Em março, os motoristas de caminhão se depararam com um cenário bem diferente do que estão acostumados no dia a dia da profissão. As estradas ficaram vazias e os estabelecimentos que a eles davam suporte estavam fechados: borracharias, mecânicas, lojas de autopeças e, principalmente, os restaurantes. Provocadas pela chegada do novo Coronavírus ao País, as mudanças mexeram com a rotina de toda população brasileira.
O isolamento social foi adotado como medida para conter a contaminação. Porém, alguns motoristas tiveram de continuar a trabalhar por ser a atividade de transporte considerada serviço essencial para a sociedade. Foi o caso dos carreteiros que, apesar de toda falta de infraestrutura continuaram a viajar para manter o abastecimento e a circulação de mercadorias no País.
Ao longo desse período várias empresas se mobilizaram na tentativa de ajudar a minimizar as dificuldades enfrentadas pelos profissionais. Nas rodovias houve distribuição de marmitas, kits de higiene, máscaras, tags de pedágio etc. Os restaurantes se adaptaram e passaram a atender de maneira delivery. Borracharias e oficinas mecânicas também foram consideradas serviços essenciais e puderam se manter abertas com restrições para aumentar a segurança.
Porém, apesar de todas essas ações, a rotina dos carreteiros está longe do que era antes da pandemia. Muitos hábitos tiveram de ser revistos para garantir uma maior segurança na estrada. Entre eles a utilização de máscaras, distanciamento entre os colegas, maior higienização pessoal (lavagem das mãos e utilização de álcool em gel) e também do caminhão.
Outro fator importante foi o aumento da ansiedade em relação ao futuro da profissão, do transporte e o medo de se contaminar e transmitir a doença para familiares. Os motoristas passaram a lidar também com um maior grau de insatisfação, por se sentirem descriminados mesmo em um período em que a profissão foi considerada como atividade essencial para o País.
“Quando tudo isso começou eu me lembro que fiquei bastante assustado. Eu viajava na rota Mato Grosso do Sul, Paranaguá e Maringá. Parava nos postos e conseguia apenas abastecer, pois todos os demais serviços estavam fechados. Em alguns postos, os restaurantes permitiam fazer o pedido e receber a encomenda do lado de fora. Mas muitas vezes percebia um certo preconceito ao ver outros profissionais acessando o restaurante”, desabafou Sidinei Magagnin, 39 anos, 19 de profissão, de Cascavel/PR.
Sidnei explica também que está trabalhando normalmente desde o início do isolamento. Apenas reforçou os cuidados para evitar ser contaminado e passar aos seus familiares. Tem opinião de que muito do pânico é criado pela mídia e a política. Acredita que outras doenças matam até mais, como a dengue. Conta também que apesar de todo esse cenário negativo, algumas coisas melhoraram.
“O frete melhorou e o diesel abaixou. Sou assalariado, mas vejo todas essas mudanças. Os restaurantes já adotaram medidas seguras como o distanciamento entre as mesas. No Porto de Paranaguá, eles medem a temperatura de todos antes de autorizar a entrada, bem diferente de quando tudo isso começou. A gente parecia bicho”, lembra Magagnin.
João Eldes Vieira dos Santos, São Paulo/SP, 49 anos de idade e 25 de profissão, também recorda de ter ficado bastante assustado quando o isolamento começou, principalmente pela falta de informação e conhecimento. Disse que lembra que uns falavam da velocidade que o vírus era transmitido, outros não tinham ideia do que fazer e os restaurantes fechados. “Uma realidade bem diferente da que estávamos acostumados. E diante de todas as incertezas eu tinha de continuar trabalhando. Cheguei a passar fome quando viajava de Belo Horizonte para São Paulo. Não achei restaurante aberto nem para um lanche. Apenas a noite consegui um lanche através do delivery”, conta.
Ainda segundo João Eldes, quando ele explicou a situação na transportadora teve como resposta que infelizmente ia ser assim, mas logo iria passar pois com certeza alguém ia dar um jeito. “Então passei a levar alguns alimentos no caminhão”, disse. Hoje, conforme explica, as coisas estão mais adaptadas à nova realidade. Os restaurantes voltaram a funcionar com espaçamento entre as mesas e o sistema delivery também foi ampliado.
“Eu compro a minha marmita e almoço no meu caminhão. Me sinto mais seguro pois não tenho contato com ninguém. Acredito estar agindo certo para proteger a mim e a minha família”, declara. João reforça que o trabalho aumentou depois da pandemia. Lembra que antes conseguia ficar dois dias em casa e agora trabalha o dobro. Chega em casa no domingo, 10 horas da manhã, mas quando é cinco da tarde já volta para a estrada. “Antes as estradas até estavam vazias, mas agora parece que muitas pessoas deixaram de respeitar a quarentena e o movimento está bem alto”, observou.
Em relação ao futuro do transporte e da profissão, João está otimista e acredita que o trabalho só vai aumentar. “O transporte pode até dobrar pois vai ter muito mais cargas para circular. E com fé em Deus, com o fim da quarentena tudo que estava parado vai voltar a funcionar e automaticamente o frete vai acompanhar esse aumento. Vai ser correria para voltar a colocar em circulação aquilo que estava parado”, opinou.
A carreteira Vera Lúcia Sousa, motorista há três anos, mora na Bahia e sempre acompanhou o marido em suas viagens. Hoje ela faz a rota entre Luiz Eduardo e Salvador. Ela explica que as grandes mudanças realmente foram no início da quarentena, quando os estabelecimentos como restaurante, borracharia e oficinas fecharam. “Ficamos sem apoio na estrada. Até para ir ao mercado estava difícil, pois existia preconceito em relação a permitir a entrada dos caminhoneiros nos estabelecimentos já que sempre ficamos expostos. Então não conseguíamos nem abastecer a nossa caixa cozinha. Mas logo essas dificuldades passaram”.
Na rota feita por Vera tudo já voltou a normalidade, porém com restrições. Os restaurantes, oficinas, borracharia estão funcionando, porém com medidas de segurança para preservar os clientes. “Voltamos a ter apoio, mas claro que apesar disso continuamos tomando todos os cuidados”. Ela conta que pega as cargas com os fazendeiros e sente que há um certo receio. “Tudo é feito respeitando uma distância segura e com equipamentos de proteção. Mas nas BRs o tráfego está normal e não sentimos muita diferença. O frete está bom. Então realmente não tenho muito o que reclamar”, explicou.
A carreteira faz questão de ressaltar que apesar da situação não estar ruim na rota que trabalha, ela e o marido estão se protegendo e mantendo todos os cuidados recomendados pelo Ministério da Saúde. “Sempre temos no caminhão três máscaras para usar durante todo o dia, álcool em gel nas mãos o tempo inteiro e evitamos qualquer tipo de aglomeração e contato físico com muitas pessoas. Mas, infelizmente essa preocupação não faz parte do dia a dia de todos os colegas”, lamentou.
Segundo ela, algumas pessoas não estão tomando os mesmos cuidados e por isso temos que evitar ainda mais o contato com eles. “Esse cuidado é importante, porque o vírus está em toda a parte, não escolhe quem vai infectar e já afetou o mundo inteiro. “O medo existe, mas não podemos parar. E tomando as devidas precações estamos nos protegendo”, concluiu.