Por Evilazio de Oliveira
A crescente profissionalização do transporte rodoviário de cargas, modernos conceitos administrativos e o lançamento de caminhões cada vez mais equipados com novas tecnologias resultam na busca de um novo perfil de motorista, capaz de entender essas mudanças e acompanhar a evolução do setor. Com isso surgiu a necessidade urgente do carreteiro se reciclar, aprender a manejar os caminhões que estão sendo incorporados às frotas das empresas e, mais do que isso, assimilar as novas ferramentas disponíveis.
Mas, para o autônomo, aquele que não pára nunca, esse tipo de reciclagem nem sempre é possível. E o mercado está aí, exigindo profissionais qualificados e – cada vez mais – só os que estiverem devidamente preparados terão vez nessa competição. De acordo com estimativas, há um déficit de pelo menos 90 mil motoristas no mercado – 15% da frota de 600 mil das transportadoras. O resultado é a perda de receita das empresas, principalmente numa época em que o setor está aquecido.
O sócio-administrador da Scapini Transporte e Logística Ltda., de Lajeado/RS, Valmor Scapini, defende o constante treinamento para os motoristas carreteiros. Segundo ele, a seleção de mão-de-obra qualificada se constitui numa “dificuldade terrível”, principalmente nos últimos seis anos, com a crescente profissionalização do setor e o lançamento de caminhões cada vez mais modernos e com maior capacidade de carga. “Os motoristas não têm acompanhado a evolução tecnológica dos caminhões”, afirma. O resultado é que existe um grande número de desempregados no setor e poucos, efetivamente, capacitados. Os donos de empresas só contratam pessoas aptas, íntegras e dentro de um novo perfil cultural, capaz de absorver a evolução tecnológica dos caminhões e relacionamento interpessoal. “Toda uma cultura a ser construída”, afirma.
Na opinião de Scapini é preciso que os empresários se preocupem com a questão da educação e treinamento dos motoristas. Tarefa, que segundo acredita, deve ter a efetiva participação do sistema Sest/Senat (Serviço Nacional do Transporte) e (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte). “É preciso que o empresário tenha essa consciência, de toda uma cultura a ser construída, do empregador e do motorista, em termos de eficiência e de gestão”. Lembra que o Brasil é um País rodoviário e é importante que as empresas só contratem pessoas que efetivamente tenham preparação comprovada em cursos técnicos.
Segundo ele, a Scapini Transporte e Logística faz a sua parte na área de seleção e treinamento de motoristas através de uma estrutura espartana, mas que tem dado bons resultados. A psicóloga Lisiane Molinaro Reis tem um primeiro contato com o candidato à vaga de carreteiro na empresa, para uma avaliação inicial. É indispensável a comprovação, em carteira, de uma experiência mínima de dois anos ao volante de veículo pesado. Depois, entre outros itens de questões comportamentais, a disposição de seguir regras e facilidade de aprendizagem.
Lisiane Reis lembra que numa turma de 10 candidatos aconteceu de oito serem reprovados nessa fase, demonstrando a dificuldade em selecionar pessoas dentro do perfil exigido pela transportadora. Se o candidato é aprovado na seleção psicológica, ele é encaminhado para a Coordenadora de Treinamento, Ana Paula da Silva, que durante dois dias vai mostrar o funcionamento da empresa, noções básicas de comportamento, higiene, cuidados com o uniforme, pontualidade, saúde e alimentação.
Só depois dessas etapas eliminatórias é que o candidato a vaga como carreteiro na Scapini vai conversar com o supervisor de manutenção da frota, Jorge Luiz Birkholz, mecânico com 31 anos de experiência e curso do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e na Fabet (Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte), de Concórdia/RS.
Na opinião de Scapini, a grande maioria dos candidatos não tem conhecimentos técnicos sobre os caminhões mais modernos. Por isso, o candidato é encaminhado para uma conversa de cerca de duas horas com o supervisor de manutenção da frota, Jorge Luiz Birkholz, mecânico com 31 anos de experiência e curso do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e na Fabet (Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte), de Concórdia/RS.
Birkholz começa mostrando a tecnologia embarcada e o funcionamento do equipamento, depois, saem para uma avaliação de direção e de desempenho ao volante. Só depois o candidato passa a fazer viagens dirigindo um caminhão trucado e em trechos curtos, para depois dependendo do seu comportamento, ser efetivado na empresa, com a responsabilidade de fazer parte de um novo tipo de carreteiro, bem treinado e ciente da sua responsabilidade.
Segundo opinião do coordenador do Centronor (Centro de Treinamento de Motoristas da Região Nordeste do Rio Grande do Sul), de Vacaria/RS, Renato Luiz Rossatto, 99% dos motoristas de caminhões que trafegam nas estradas brasileiras não estariam adequadamente preparados para a profissão. “Avanços tecnológicos surgem todos os dias e a qualificação de mão-de-obra não se dá no mesmo ritmo, o que já é um problema. Estaríamos operando com tecnologia de primeiro mundo e motoristas defasados no conhecimento empírico da sua atividade”. Apesar do trabalho de alguns poucos centros de treinamento já existentes no País, Rossatto avalia que menos de 40 mil motoristas estejam efetivamente capacitados, restando uma esmagadora maioria de motoristas, cerca de 1.450.000 ainda por serem treinados e qualificados, buscando desta forma uma melhoria no seu desempenho sócio-econômico. Ele lembra que os investimentos em caminhões, pneus e implementos são enormes, mas os investimentos no condutor, no gerenciador desses valiosos equipamentos são quase nulos.
O Centronor foi criado em 2003, numa iniciativa da Transportes Cavalinho, Rodoviário Schio e Transportes Bertolini, com a intenção de profissionalizar os motoristas dessas empresas. Hoje, atende outras empresas e motoristas que busquem aperfeiçoamento. Nesse período de quatro anos foram treinados 2.566 alunos no segmento de transporte rodoviário de cargas e 573 na distribuição urbana, totalizando 3.139 alunos.
O curso, que inclui recolhimento e posterior entrega, 15 refeições, hospedagem em quarto duplo, instrução teórica e prática de estrada, material didático (19 apostilas e informativos) custa R$ 800,00 por motorista. Todos os alunos passam por testes de acuidade auditiva, pressão arterial e do teor de glicemia no sangue (diabetes) sem custos adicionais. O Centronor opera em parceria, além das empresas fundadoras, com a Scania Latin América, Borrachas Vipal, Bridgestone Firestone do Brasil, Randon, a Concessionária de Rodovias Rodosul S/A.
Em Concórdia/SC, a Fabet (Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte), criada pelo Setcom (Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Oeste e Meio Oeste Catarinense), em 1997, treinou cerca de 13 mil motoristas, a maioria iniciantes na profissão, com pouca ou nenhuma experiência. Muitos deles desempregados ou na busca do primeiro emprego. O candidato paga R$ 1.055,00 pelo curso, que inclui avaliação veicular e psicologia; R$ 150,00 para alojamento durante os 30 dias do curso; alimentação (café da manhã, R$ 4,00 – almoço R$ 7,00 e jantar R$ 7,00); MOPP (curso opcional), R$ 100,00 e carreta internacional (curso opcional) R$ 250,00.
De acordo com a diretoria da Fabet, o autônomo dificilmente dedica o seu tempo a treinamentos, pois sua necessidade é trabalhar para o sustento da família e manutenção do caminhão. Por isso, é difícil visualizar os benefícios que os cursos podem lhe trazer. Todavia, os motoristas precisam entender que as tecnologias vêm para auxiliá-los. No início, alguns demonstram um pouco de resistência, mas à medida que vão interagindo com a nova tecnologia passam a ter boa aceitação. Um exemplo é o relógio de turbo, que auxilia muito na redução do consumo de combustível, porém é necessário entendê-lo. Ou seja, quanto mais tecnologia tiver o caminhão, mais se percebe a diferença entre motoristas treinados ou não devido o seu desempenho operacional, dizem os instrutores.
Em 2002, a Fabet inaugurou o CETT (Centro de Educação e Tecnologia no Transporte), considerado o maior projeto educacional em benefício do transporte rodoviário de cargas. Inclui uma estrutura com salas de aula, laboratórios, auditório, refeitório, alojamento, biblioteca e pista de treinamento, distribuída numa área de 155 mil metros quadrados. O projeto é pioneiro no Brasil e América Latina. O modelo de sustentabilidade do CETT, através de parcerias, foi considerado exemplo no Brasil e, em 2005, foi elevado pelo Ministério da Educação à condição de Faculdade de Tecnologia no Transporte.
Em Maringá, no norte do Paraná, os donos de sete transportadoras e aproximadamente 500 caminhões, reunidas numa associação conhecida como G10 (porque no início eram 10 transportadoras), fundaram em agosto de 2005 o CTQT (Centro de Treinamento e Qualificação no Transporte), com o objetivo de investir na educação e formação de motoristas e com isso aumentar a oferta de trabalho e qualificar o profissional, que é em grande parte ignorado pela sociedade. O Centro é aberto a todas as empresas do Brasil que tenham interesse numa melhor preparação de seus motoristas, a fim de enfrentarem com melhor qualificação as evoluções tecnológicas na área de transportes, de acordo com as demandas de mercado. No CTQT, dois meses de aulas teóricas e práticas custam R$ 1,8 mil, valor quase sempre bancado pelas empresas.
Também em Maringá, Everton Nakashima, proprietário do Centro de Formação de Condutores Brasília e de três bitrens no transporte de grãos, observava a grande dificuldade dos empresários na contratação de profissionais qualificados. Com isso, decidiu iniciar o curso Super Drive, destinado principalmente àqueles que já atuam na profissão e que precisam de reciclagem ou de experiência em veículo pesado. Do total de motoristas formados, pelo menos 99% saem empregados. De acordo com Nakashima, somente não conseguem colocação imediata pessoas que tenham algum tipo de problema, como nome no Serasa, por exemplo. Ele garante o sucesso do método Super Drive devido a aceitação entre os empresários de transportes da Região, que sempre prestigiam os seus alunos. O curso tem a duração de dois a três meses, incluindo avaliação psicológica, saúde, aulas teóricas e práticas, sempre acompanhadas por instrutores.
O presidente do Setcergs (Sindicato das Empresas de Transportes de Carga no Estado do Rio Grande do Sul), Sérgio Neto, acredita que a grande maioria dos motoristas não está familiarizada à tecnologia dos caminhões modernos. Segundo ele, “não há dúvidas de que em conseqüência destes avanços tecnológicos há necessidade de os carreteiros serem constantemente reciclados e qualificados em centros de treinamentos tais como o Sest/Senat, Centronor , dos fabricantes de caminhões ou em entidades como o Setcergs, que proporciona cursos com vistas ao aprimoramento dos associados e seus funcionários”.
O paranaense Adriano Gowatzki, 38 anos e 15 de estrada, dirige um Iveco Stralis 380, 2007, que pegou “novinho “, sem qualquer treinamento especial. Ele dirigia modelo 98 de outra marca e ficou surpreso com a diferença entre os caminhões, com as novidades que vai descobrindo aos poucos. Tem certeza de que não sabe utilizar todos os recursos do caminhão novo, a começar pelo rendimento do motor e conseqüente consumo de combustível. Confessa que saiu dirigindo porque é motorista, mas gostaria de ter feito algum tipo de treinamento para entender toda a tecnologia que tem à sua disposição. Adriano trabalha para a Transportadora Transluchi, de São José dos Campos/PR e pensa que a iniciativa desse tipo de treinamento deveria ser da montadora do veículo. O carreteiro Izaltino José Pedro é natural de Urupês/SP, tem 57 anos e 37 de profissão é dono de um Mercedes 94 e trabalha como agregado de uma empresa de produtos eletrônicos. Tem curso de Movimentação de Cargas Perigosas porque é necessário, porém acha muito difícil o motorista dispor de tempo e dinheiro para fazer cursos de aperfeiçoamento, ou mesmo para conhecer as novidades introduzidas nos atuais caminhões. Conta que aprendeu a profissão na prática, viajando como ajudante, até tirar a CNH e conseguir um emprego e passar a viajar sozinho. Começou dirigindo entre São Paulo para Porto Velho/RO, em 1970, procurando sempre orientação e conselhos aos carreteiros mais experientes. Reconhece que os motoristas, como em todas as atividades, precisam se aperfeiçoar para continuarem na atividade, mas de que maneira? – pergunta-se.
O paraguaio Francisco Luiz Romero tem 45 anos, 14 de volante e 10 no transporte internacional de cargas. Viaja com freqüência para o Brasil, fato que explica a facilidade de se expressar em português. “Ou em guarani ou inglês”, orgulha-se. Motorista de um Scania 86, tem sempre à mão uma caixa de ferramentas e afirma que a maioria dos motoristas não está preparada para resolver o mais elementar problema de mecânica, precisando muitas vezes ficar parado à espera de socorro para questões simples. Romero fez o curso de movimentação de cargas perigosas porque trabalhava numa empresa de transportes de combustíveis, mas acredita que as novas gerações devem estar preparadas para os novos caminhões e as novas tecnologias, “ou ficarão sem trabalho”.
Darci Lopes de Oliveira, 43 anos e 17 de profissão – natural de Castro/PR – dirige um Scania 75 carga seca transportando nos Estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Aprendeu a dirigir no mato, baldeando madeira, tem o curso de cargas perigosas, mas acredita que está preparado para os caminhões eletrônicos. Garante que é só ler o manual, prestar atenção nas instruções de alguém com experiência e o resto se aprende na prática. Concorda que o motorista deve fazer cursos de atualização, aprender a usar bem toda a tecnologia disponível nos caminhões modernos, porém, a maioria não tem condições por falta de tempo e dinheiro. “Só quem trabalha em grandes empresas pode fazer esse tipo de treinamento e de reciclagem”. O dono do caminhão em que Darci Lopes de Oliveira trabalha é o também carreteiro Antônio Carlos Donatto, 47 anos e 15 de volante. Ele garante que a maioria dos motoristas não está preparada para as novas tecnologias embarcadas. Também concorda com a necessidade de um melhor treinamento para o pessoal do trecho, incluindo direção defensiva, direção econômica, cargas perigosas e, claro, motores eletrônicos. De novo, a questão crucial: “Tempo e dinheiro”, já que o caminhão e o motorista não podem parar.