Por Evilazio de Oliveira

Amplamente utilizada no transporte rodoviário de cargas como forma de adiantamento de fretes aos carreteiros, a carta-frete favorece empresários do setor e donos de postos de combustíveis. Porém é sistematicamente criticada pelos carreteiros, submetidos à exigência de abastecer em determinados estabelecimentos, receber determinada quantia em dinheiro e o restante em cheques, normalmente pré-datados. Com isso, dizem que perdem a liberdade de escolha do posto para abastecer e, consequentemente, a procura de melhores preços, além do recebimento parcelado do valor total da carta-frete.

- Edson Dias, gerente de um dos postos da Rede Buffon, acredita que 90% dos negócios de postos de estrada são feitos através de carta-frete
– Edson Dias, gerente de um dos postos da Rede Buffon, acredita que 90% dos negócios de postos de estrada são feitos através de carta-frete

Para os empresários há o conforto de um prazo negociado com os postos para o pagamento total do adiantamento; para os postos um peso significativo já que a troca é responsável por cerca de 90% dos negócios de muitos estabelecimentos. Há possibilidade de inadimplência, mas, para isso as exigências para a aprovação dos cadastros das empresas interessadas nas trocas são cada vez mais rigorosas.

O Paraná seria o Estado mais rigoroso nesse aspecto, com uma eficiente troca de informações entre os donos de postos para denunciar eventuais maus pagadores. Esse rigor serve para tranquilizar donos de postos de outros Estados a receberem cartas-fretes de empresas paranaenses, pois há a quase certeza de serem empresas idôneas. “Caso contrário estariam “queimadas”, costumam dizer os donos de postos.

- Para Rozi Terezinha Pereira, a carta-frete faz os motoristas gastarem mais do que o necessário e ainda tira a liberdade de escolher aonde abastecer
– Para Rozi Terezinha Pereira, a carta-frete faz os motoristas gastarem mais do que o necessário e ainda tira a liberdade de escolher aonde abastecer

O volume de dinheiro que circula como adiantamento de fretes e financiados pelos postos de combustíveis é grande. Justamente por isso está atraindo atenção de empresas administradoras de cartão de crédito. Todavia, apesar de algumas das grandes empresas do setor entrarem na disputa desse rentável mercado, o que se vê na prática é a predominância da carta-frete tradicional, e o “quase desconhecimento” dos cartões magnéticos, embora muitos carreteiros acreditem que o uso traria muitos benefícios. A começar pela liberdade de escolha dos postos para abastecimento e o valor das quantias a ser sacado, de acordo com as necessidades do momento.

- Certas facilidades como poder parar em lugares conhecidos e obter adiantamento sem burocracia é encarado por Vilmar Ricardo da Silva como o lado bom da carta-frete
– Certas facilidades como poder parar em lugares conhecidos e obter adiantamento sem burocracia é encarado por Vilmar Ricardo da Silva como o lado bom da carta-frete

Enquanto isso, o gerente de um dos postos da Rede Buffon, na RS-453 – Km 142, em Caxias do Sul/RS -, Edson Dias, 45 anos e há nove na área de combustíveis – explica que atualmente 90% dos negócios dos postos de estrada são feitos com carta-frete. Segundo ele, a Rede Buffon mantém cerca de 400 empresas transportadoras cadastradas, resultando numa razoável movimentação financeira. Não sabe dizer o volume mensal de litros de óleo diesel vendido e nem o valor de dinheiro que circula em todas as unidades da Rede com esse tipo de operação, mas é bastante, pondera. Na unidade de Caxias do Sul, a venda de óleo chega a 300 mil litros mensais.

- Felipe Panassol é empregado e não utiliza carta-frete, mas pelo que ouve na estrada acredita que não seja um bom negócio para o motorista
– Felipe Panassol é empregado e não utiliza carta-frete, mas pelo que ouve na estrada acredita que não seja um bom negócio para o motorista

Para a troca da carta-frete o carreteiro precisa abastecer pelo menos 40% do valor do documento. Do restante receberá uma quantia em dinheiro e parte em cheques à vista, os quais são utilizados para evitar uma grande movimentação de dinheiro vivo nos postos. Os valores são negociados com empresas transportadoras com prazos que variam de uma semana a um mês, suficiente para uma boa “respirada”. O índice de inadimplência pelas empresas nessas operações é considerado pequeno, embora o ideal fosse utilizar o sistema adotado no Paraná, com o intercâmbio de informações entre todos os postos do Estado.

- O melhor para o motorista seria um cartão com limite preestabelecido para que ele pudesse usar conforme suas necessidades, opina Augusto Henzel
– O melhor para o motorista seria um cartão com limite preestabelecido para que ele pudesse usar conforme suas necessidades, opina Augusto Henzel

Qualquer irregularidade com um cliente emissor de carta-frete é comunicada aos integrantes da rede e o crédito é suspenso. A empresa estará com o “nome sujo” e nenhum posto do Estado vai aceitar suas cartas-fretes. Por isso, para os demais postos do País, a carta-frete de empresas paranaenses já é uma espécie de garantia de que o cliente é bom, afirma Edson Dias. Segundo ele, a utilização de cartão de crédito ainda é muito restrita, sendo mais usada para a venda de gasolina. Ele não conhece cartão específico para o carreteiro, em substituição à carta-frete.

- Para Luiz José Binotti, a utilização de carta-frete é um absurdo que não traz nada de bom para o motorista, pois lhe tira a liberdade de escolher o melhor preço
– Para Luiz José Binotti, a utilização de carta-frete é um absurdo que não traz nada de bom para o motorista, pois lhe tira a liberdade de escolher o melhor preço

No trecho, motoristas costumam fazer cara feia para o uso da carta-frete, embora reconheçam que é um mal necessário e inevitável. É o caso de Rozi Terezinha Pereira Nazário, 48 anos, nove de estrada e que costuma viajar com o marido, Amauri Nazário, para dividir o volante do caminhão. Natural de Braço do Norte/SC, viaja por todo o País e acha “horrível” trabalhar com carta-frete “porque vai aos postos de combustível, é obrigada a abastecer, recebe uma quantia em cheque e uma ‘merrequinha’ em dinheiro”. Acredita que os culpados são os postos que oferecem seus serviços às empresas e depois dificultam a vida do carreteiro, fazendo com que gastem mais do que precisam, sem que tenham a liberdade de escolha de onde parar ou abastecer. “É preciso ir aos locais conveniados, que nem sempre são os melhores”, desabafa.

- O ideal seria adiantamento em cheque à vista ou um cartão de crédito, afirma Mario Scopel, pois parece que o motorista está pedindo um favor na hora da troca
– O ideal seria adiantamento em cheque à vista ou um cartão de crédito, afirma Mario Scopel, pois parece que o motorista está pedindo um favor na hora da troca

Opinião idêntica tem o carreteiro Luiz José Binotti, 54 anos e 35 de volante, a utilização da carta-frete é um absurdo e que nada tem de bom para o motorista. Cita a obrigatoriedade de só abastecer nos postos credenciados como principal dificuldade, tirando a liberdade de escolher o lugar que tenha melhor preço ou que seja mais conhecido.

Vilmar Ricardo da Silva, 50 anos de idade e 30 de volante, é natural de Caçador/SC e dirige quase sempre na rota para a Argentina. Por isso não recebe com frequência os adiantamentos em carta-frete. Todavia, nas viagens em território nacional, mesmo considerando que é minoria na sua rotina de trabalho, acha que esse sistema é bom. Abastece nos lugares conhecidos e dispõe de certas facilidades, como estacionamento, banho, restaurante e a facilidade de obter o adiantamento sem muita burocracia.

O carreteiro Felipe Panassol, 29 anos de idade e oito de profissão, conta que praticamente não recebe carta-frete. Natural de Campestre da Serra/RS, ele tem frete certo e um caixa próprio para as despesas de viagem e garante que está tranquilo em relação a eventuais adiantamentos. “Quando há necessidade, o patrão dá cheques que podem ser trocados nos pontos de paradas, sem qualquer problema”. Mesmo assim, “por ouvir dizer”, acredita que a utilização das cartas-frete não é muito boa para o motorista, por tirar a liberdade de escolha dos postos e de sempre parecer que a pessoa está pedindo um favor ao efetuar a troca, além da necessidade de abastecer muitas vezes a preços altos.

Trabalhando há 10 anos em Sinop/MT, o gaúcho de Redentora, José Augusto Henzel, 46 anos e 25 de estrada, é um crítico da carta-frete, sobretudo pela obrigatoriedade de abastecer um determinado percentual sobre o valor do documento, sob pena de sair com cheques pré-datados e ainda um vale – combustível no bolso. Ele dirige um bitrem transportando grãos ou madeiras. Pensa no problema que teria com uma carta-frete no valor de uns R$ 6 mil e precisar abastecer 40% desse valor para poder pegar algum dinheiro. “Faltaria tanque e receberia um vale que só poderia ser trocado naquele mesmo posto por mais combustível e certamente mais caro do que em outros lugares”, pondera. Henzel acredita que o melhor mesmo seria um cartão com o limite pré-estabelecido, que o carreteiro usasse conforme suas necessidades e nos locais de sua preferência. Mas, apesar das eventuais dificuldades, não se queixa. Lembra que no transporte de grãos e de madeira todos os adiantamentos são feitos em dinheiro ou cheques à vista, sem problemas.

Para o carreteiro Mário Scopel Jr., de Antônio Prado/RS, a carta-frete não deveria existir. Segundo ele, o ideal seria o adiantamento em cheques à vista ou um cartão de crédito especial, com o valor limite para ser gasto. Aos 38 anos e 20 de profissão, atualmente dirigindo uma carreta entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, Scopel também critica o modo como os motoristas são tratados na hora de trocar o documento: “Parece que a gente está pedindo um favor. É preciso esperar eles fazerem as consultas e depois abastecer a quantidade exigida, pegar o troco em cheque e uns trocadinhos em dinheiro”. Lembra que a maioria dos carreteiros precisa deixar dinheiro em casa para a família e acaba viajando quase sempre no limite das suas necessidades. “Isso não está certo”, reclama.

Alternativa à tradição
O interesse das empresas administradoras de cartão de crédito no transporte rodoviário de cargas, responsável pela movimentação de um valor estimado em US$ 48 bilhões anuais, se reflete no propósito de substituir a carta-frete. As administradoras pretendem se tornar uma alternativa de um instrumento considerado antiquado até mesmo pelas entidades que representam o setor de transporte de cargas no País.
A Visa já anunciou sua entrada no segmento com o cartão pré-pago Visa Cargo, que pode ser carregado pelas transportadoras como adiantamento para viagens e nos valores acertados com o freteiro. Será o primeiro cartão da bandeira no mundo desse tipo, conforme informação do diretor global de soluções comerciais da Visa Inc., Darren Parslow, impressionado com o alto volume de dinheiro que circula por meio das cartas-fretes.

O grupo gaúcho Apisul, que inclui uma gerenciadora de riscos, com 21 anos de mercado e um cadastro com mais de 600 mil carreteiros, disputa uma parcela nesse negócio com o ApisulCard. Outra bandeira gaúcha, a GoodCard tem um produto semelhante lançado há pouco mais de dois anos e usado por grandes empresas. O Grupo Martins, de Uberlândia/MG, também tem um sistema que elimina a carta-frete, operado pela Repom, que conta com 120 mil carreteiros cadastrados. A Pamcary, grupo que faz corretagem de seguros e gerenciamento de riscos de transportes também tem um cartão, lançado em parceria com o Bradesco. Apesar do interesse das empresas administradoras de cartões de crédito nesse segmento, a utilização pelos carreteiros ainda é pequena, demonstrando que a tradicional carta-frete ainda tem vida longa na estrada.