Por Evilazio de Oliveira
Quem está no trecho sabe que é difícil prever se poderá passar as festas de Natal e Ano Novo com a família. Tudo vai depender da carga, trajeto e da urgência para a entrega. O certo é que os carreteiros tentam planejar com antecedência o calendário de viagens, visando uma folga na data em que é comemorado o nascimento de Jesus Cristo. Todos reconhecem que é difícil passar o Natal e Ano Novo na direção, ou num estacionamento praticamente vazio, nos postos de combustíveis.
“Dá uma melancolia”, lembra o carreteiro Odir Prior, 40 anos, 20 de profissão e já acostumado a passar o Natal e a noite de Ano Novo trabalhando. Natural de Concórdia/SC, ele dirige um caminhão frigorífico, e é justamente neste período em que aumenta o movimento em razão das festas, diz. Mesmo assim faz planos: pretende passar o Natal com a mulher, Rosevane, e os filhos, Thiago (17) e Mariana (12). Mas, se não conseguir uma folga, vai fazer como nas outras ocasiões, telefonar para casa e desejar boas festas para a família. “Mesmo sabendo que é preciso trabalhar sempre dá uma tristeza, uma revolta, uma angústia”, desabafa.
Trabalhando na mesma empresa e dirigindo um caminhão frigorífico, Paulo Franzon, 25 anos de idade e seis de estrada, também não sabe como vai ser o seu Natal. Desde que está na profissão nunca conseguiu ficar com a família nesta época. Desta vez ele está viajando com o filho Bruno, de seis anos, que por vezes chora de saudades da mãe, Kelly e dos irmãos Gabriel (2 anos) e Gustavo (três meses). Paulo conta que numa ocasião levou a mulher junto numa viagem e passaram o Natal em Aparecida/SP. Assistiram a missa a rezaram pedindo pela felicidade da família e que o novo ano fosse melhor do que aquele que estava terminado. Se não estiver em casa desta vez, Paulo Franzon garante que vai rezar de novo, pedindo as mesmas coisas.
Para o carreteiro Valdomiro dos Passos, 69 anos, 36 de volante e católico praticante, o Natal é uma data sagrada, com a comemoração do nascimento de Jesus Cristo. Por isso, sempre dá um jeito de ficar em casa, em Santa Maria/RS, em companhia da mulher, dos três filhos e de um neto. Conta que já aconteceu de viajar por 45 dias, percorrendo cerca de nove mil quilômetros, mas quando chega o fim de ano tira uns dias para descansar com a família. Valdomiro reza todos os dias e sempre que pode vai a missa para agradecer pelas coisas que têm e de ter superado dificuldades ao longo da sua vida. Ele conta que teve muitos prejuízos com o Plano Collor, porém está se recuperando e hoje já conseguiu comprar outro caminhão, “um Volvo 87, mas com motor 95”. Agora só pensa nos presentes que vai levar para a mulher, filhos e netos. E os planos e sonhos para o ano que ficam para depois, com mais calma, já que pretende fazer alguns projetos. “Mas a gente pensa numa coisa e Deus determina outra”, diz.
Também católico praticante, “daqueles de rezar todos os dias”, Nelson Luís Taschetto, 47 anos e 40 de profissão, já planejou tudo e vai passar o Natal com a família em Caçapava do Sul/RS. Lembra que pelo menos a metade das festas de fim de ano ele passou na estrada, sozinho ou na companhia de algum colega que também não conseguiu voltar para casa. Juntos, jantavam em algum restaurante ou preparavam a própria refeição, ligavam para os familiares e iam dormir “meio acabrunhados”. Desta vez, porém, vai para casa, garante. E quando rezou numa capela próxima ao estacionamento, já pediu ao seu Santo protetor para passar o Natal com a família.
A professora Tânia Pereira, 37, é casada com o carreteiro Glênio Pereira, de 34 anos. É mãe de três filhos, Gabriele (com um ano e oito meses), Gean (11) e Géssica (nove). Nesta viagem ela acompanha o marido com a Gabriele. E enquanto Glênio sai à procura de carga, ela limpa a cabine do bruto, cuida da filha e prepara o almoço, “sempre saudável e com muita salada”. Nos 12 anos de casamento ela já acompanhou o marido em muitas viagens e já passaram algumas festas de fim de ano na estrada. A última foi em Santiago do Chile. Ela conta que jantaram num restaurante, passearam pelo centro da cidade e depois voltaram para o caminhão. Tudo muito bom e bonito.
Neste ano, no entanto, ela quer a família reunida em casa, no município gaúcho de Alegrete, na fronteira com a Argentina. “Tenha ou não tenha dinheiro, vamos ficar em casa”, afirma. “Depois trabalhamos para recuperar, mas é uma data sagrada e é preciso respeitar, passar em casa com os filhos”. E como o marido não retorna, a professora Tânia começa e mexer nas panelas. E “temos até uma geladeira”, mostra com orgulho.
Denise Albani, 30 anos, cuida do filho Everton, de três anos, na cabine do caminhão, no pátio de estacionamento na BR-386, em Nova Santa Rita, na Grande Porto Alegre/RS. Ela espera o marido, o carreteiro Edvandro Albani (28) que tenta acertar o valor de um frete de fertilizantes. “Frete tem, o problema é o valor que eles querem pagar”, explica. Os dois estão planejando antecipar as viagens para alguns dias de folga, no Natal, quando sempre procuram ficar com os familiares em São João da Urtiga, também na região metropolitana. “Mas como a coisa está feia, talvez este ano não dê para ficarmos juntos, e eu não posso ir com ele sempre”, justifica. “Se não der, paciência, ele precisa trabalhar, vamos sentir falta”.
No caminhão ao lado, Renata de Barros, 23 anos, também espera pelo marido, o carreteiro Sidnei Noskoski, 41, que também está à procura de carga. Ainda não sabe como vai ser o Natal, se em casa ou na estrada. “Mas se ele estiver viajando nós vamos entender e rezar por ele, para que tudo dê certo e sermos felizes”.
Lourenço Martinelli, 53 anos, 25 de estrada, mora com os pais – Alfredo e Maria – em Sertanópolis, região de Londrina/PR. Ele dirige um Volvo que transporta cargas excedentes em peso e tamanho, numa carreta com 30 metros de comprimento e utilizando 80 pneus. Um trabalho complicado, afirma. Mas, na época do Natal gosta de ficar em casa, sossegado. As pessoas da cidade enfeitam as casas e ruas e tudo fica muito bonito. “E a irmã, Cleusa, cuida de tudo, de todos os detalhes para que a data seja comemorada com tranqüilidade com os pais, que já estão com certa idade”. A família de Lourenço é católica; ele é evangélico. Mas a festa e a devoção são as mesmas.
Apesar de muitos carreteiros continuarem trabalhando, são poucos os que ficam nos pátios de estacionamento, explica Rosélio Buffon, um dos donos do Posto Buffon, na BR-386, em Canoas/RS. O pátio, com capacidade para cerca de 400 caminhões fica praticamente limpo. A venda de combustíveis cai em 90% , o restaurante fica fechado e o número de funcionários também fica reduzido em 50%. Mesmo assim o esquema de segurança no pátio e nas instalações do posto continua rigoroso, segundo ele. Rosélio Buffon e quatro irmãos são donos de 23 postos de combustíveis no Rio Grande do Sul e um em Joinville/SC. Eles nunca pensaram em fazer algum tipo de festa ou comemoração para os carreteiros nesse dia. “Tudo pára, e mesmo o carreteiro que está longe de casa, dá um jeito de ficar com os amigos”.