Por Evilazio de Oliveira
Na contramão de algumas leis que mesmo de forma incipiente pretendiam ajudar aos motoristas de caminhão – sobretudo aos autônomos a terem uma melhor remuneração – na realidade pouca coisa mudou na estrada, a começar pelo salário comissionado e pela resistência ao abandono da famigerada carta-frete ou cheques pré-datados nos adiantamentos de viagens.
A carta-frete, cheque pré-datado ou mesmo o cartão de crédito acabam se constituindo na mesma coisa, dizem os estradeiros – porque de uma forma ou outra é preciso se submeter às exigências do posto de serviço para fazer a troca por algum dinheiro vivo. Quase sempre existe a necessidade de abastecer pelo menos 40% do valor do documento para receber algum valor em “dinheiro”. Em alguns casos, ainda há a cobrança de ágio quando se trata de carta-frete ou cheque pré-datado com vencimento considerado longo, 15, 20 ou 30 dias. Enfim, essas são as condições impostas pelos patrões. É pegar ou largar, apesar das proibições impostas pela lei.
O carreteiro Roberto Ramborger conhece bem esse assunto. Natural de São Luís Gonzaga/RS, com 38 anos de idade e 10 de profissão, ele sempre foi dono de caminhão. Porém, devido à atual crise econômica e agravamento das dificuldades para o pagamento das prestações de um modelo 2010, optou por trabalhar como empregado. Hoje, ele dirige uma carreta de nove eixos no transporte da safra de arroz e afirma que o uso da carta-frete e de cheques pré-datados como adiantamento de viagem é coisa normal.
Segundo ele, na safra de arroz praticamente 100% dos adiantamentos são feitos com carta-frete e trocadas em postos conveniados, sempre com a exigência de gastar pelo menos 40% do valor do documento no abastecimento e o combustível cobrado a preço de venda a prazo. Também acontece do restante ser pago com cheque pré-datado, fato que cria outro problema para o motorista, sobretudo quando ele precisa deixar algum dinheiro para a família. Há situações, inclusive, em que é cobrado ágio, principalmente nos casos de cheques com vencimento mais prolongado.
André Luís Fortes da Costa tem 36 anos de idade e 12 de estrada. Natural de Arroio dos Ratos/RS, ele está terminando de pagar o caminhão, um modelo fabricado em 1977, com o qual viaja entre Rio Grande do Sul e Paraná. Garante que raramente recebe carta-frete ou cheque pré-datado, pois utiliza dois cartões. “É uma forma mais eficiente e segura de movimentar o dinheiro”, ressalta. Mesmo assim, surgem pequenos problemas pela falta de máquinas específicas para a utilização dos cartões na maioria dos postos das rodovias.
Diante da dificuldade de ir até o centro das cidades para efetuar saques ou depósitos, diz que é preciso recorrer aos caixas dos postos e repetir a mesma via-crúcis com a exigência de abastecer pelo menos um terço do valor a ser sacado ou efetuar algum tipo de despesa no estabelecimento para receber o dinheiro vivo. “Não tem jeito, sobra sempre para o motorista”, diz. Todavia, André Luís Fortes prefere trabalhar com cartão a outras formas de pagamento. Lembra que todas as boas empresas, as organizadas, seguem a lei e fazem os depósitos de adiantamento de viagem ou outros pagamentos através do cartão. Com isso ele fica com apenas um pequeno valor em dinheiro para as despesas imediatas e se pode viajar sossegado.
O carreteiro Joel Leges, 48 anos de idade e 19 anos de volante, é natural de São Borja/RS e dirige um caminhão ano 91 no transporte internacional e no Brasil. Diz que utiliza cartão e frequentemente recebe cheques pré-datados, mas sem problema para trocar. Explica que abastece o caminhão sempre nos mesmos locais e como já é conhecido, consegue descontos especiais para o combustível e troca os cheques. Isso porque trabalha para uma empresa bem conceituada, caso contrário certamente teria problemas. “Por enquanto está tudo tranquilo, mas existe muita enrolação no setor”, afirma.
Na opinião do motorista Ademir Alberto Santinon, 51 anos de idade e 21 anos de estada, natural de Porto Lucena/RS, que trabalha no transporte internacional ao volante de um Scania 2005, o cartão não deixa de ser uma carta-frete ou um cheque pré “porque os donos dos postos fazem as mesmas exigências para trocar”. Sempre tem a exigência de abastecer pelo menos 40% do valor que se quer sacar e, em casos de cheques com prazos mais longos, 30 dias, por exemplo, ainda cobram ágio. “Eles tiram do motorista com as duas mãos”, desabafa. Santinon tem cartão e também recebe cheques pré-datados; mas carta-frete muito raramente.
Adão Amarante Brinck dos Santos, 60 anos de idade, 30 anos de profissão, natural de Uruguaiana/RS, também disse que a utilização do cheque pré-datado é uma prática comum no setor e ainda há quem, de vez em quando, utilize a carta-frete. “Aceita ou não trabalha”, afirma o carreteiro que depois de aposentado passou a trabalhar sempre como empregado.
Ele lembra que além de precisar abastecer entre 40 e 50% do valor do cheque, também acontece de receber uma parte em dinheiro e o restante com outro cheque pré-datado. “É uma loucura”, comenta, explicando que se corre o risco da empresa que emitiu o cheque já ter o “nome sujo” na praça e daí a coisa fica feia. “Está muito difícil e com poucas esperanças de melhora”, diz com certo desalento.