Por Evilázio de Oliveira

Elas se exibem para os motoristas de caminhão e passam ao longo das estradas com roupas minúsculas, oferecendo seus corpos com a maior naturalidade. Esta é a realidade de milhares de meninas na fase da adolescência e, conforme depoimentos de carreteiros que circulam de Norte a Sul deste País, é a pura verdade.

O carreteiro José Nunes Oliveira, 60 anos – que há 39 anos transporta mercadorias por todo o Brasil – diz que é difícil distinguir qual a região que tem menos meninas entre 12 a 15 anos se oferecendo para fazer um programa. “É um caso sério na Bahia, Belém e Espírito Santo. E no sertão de Pernambuco, então? Dá vontade de chorar”. Na opinião de Oliveira, elas correm atrás de um prato de comida. “O governo tem que ajudar estas meninas a comer em vez de criticar”.“Na opinião de todo mundo menina não pode se prostituir. E come o quê?”, questiona Oliveira.

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O carreteiro gaúcho, Ademir Antonio de Matos, que transporta móveis do Sul para o Nordeste há 7 anos, vai para casa de 20 em 20 dias, mas mesmo assim não dá carona e só pára nos postos de abastecimento quando está muito cansado. “Quando paro é para dormir e não quero ser incomodado. Não dou atenção às meninas que vem importunar”, esbraveja Matos. Ele confirma que a prostituição existe em todo lugar e reconhece que tem muita menina nova na divisa de Minas Gerais com a Bahia.

Para Claiton Lopes Leal, 35 anos de idade e 9 na profissão, dar carona é uma prática comum no seu dia-a-dia. “Viajo sempre com minha esposa e costumo dar carona para meninas, senhoras e crianças. Sei que é uma faca de dois gumes, mas graças a Deus, nunca tive problemas”.
Quanto à prostituição infanto-juvenil nas estradas, Leal diz que é muito comum o trânsito de meninas aparentando idade entre 12 a 14 anos, principalmente, na BR-101, no trecho que liga o Rio de Janeiro à Bahia. “Quando paro para pernoitar, escolho um posto onde estas meninas não ficam fazendo sua função”, garante.

Na Bahia, por exemplo, elas podem ser encontradas nas redondezas de Santo Estevão – Paraguaçu, Jequié, Milagres e Jaguaquara”, diz. Leal acredita que este problema está cada vez mais grave devido a má administração da máquina pública. “Se o governo olhasse um pouquinho por este ângulo, com certeza poderia fazer alguma coisa, basta querer”. Na opinião do carreteiro, se esta situação mudasse, pai não precisaria trocar filha e mulher por óleo diesel, como se vê em Belém.

Há 14 anos na profissão, o pernambucano JLON afirma que costuma dar carona porque não tem medo de nada. “Só não carrego menores de idade”. Ele transporta pneus do Rio de Janeiro para todo o Brasil e fica cerca de 30 a 40 dias fora de casa. Seu ponto de vista em relação à prostituição infantil é que “toda vida foi assim. “A gente encontra meninas por todos os lados”, diz.

A BR-232, segundo o carreteiro é uma das principais rodovias onde se vê meninas e meninos querendo fazer um programa. “Mas não é só na Bahia que a gente vê um montão delas. No Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí também. Quanto mais a gente sobe o País, pior fica”, afirma.

Para o JLON, que permanece tanto tempo na estrada é normal ter relações sexuais fora de casa. Ele diz usar sempre preservativos e que nunca pega meninas. “Se eu percebo que ela tem menos de 20 anos de idade mando ir embora. Lembro de minhas três filhas”, afirma o carreteiro, que não culpa o governo por esta situação calamitante. “O governo não tem culpa. Se eu faço 10 filhos eu tenho que ter como criá-los e sustentá-los. É pura safadeza, tanto do homem como da mulher em ter tantos filhos e depois querer que o governo dê o resto”, esbraveja e agradece a Deus, por nunca ter contraído uma doença sexualmente transmissível.

Na opinião de PRD, há seis anos na profissão, a pior coisa do mundo é pegar uma doença através da relação sexual. “Sempre usei preservativo, mas por descuido peguei gonorréia e foi com uma dessas meninas de cerca de 13 anos de idade”, afirma. Depois disso, disse ter prometido para ele mesmo que nunca mais sairia com meninas que não se cuidam, não sabem o mal que têm e que podem causar aos outros. “As mulheres mais velhas são experientes e sabem se cuidar”, diz.

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Claiton viaja sempre com a esposa, é comum ver meninas de 12 e 13 anos no trecho Rio-Bahia.

O short e a blusa decotada revelam o corpo magro e cheio de cicatrizes de Rúbia, 14 anos, há um ano na profissão. Começou a fazer programas depois de ter saído de casa, fugindo dos maus-tratos do padrasto alcoólatra e da passividade da mãe. Atualmente, mora de favor na casa de uma amiga, no subúrbio da cidade gaúcha de Caxias do Sul. Todo o dia, às 16 horas, pega um ônibus e vai para a estrada em busca da clientela.

É no asfalto que a rotina se inicia. Os programas podem acontecer na cabine, durante um curto percurso, ou até no mato, à beira da estrada. Mas isso depende de convencer algum carreteiro a lhe deixar entrar na boleia. Rúbia tem medo de ser deixada longe do ponto de partida e não receber do cliente ou de ser machucada. “Essa é minha atividade, fazer o quê? Não é boa, mas preciso trabalhar”, conforma-se.

Xuxinha, 13, aparenta ter mais idade e é experiente. Alta, curvilínea e com cabelos loiros desbotados, está desde os 10 anos de idade nesta vida, em troca de pequenos pagamentos. Com quatro irmãos mais novos e pais desempregados, vê na prostituição a saída para seus problemas financeiros, embora a quantia recebida mensalmente – cerca de R$ 300,00 – não permita extravagâncias. Os programas variam entre R$ 5,00 e R$ 10,00 e garantem a droga e o sustento da família. Usa loló (uma espécie de droga) para encarar melhor a realidade e, como afirma, “para ter coragem, ser mais profissional e pensar só na grana”.

Zandra Mara, 15, inicia a peregrinação pelo centro da cidade na metade da tarde, na companhia da prima. É lá que os clientes costumam aparecer. A concorrência entre as meninas é grande e o importante é conseguir se sobressair. Motoristas, aposentados, pedreiros, vigilantes e desempregados pagam por uma sessão completa de sexo ou apenas por algumas carícias da mulata gordinha com lábios cor-de-rosa, em locais improvisados nas proximidades. O preço é alterado conforme as regras: sem camisinha custa mais, o importante é não perder o cliente. A vida que leva serve para sustentar a filha de três anos, já que o pai da criança sumiu quando ela ainda estava grávida. “Trabalho bastante. Detesto esse negócio, mas estou aqui para que meu bebê não precise passar por isso nunca. Ninguém merece essa vida”, completa.

Para os carreteiros mais experientes, a presença de jovens nas estradas fazendo convite para um programa deixou de ser uma característica dos Estados do Norte e Nordeste e, há muito, já é um fato comum em postos de abastecimento, restaurantes e trevos de acesso às principais cidades do Sul do País, numa demonstração que a prostituição juvenil acompanha a evolução da crise econômica, segundo alguns observadores.

Além do risco de doenças, a segurança tem afastado grande parte do pessoal do trecho desse tipo de aventura, conforme constata Euzébio Podalírio da Silva, 49 anos e 32 de volante, e atualmente dirigindo um caminhão trucado nas estradas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Ele não gosta muito de falar no assunto. Diz não ter mais idade para essas coisas e que é um homem casado e com filhos.

Mas quando fala nos filhos é que Podalírio fica indignado ao lembrar que muitas dessas mulheres que ficam procurando os motoristas são umas “jararacas”, mesmo assim, umas são bem novinhas ainda. Enfim, desvia a conversa, não quer falar “nessas bobagens”. Principalmente depois de ter assistido a uma palestra em Vitória/ES sobre os perigos de doenças e, o pior, da Aids.

Porém, o chapa Valdomiro Pereira, o Jaquirana, 56 anos e há pelo menos 17 de profissão, conta que já viu muitas barbaridades em todos esses anos na estrada. Garante que o terreno está sendo muito disputado pelos gays, pela gurizada nova, e as mulheres estão se respeitando mais. Mesmo assim, as mocinhas ficam nas proximidades de bares e restaurantes pequenos, onde os carreteiros quase não param. “O pessoal que viaja pra longe não arrisca mais, além disso, os postos têm seguranças, que não permitem mulheres ou veados batendo nas cabinas dos caminhões”, explica.

Aloema Antonieta Ortiz Rodrigues, 50 anos, casada há 24 com o carreteiro Hélio da Rosa Rodrigues, conhece o assunto. Afinal, por quase 20 anos ela viajou com o marido por todas as partes do Brasil e cansou de ver meninas de 12 e 15 anos batendo nas boléias dos caminhões se oferecendo para programas. “Mesmo quando eu estava com o Hélio elas batiam, mas a gente não respondia e elas iam embora, quietas e tristes”. Segundo ela, os motoristas são os principais culpados e incentivadores da prostituição juvenil, pois, afinal, “são eles que pagam uns trocados para as meninas ou, muitas vezes, o almoço, jantar ou, o que é pior, um sanduíche e um refrigerante em troca de sexo”. Só um homem sem caráter se aproveita da desgraça dessas crianças”, diz convicta.

O motorista Wagner Tavares, 33 anos, conta que essas mulheres e veados ficam se oferecendo em todos os lugares, na beira das estradas, postos, restaurantes. Agora, depois de casado, não aceita mais esses convites. Ele afirma que a prostituição, principalmente de meninas, acontece nos Estados do Nordeste, mas também nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. “No Sul não dá muito, mas de vez em quando aparecem umas bem bonitinhas, convidando o motorista para um programa”.

Enquanto moças, mulheres maduras e gays disputam a atenção dos carreteiros, enfrentando a vigilância que cerca os postos de serviço e de estacionamento, nas estradas o território é livre. No Sul, segundo informações da patrulha rodoviária, os agentes mal dão conta de cuidar dos assuntos referentes à legislação de trânsito. Cuidam apenas de fiscalizar o que estabelece a legislação em termos de documentação, limites de velocidade, situação do veículo.

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Wagner Tavares é casado e diz que não aceita os convites das meninas para programas.

Enfim, cuidar do que estabelece o Código de Trânsito, conforme comenta um patrulheiro. Ele esclarece que o policial rodoviário somente tomará alguma iniciativa de abordar alguma pessoa se a considerar em atitude suspeita de roubo, assalto ou qualquer outro tipo de crime. Nada a ver com prostituição nas estradas. A não ser que seja efetivamente comprovado que o carreteiro esteja abusando de uma moça menor de idade e contra a vontade dela.

A Polícia Rodoviária Federal, nas estradas gaúchas, tem procedimento idêntico. A atividade dos patrulheiros se concentra nas atividades referentes à legislação de trânsito e da segurança dos usuários das rodovias. O patrulheiro poderá solicitar a verificação dos documentos do motorista e do veículo que eventualmente esteja estacionado em local ermo e onde esteja ocorrendo um “programa”, mas sem nenhuma outra interferência, a não ser que haja a constatação de um ato ilícito. Nesses casos os envolvidos são encaminhados para a Área Judiciária da Polícia Civil, conforme informação de um patrulheiro federal.