Por Evilazio Oliveira

Todos os dias, caminhões transportando toneladas de frutas – provenientes do Chile e da Argentina – cruzam a fronteira em São Borja/RS com destino aos mercados consumidores de São Paulo ou Rio de Janeiro, de onde são distribuídos para outras localidades. Esses caminhões costumam descarregar nas centrais de abastecimento (Ceasas) por importadores específicos.

No trecho de aproximadamente 4.500 quilômetros, os carreteiros enfrentam incômodos com policiais rodoviários da Argentina – conhecidos por criarem problemas e exigirem propinas de motoristas estrangeiros, principalmente chilenos e brasileiros. Outro problema é a perda de tempo na aduana de São Borja, onde amostras das frutas transportadas são enviadas para exames em Porto Alegre, com uma demora de aproximada três dias.

Há mais de 10 anos no transporte internacional, Marcelo Urzua diz que a travessia na Argentina não é mais tranquila por causa dos policiais rodoviários
Há mais de 10 anos no transporte internacional, Marcelo Urzua diz que a travessia na Argentina não é mais tranquila por causa dos policiais rodoviários

Enquanto o caminhão está parado, as despesas de alimentação do motorista, por exemplo, continuam normalmente, mas existem outros gastos, como o óleo diesel para alimentar o sistema de refrigeração da carga, que precisa ficar em zero grau. É certo que a empresa cobre essas despesas, porém, também é certo que o produto chegará mais caro ao consumidor.

O frete de retorno, na maioria das vezes, é acertado com agentes que trabalham diretamente com as transportadoras, mas este fato não impede o surgimento de dificuldades e, novamente, a espera de muitos dias por um carregamento. E mesmo acostumados a permanecer muitos dias fora de casa, é inevitável a angústia e a saudade da família, admitem os carreteiros que fazem esse “tiro longo” entre o Brasil, Argentina e Chile.

Alfonso Espinoza reclama que perde até três dias na aduana, divisa entre o Brasil e a Argentina, por conta dos exames fitossanitários nas frutas, feito em Porto Alegre
Alfonso Espinoza reclama que perde até três dias na aduana, divisa entre o Brasil e a Argentina, por conta dos exames fitossanitários nas frutas, feito em Porto Alegre

O estradeiro Marcelo Urzua, 41 anos e 20 de estrada, é natural de Curicó – região central do Chile, e está no transporte internacional há 10 anos. Ele dirige um MAN 2007, da Trans-Negrete, empresa que tem cerca de 40 caminhões frigoríficos para o transporte de frutas. Costuma carregar para São Paulo e Rio de Janeiro, porém, a partir de fevereiro deste ano as viagens têm sido apenas para São Paulo. “Talvez por ser um centro consumidor de maior importância”, raciocina. São 24,5 toneladas de frutas transportadas a zero grau por muitos dias, sempre com a preocupação de manter a temperatura estável, apesar das paradas e esperas inevitáveis. Lembra que nos caminhões mais antigos, o sistema de refrigeração podia ser ligado na energia elétrica em locais especiais nos pontos de paragem ou nas empresas, enquanto aguardavam para descarregar a mercadoria. Agora, no entanto, todo o sistema de refrigeração funciona com diesel e apesar de o sistema ser automático, a checagem precisa ser feita várias vezes ao dia, lembra.

Apesar da distância e do longo período fora de casa, o chileno Juan Salgado admite gostar do que faz e afirma que ganha mais do que se trabalhasse apenas dentro do Chile
Apesar da distância e do longo período fora de casa, o chileno Juan Salgado admite gostar do que faz e afirma que ganha mais do que se trabalhasse apenas dentro do Chile

Garante que a viagem é tranqüila, o caminhão é bom e anda bem sem problemas. A cada viagem o equipamento é totalmente revisado. Ele conta que na travessia do território argentino não há inspeção nas aduanas, porque a mercadoria está “em trânsito”, bastando apenas mostrar a documentação para o veículo ser liberado. A travessia da Argentina, no entanto, só não é totalmente tranqüila por conta dos policiais rodoviários que insistem em “achacar” os motoristas de caminhão. Implicam com tudo e ameaçam apreender o caminhão, caso não haja um acerto financeiro. Os estradeiros sabem disso e já levam uma quantia extra para evitarem problemas com os policiais.

O brasileiro Jeferson Silveira garante que consegue fazer até duas viagens por mês e tem frete garantido para o retorno, providenciado pela própria empresa em que trabalha
O brasileiro Jeferson Silveira garante que consegue fazer até duas viagens por mês e tem frete garantido para o retorno, providenciado pela própria empresa em que trabalha

O carreteiro Alfonso Espinoza tem 29 anos e 11 de estrada, é natural de Rancagua – Chile – e atua há seis anos no transporte internacional de cargas, viajando para Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. Ele dirige um International ano 1996, de fabricação norte-americana, da Transportes Túlio Diaz, com sede em Curicó. Espinoza transporta frutas para São Paulo e lembra que os trechos rodados no Chile e na Argentina são calmos e normalmente sem incidentes ou demoras. Todavia, na aduana de São Borja/RS – na divisa da Argentina com o Brasil – a fiscalização recolhe amostras das frutas transportadas e envia para exames fitossanitários em Porto Alegre, a 580 quilômetros de distância, num procedimento que leva em média três dias. Ou seja, mais tempo perdido. Isso, sem contar que em São Paulo também é preciso esperar – em algumas ocasiões – outros três dias para descarregar. Tudo depende dos estoques do importador e da pressa em repor a mercadoria. Também depende do importador decidir sobre as rotas a serem percorridas pelo carreteiro que, de comum acordo com o patrão, estabelecem o plano de viagens e programam as paradas para pernoites. A não ser pela espera na aduana em São Borja e eventuais demoras para descarregar em São Paulo, o restante da viagem é feito com tranqüilidade, apesar de cansativo por causa da longa distância e das condições das estradas, nem sempre boas, conforme destaca o carreteiro Espinoza. Ele também costuma transportar carne do Paraguai, com os mesmos cuidados exigidos para as frutas, e a mesma temperatura de refrigeração mantida em zero grau.

Os carreteiros que fazem a rota do Chile a São Paulo, com caminhões frigoríficos e cargas perecíveis seguem a mesma rotina, muitas vezes preferem preparar as próprias refeições e somente comem em restaurantes quando precisam abastecer, tomar banho e pernoitar. Costumam rodar até às 10h da noite e reiniciam a viagem às 5h da manhã. Por volta das 9h param novamente para o café e um leve descanso; almoçam à 1h da tarde e – desta vez – o descanso é maior. Depois seguem até o início da noite, com uma nova parada e posteriormente até a hora de dormir, quando então jantam, revisam o caminhão e vão dormir na cabine do veículos. Vida difícil e cansativa.

Para Juan Salgado, um chileno de 42 anos e 21 de profissão, os inconvenientes na rota do Chile – São Paulo ficam por conta dos policiais rodoviários argentinos, que implicam com qualquer carreteiro estrangeiro, principalmente chileno e brasileiro. Os achaques são constantes, afirma. Salgado dirige um International fabricado em 1994, da Nuñes Transportes, e transporta 26 toneladas de frutas entregues normalmente no Ceasa de São Paulo. Ele conta que há oito anos faz o transporte de frutas para Argentina, Uruguai e Brasil, embora a grande maioria das entregas sejam feitas em São Paulo e Rio de Janeiro. As viagens chegam a demorar de 25 a 30 dias e rendem, ao final do mês, o equivalente a U$ 1 mil, valor um pouco acima do que ganharia trabalhando dentro do Chile. Apesar da distância e dos longos períodos longe de casa, Salgado garante que gosta do trabalho. Em relação à carga, a única preocupação é ficar atento à temperatura do baú frigorífico. No mais, apenas as dificuldades normais de um motorista de caminhão, afirma. Ele também depende de agentes da sua transportadora, em São Paulo, para a carga de retorno, tarefa que nem sempre é fácil.

Também atuando no transporte internacional de frutas, Jeferson Silveira da Costa, 32 anos e 12 de profissão, faz um percurso mais curto, rodando cerca de 2.800 quilômetros entre o Vale do Rio Negro, na Argentina, e a Ceasa em Porto Alegre/RS. Ele dirige um Scania ano 1994, da Transportadora Maria Margarete Schardosim, de Porto Alegre, que tem outros 12 caminhões no trecho. Também costuma passar pela aduana de São Borja/RS – fronteira Brasil/Argentina – e não reclama da espera de dois ou três dias para a liberação da carga de frutas, após a análise fitossanitária na capital. Acha que o pior acontece em Rio Negro, no período de entressafra, quando é preciso esperar até 15 dias para completar a carga. Porém, neste período de safra – de dezembro a maio – tudo vai rápido e o trabalho rende. Consegue fazer até duas viagens por mês, sempre com frete garantido no retorno, providenciado pela própria empresa transportadora. Mesmo assim, é preciso ter muito cuidado na estrada, acentua.