Por Evilazio de Oliveira

Antes de cada viagem, o carreteiro precisa passar por uma revisão cadastral, como a verificação da sua vida profissional, financeira e até criminal – para só então obter a liberação da carga – numa tentativa que as empresas fazem para a redução de riscos, com a eventual participação do motorista em fatos que possam pôr em perigo a segurança do caminhão e da carga. Mas ninguém garante ao carreteiro a idoneidade da empresa para a qual está transportando, nem mesmo tem a certeza de receber o valor do frete ao fim da jornada.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportadores Autônomos de Uruguaiana/RS, Néri Souza de Oliveira, é grande o número de empresas que estão atrasando o pagamento dos fretes, com cheques devolvidos por falta de saldo bancário e, principalmente, de empresas que acabam fechando sem pagar o valor devido aos carreteiros autônomos.

Na hora de carregar, a empresa faz todo o tipo de exigência e se a pessoa não estiver com o nome limpo não carrega, garante.
No município de Batatais/SP, o sócio-gerente do Rodoviário Pardal Ltda., João Carlos Rossini, o Pardal, 32 anos de idade e há 15 no setor – lembra que as transportadoras exigem tudo do carreteiro, em termos de “nome limpo”, não havendo a necessária contrapartida que garanta a idoneidade da empresa. Segundo ele, 60% das empresas transportadoras do País “estão bichadas”, sem nenhum órgão que as fiscalize, evitando que o carreteiro seja vítima freqüente dos maus pagadores. Principalmente com um alto índice de cheques devolvidos pela falta de fundos.

Rossini – que trabalha basicamente com carreteiros agregados para o transporte de implementos agrícolas de Batatais para o Mato Grosso – destaca que pelo menos quatro em cada 10 motoristas estão inaptos para atender às exigências das transportadoras e das seguradoras.
João Carlos Rossini lembra que qualquer item negativo nas consultas impede que o motorista carregue, sendo vetado pelas seguradoras. “Já em relação às transportadoras, a situação é completamente o oposto”, afirma. Garante que existem várias empresas com títulos protestados, impostos atrasados, cheques sem fundos, multas não pagas e que não sofrem qualquer tipo de punição ou restrição de seus serviços. Ele fica na dúvida: “Será discriminação ou injustiça”

CHORADEIRA – Para o carreteiro de Caxias do Sul/RS, Vicente Besutti, 52 anos, 25 de estrada, pelo menos 30% dos motoristas que trafegam no trecho tem algum tipo de problema de cadastro negativo. Faz essa estimativa com base na “choradeira” dos colegas nos postos de abastecimento, restaurantes ou nas agências de cargas. Prático, ele raciocina: “se o motorista não está limpo não pode exigir muito da empresa e pega qualquer uma que também não tá muito limpa, daí a coisa não termina bem”.

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Ele acredita que se o carreteiro é bom, tem toda a documentação em dia, com cursos de cargas perigosas e sem restrições com as empresas que fazem esse tipo de cadastro, nunca vai pegar frete ruim. Conta que até agora – com 25 anos de chão – só recebeu um frete com cheque sem fundos, de um transporte do Recife para São Paulo, mas “faz tanto tempo que já está quase esquecido”.

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arcelo Vicentainer, 29 anos, é natural de Ipê/RS e está na estrada há 11 anos, tempo suficiente para se precaver de eventuais calotes. Acha que tem sorte pois nunca recebeu um cheque sem fundos, apesar de ter ocasiões de precisar voltar duas ou três vezes na empresa para receber o saldo do frete. “Mas, faz parte”, admite resignado. Lembra que a maioria das empresas dá um adiantamento de 80% – uma ordem de frete que utiliza para abastecer o bruto e recebe o troco em dinheiro ou outro cheque do posto, “ficando garantido”. Mesmo assim ele acredita que existam caloteiros no trecho, mas que isso não acontece com muita freqüência.

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Garantias – Outro que já perdeu o pagamento de um frete foi o carreteiro Peterson Maschio, 29 anos e três ao volante de um Volvo em viagens do Rio Grande do Sul para o Norte. Leva grãos e normalmente traz madeira na volta. Conta que uma ocasião trouxe uma carga do sul do Pará para uma empresa de Apucarana, recebeu um cheque da mulher do dono da firma e “adeus Tia Chica”. O cheque não tinha saldo, a empresa fechou e ele nunca mais conseguiu cobrar o frete. Outra ocasião, tinha um frete atrasado para receber e quando estava em Minas Gerais surgiu uma carga justamente para essa empresa. Recusou, afirmando que eles eram maus pagadores. O agente de cargas fez uma ligação telefônica, conversou com o responsável pela empresa e acertaram tudo. Ele transportou a carga e recebeu o atrasado.

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Jaci Manoel Velho, 38 anos, 23 de profissão – natural de Bom Jesus/RS – dirige uma carreta carga-seca para todo o País. Confessa que já “entrou em algumas frias” na Bahia e no Piauí. Agora trabalha como empregado e entrega os cheques para o patrão. “Se dá algum problema eles resolvem e eu nem fico sabendo”.
O carreteiro Rogério Soares, 34 anos, 16 na boléia, ficou desolado ao saber que não podia carregar o seu caminhão de Porto Alegre para o Rio de Janeiro porque estava com o nome “sujo na praça”. Ele atrasou o pagamento do telefone celular e foi cadastrado no SPC, ficando como negativo no cadastro de consultas da seguradora. Ele conta que já recebeu “uns quatro cheques frios e foi preciso lutar muito para receber”. Reclama que a corda sempre estoura do lado mais fraco, “quando é com a gente, não dá pra carregar. Quando é com as empresas, tudo bem, ninguém fala.”

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ADIANTAMENTOS – Na opinião do catarinense de Sombrio, Clair Cristiano da Rosa, 48 anos, 30 de volante, além do risco do calote, os carreteiros também precisam se sujeitar a receber o adiantamento através das cartas-fretes para as despesas com combustíveis. Isso obrigaria o motorista a abastecer em determinados postos, sem a opção de procurar um melhor preço. Além disso, os postos sempre exigem que seja gasto uma determinada quantia para liberar o troco do valor estipulado na carta. Também reclama da falta de reciprocidade na questão de informações sobre a idoneidade do carreteiro, sem que ninguém relacione as “empresas podres”, que emitem cheques sem fundos ou demoram a pagar o frete combinado.

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Quando o assunto é cheque sem fundos, o carreteiro Juvenal de Paula Neves, 60 anos, 35 de estrada, e sua mulher Ondina, 61, – que o acompanha nas viagens no Scania graneleiro – sentem um arrepio. Eles lembram de uma ocasião em que receberam da empresa diversos cheques nominais para as despesas com combustíveis na condução de uma carga para o Norte.

Na volta, ao pararem nos postos, foram destratados por causa dos cheques sem fundos. Precisaram evitar os postos em que paravam, costumeiramente, além de retirar do caminhão qualquer tipo de identificação com a transportadora que emitira os cheques. Não adiantou: em Governadores Valadares/MG, o caminhão ficou retido até o resgate do cheque sem fundos. O patrão mandou o dinheiro, mas a vergonha foi grande, contam Juvenal e Ondina. E isso que sua ficha é limpa, e o incidente desses cheques aconteceu por culpa de uma empresa que, felizmente não existe mais, afirma Juvenal.