ter vergonha de perguntar”, reforçando que sempre é necessária a participação em cursos de reciclagem para se alcançar uma condução mais eficiente.
José cita como exemplo uma situação em que teve de viajar em um caminhão cujo câmbio era diferente do que estava acostumado. “Perguntei ao companheiro de estrada e ele me ensinou a maneira correta de operar a tal caixa de marchas. Nos veículos com dispositivos eletrônicos, o conhecimento de outras pessoas que já lidam com esses equipamentos também ajuda muito”, disse.
Para o jovem carreteiro Anderson Ribeiro, com apenas seis anos de boléia e 29 de idade, os mistérios da eletrônica, pelo menos no tocante a operação do cargueiro, foram facilmente assimilados, pois ele aprendeu a conduzir ao lado de uma pessoa experiente que o acompanhava e o ensinou por um período. “Acredito que os cursos são válidos, inclusive de equipamentos como o rastreador, por exemplo”, cita.
Anderson é de Cachoeira Dourada/GO, e dirige um Mercedes-Benz 1938S, um dos primeiros modelos da marca a receber o sistema de injeção eletrônica no mercado brasileiro (o primeiro da marca alemã foi o LS 1938). Ribeiro se diz bem acostumado com o jeito de ‘tocar’ o caminhão e afirma ser bem diferente do modelo anterior que conduzia, outro MB (LS 1935) puramente mecânico.
O certo é que os caminhões estão cada vez mais apinhados de componentes eletrônicos que, inclusive, interagem entre si. E essa interação deve ocorrer também entre o homem e a máquina, de forma bem harmônica e poderá ser alcançada pelos carreteiros através da busca pelo conhecimento, muita leitura, além da constante busca pela aprendizagem e atualização através de cursos sobre o assunto. Mas uma coisa é certa: os eletrônicos são muito mais eficientes.