Por Evilazio de Oliveira
Os bons resultados da safra de grãos, aliados a um desempenho favorável da economia brasileira, são apontados como as principais causas do aumento na produção e vendas de caminhões, verificados no ano passado e que, de acordo com previsões otimistas, devem prosseguir nos próximos meses, inclusive com filas de espera para a entrega de alguns modelos. Todavia, apesar desse incremento nas vendas de veículos pesados, o carreteiro autônomo continua longe de realizar o sonho de comprar um caminhão Okm, limitando-se, em alguns casos, a fazer a troca por um modelo um pouco mais novo. Isso quando consegue juntar o dinheiro suficiente para dar a entrada no negócio e ter aprovação do cadastro bancário, tarefa que nem sempre é fácil.
O diretor da Brasdiesel S.A. – revenda Scania em Caxias do Sul/RS -, Itamar Fernando Zanette, lembra que 2006 foi um ano bom para o mercado de caminhões, sobretudo pelos bons resultados da safra. Lembra que no Sul, depois de uma retração causada por um longo período de estiagem, também houve uma reação favorável. Segundo ele, o mercado global de veículos de carga está aquecido e as montadoras que operam o País exportam grande parte da produção. O que fica para o mercado interno não é suficiente, gerando filas de espera. Zanette acredita que o perfil do carreteiro autônomo está mudando em razão da crescente profissionalização do setor. Diante disso e das dificuldades para a compra ou troca de caminhão, os autônomos se organizam em cooperativas ou associações, citando o exemplo da G10, no Paraná, que reúne dezenas de pequenos transportadores. Mas, enquanto os carreteiros não se organizam, o que se vê nas estradas são histórias mais ou menos parecidas.
Depois de trabalhar muito tempo como empregado, o catarinense Sérgio Luzzi, 36 anos e 15 de volante, decidiu que estava na hora de comprar um caminhão. Ele confessa que sentiu um pouco de medo na hora do negócio, mas como era um sonho antigo e as condições para a compra do Scania 94 (atrelado a um bitrem) lhe pareceram razoáveis, decidiu enfrentar o desafio. Comprou o veículo de um particular, com entrada e o restante financiado em 48 vezes, com prestação de R$ 5.400,00, que espera pagar com muito trabalho. No total, o bruto vai ficar R$ 160 mil.
Está otimista, apesar de um prejuízo inicial, pois logo depois da compra precisou fazer o motor e gastou R$ 19 mil, que não estavam no orçamento. Sérgio Luzzi conta que foi reclamar com o vendedor e ouviu o conselho para que “procurasse os seus direitos na Justiça”. E é o que ele irá tentar, reaver o dinheiro gasto no conserto. Apesar desse contratempo, na ocasião aproveitava as férias das filhas Samantha, 13 anos, e Samara, sete, para uma viagem pelos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Sérgio não tinha feito o seguro total do caminhão e nem comprado um rastreador, mas certamente estavam em seus planos para os próximos meses, assim como trabalhar muito para garantir a realização do seu sonho de ter um caminhão próprio.
Na verdade, quem está na estrada trabalhando como empregado sempre sonha em ter o seu caminhão, conforme opinião do gaúcho de Uruguaiana/RS, Eder Ivanir Martins de Camargo, 29 anos e 10 de profissão. Ele dirige um Scania 76 há menos de um ano e tem projetos para o futuro. Casado e com três filhos, quer primeiro garantir o sustento e conforto da família, concluir a reforma da casa e depois, então, quem sabe, começar a fazer economias para comprar um caminhão. Lembra que ainda é jovem e tem tempo para ir pegando experiência e aprendendo com os patrões. Salienta que sempre teve um bom relacionamento com os donos dos veículos em que trabalhou, por isso sabe o que eles sofrem. “Preciso ir aprendendo, porque a situação do autônomo no País é muito difícil”, afirma.
Com pouco tempo de estrada, Vanduir Nunes, 28 anos e cinco de boléia, também pensa em adquirir mais experiência no setor ao mesmo tempo em que vai economizar algum dinheiro para garantir pelo menos a entrada num caminhão. A meta de Vanduir esbarra na falta de dinheiro e nas dificuldades para o financiamento de modelo usado. Confessa que ainda não verificou taxas de juros ou condições e exigências para a compra de um veículo usado. “Por enquanto, ainda é um sonho. É preciso ir juntando dinheiro e depois esperar aparecer negócio, de preferência com alguém conhecido e que a gente também conheça o veículo, para não entrar em fria”, comenta. Lembra que ainda é moço, solteiro e tem muita disposição e confiança para o trabalho.
O carreteiro João Andrade, 49 anos e 25 de volante, é natural de Lages/SC e dono de um Scania 84. Faz seis anos que ele deixou de trabalhar como empregado. Vendeu o carro e com mais algumas economias reuniu o suficiente para a entrada e financiou o restante em 24 parcelas de R$ 1.300,00, “pagas com muita dificuldade”. Agora, com a situação mais estabilizada e com mais algumas economias, João Andrade planeja trocar o seu caminhão por outro mais atual, “talvez um modelo 95”. Ele acredita que a diferença a ser paga não será muito grande e, se precisar financiar, será um valor pequeno. “Não convém se apressar muito, preciso ir com calma, pois a vida do autônomo é complicada”, ressalva. Ele nem pensa na possibilidade de comprar um caminhão novo. Além do preço muito alto e do valor das mensalidades, não teria crédito e nem garantias para bancar esse tipo de negócio.
Luiz Alberto Fagundes Urroz, 62 anos e 40 de direção, já trabalhou como empregado, foi dono de dois caminhões e voltou a ter patrão. Há quatro anos ele dirige um Mercedes com caçamba em serviços de terraplanagem, mas não descarta a possibilidade de voltar a comprar outro caminhão, “talvez da mesma marca e com terceiro eixo para viagens mais curtas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, quem sabe?”
Urroz conta que foi dono de um Mercedes 1519, com carreta, e que acabou trocando por outro após sofrer um acidente. O estrago foi grande e como o conserto custaria muito caro, trocou por um caminhão de menor valor. Mais tarde, por razões de saúde, também acabou se desfazendo do modelo trucado. Reconhece que a situação está difícil para a compra de outro caminhão, mesmo assim não abandona a idéia. Afinal, os filhos estão adultos, cursaram faculdade e estão tocando a própria vida. Agora só tem responsabilidade com a manutenção da casa e do bem-estar da sua mulher. E, como tem bastante conhecimento da vida na estrada, coragem não falta para voltar a viajar. Confessa que está “namorando” o caminhão de um amigo. “Numa dessas, nos acertamos no preço e nas condições e volto para a estrada”, afirma.
Paradoxalmente, embora o bom resultado das safras seja apontado como um dos principais motivos para o aquecimento na venda de caminhões no ano passado, em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, divisa do Brasil com a Argentina, – importante centro agropecuário e sede do maior porto seco da América Latina e por onde transitam diariamente milhares de cargueiros no transporte internacional de cargas – a venda de caminhões novos aparentemente é muito pequena. E quando as vendas existem são realizadas por grandes empresas que fazem as operações diretamente com as montadoras, em São Paulo, ou em grandes revendas do centro do País, segundo alguns observadores da área econômica no município.
O responsável pela Carteira Agrícola e de Crédito a Longo Prazo, da agência local do Banrisul (Banco do Estado do Rio Grande do Sul), Paulo Goulart, disse que não há procura por financiamentos em longo prazo e nem por repasses de linhas de créditos do BNDES. Lembra que o Banco financia, preferencialmente, equipamento zero quilômetro. Além disso, conforme acredita, podem surgir dificuldades para a aprovação dos cadastros e das garantias solicitadas pela instituição, fatores que impedem o carreteiro autônomo de buscar esse tipo de financiamento no Banrisul. Salienta que, em bancos ou financeiras privadas, os prazos possam ser mais elásticos e as exigências mais brandas, mesmo que ao final os custos sejam mais altos. Lembra que o Banco é muito rigoroso, só financia veículos com até cinco anos de uso e, talvez por isso, fora do alcance da maioria dos carreteiros autônomos.