Por Erik Valeriano
Foto Arquivo
A safra deste ano, segundo dados da Cooperativa Nacional de Abastecimento (Conab) vai superar as 210 milhões de toneladas, volume que representará mais um recorde da agricultura. Desse total, mais de 28 milhões de toneladas (419 mil toneladas maior que o ciclo passado) sairão do Mato Grosso conforme estimativa do Instituto mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Posicionado como um grande produtor de grãos, o Estado tem também destacada importância no setor do transporte rodoviário de cargas e, por consequência, um grande gerador de frete para os principais portos do País.
A informação sobre a safra recorde, divulgada logo no início do ano, foi recebida com alívio e com boa expectativa por parte dos profissionais que trabalham com transporte. A demanda maior de grãos aumenta a procura por transporte e, consequentemente, incide no preço do frete, embora esta lógica nem sempre funciona, porque o que parecia ser um novo cenário ficou apenas na expectativa porque, na prática, a realidade do setor não mudou.
O frete com preços satisfatórios foi praticado somente nos primeiros dias da safra, segundo afirmação do carreteiro Aparecido de Souza, de Guaíra/MS, 42 anos de idade e 20 de experiência. “No início, durante cerca de uns 20 dias foi bom, estavam pagando R$ 170,00 por tonelada para puxar do Norte de Mato Grosso para São Paulo. Depois desse período foi horrível, o preço simplesmente despencou, o mesmo frete caiu para R$ 140,00”, disse o motorista acrescentando que por esse valor ficou difícil manter as despesas do caminhão.
Mas as reclamações quanto ao valor do frete vão mais além, conforme diz o paranaense Ciro Gilberto Moreira 54 anos e 30 de volante. De acordo com ele, o preço médio da viagem em 2015 era de R$ 6.000,00 e sempre teve reajuste anual. Porém, este ano sofreu uma redução. “Além disso, a rotina era de pelo menos três viagens por mês, mas neste ano mudou tudo. São apenas duas viagens a cada 30 dias ao valor de R$ 5.400,00 cada uma”, explica o carreteiro, que tem de pagar mensalmente financiamento de caminhão, pedágio e a descarga. “O que sobra é só para comer. O que parecia ser um ano promissor começou como um pesadelo para nossa categoria”, desabafou.
O mineiro de Patos de Minas, Vandin João de Brito, 53 anos de idade, não entende como o frete, mesmo em período de safra recorde, não conseguiu reação esperada em 2016. “É muito estranho. Em quase trinta anos nunca presenciei nada parecido. Até pouco tempo puxava soja de Ipiranga do Norte/MT até Rondonópolis/MT (trecho com mais de 600 quilômetros) em torno de R$ 145,00 a tonelada e hoje oferecem R$ 131,00 por tonelada como sendo um bom preço”, desabafou.
Brito, que está há 26 anos no trecho, diz não saber o que fazer diante dessa situação, reconhecendo que a vida está complicada tanto para autônomos quanto para quem é empregado. “Antes lutávamos para ganhar um dinheiro extra e investir no caminhão, mas hoje lutamos para sobreviver. Nossa profissão segue ladeira abaixo”, lamenta.
A desvalorização do frete, em pleno período de safra recorde, refletiu também de modo negativo nas empresas de transporte. Algumas delas simplesmente reduziram o número de caminhões para a operação de escoamento da soja.
O empresário Adelino Bissoni, diretor executivo da Transportes Botuverá, uma das maiores de Mato Grosso, por exemplo, aponta que o grande problema para as empresas é o custo do transporte. A empresa chegou a colocar toda sua frota na safra, mas teve de fazer adequações. “A despesa é grande, se você colocar na ponta do lápis os itens como a alta desgovernada do diesel, reajuste nos tributos, insumos e mão-de-obra, vai verificar que trabalhamos só para manter a empresa.
Bissoni destaca ainda que a Transportes Botuverá procurou sempre renovar sua frota, mas diante do baixo do frete, do aumento do preço dos caminhões mais os juros de financiamento que ele considera impraticáveis, a melhor opção foi pela manutenção dos caminhões. “Revisamos nossos caminhões e colocamos para rodar. O frete do jeito que está só paga custos e mais nada”, afirmou.
Na opinião do transportador, a situação pode ser amenizada com políticas públicas estaduais mais incisivas. “Está na hora de equilibrarmos as coisas, existem empresas de fora do Estado que não pagam as mesmas taxas que pagamos. A cobrança em Mato Grosso é uma das maiores do País. Aí vem uma transportadora de outro Estado e simplesmente não tem esse custo, enchem nossa região com caminhões deles e quebram as empresas locais, que estão gerando emprego e renda para o Estado. Precisamos de mudanças nessa política fiscal”, desabafa.
A ideia é compactuada pelo também transportador Maicol Michelon, sócio proprietário da Pedromar Transportes, sediada em Rondonópolis. Há 15 anos no mercado, o empresário garante que a condição do setor é grave e não enxerga qualquer movimentação governamental para mudanças a curto prazo.
Michelon afirma que 2016 é um ano praticamente perdido. “O frete não mudou em nada com a safra. Para conseguir colocar nossos 50 caminhões em operação fomos obrigados a adotar algumas medidas. Uma delas é diminuir a rodagem e evitar desgastes. A preferência é por fretes curtos de até 300km; acima de 500km não pegamos”, explica.
Além das questões apontadas por outros entrevistados, Maicol acrescenta que outra situação também prejudica consideravelmente a categoria, são as trendings. “Em Mato Grosso, cinco grupos dominam essa área; compram o produto para exportar. Eles têm total autonomia para travar o preço do frete. Isso já ocorre há um certo tempo, ninguém faz nada e a asfixia do setor só aumenta”, conclui.
Manutenções adiadas
Para tentar equilibrar as contas, alguns profissionais não realizam a manutenção do veículo no período correto. Revisão em tempos de crise só para situações emergenciais. Um motorista que pediu anonimato aceitou conversar sobre o assunto com a reportagem da Revista o Carreteiro, disse que tem muito caminhão rodando sem a manutenção adequada.
“Eu mesmo não reviso o meu há meses. A única coisa que tenho feito é verificar o estado dos pneus. Tenho consciência de que estou correndo risco, que posso causar um acidente e prejudicar outras pessoas, mas se não proceder dessa forma não consigo rodar.
O carreteiro explica que além dos custos com alimentação, descarga, pedágio e a despesa para manter sua família, – ele tem ainda uma prestação mensal de R$ 2.900,00 referente a um financiamento. “Falo isso com muito desconforto. Falta pouco para a minha aposentadoria, caso contrário iria sobreviver de outra atividade”, finaliza.
Preço do diesel e pedágios
Segundo dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), sem a taxa da transportadora e sem ICMS, o frete carreteiro com origem nas cidades de Rondonópolis, Campo Verde, Diamantino, Sorriso, Campo Novo do Parecis, Canarana, Sapezal obteve reajuste médio de 10% em 2016. O acréscimo, no entanto, foi encoberto pela alta do diesel de 40%, acréscimo da taxa de pedágio em sete postos na BR 163/364.
Levantamento: frete Cotação dia 31/03/2016 |
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ORIGEM | DESTINO | PREÇO R$TON |
Campo Verde | ||
Paranaguá | 223,00 | |
Alto Taquari | 85,00 | |
Rio Verde | 15,00 | |
Rondonópolis | 45,00 | |
Santos | 40,00 | |
Paranaguá | 280,00 | |
Alto Taquari | 145,00 | |
Sorriso | ||
Miritituba | 200,00 | |
Rondonópolis | 110,00 | |
Santos | 305,00 | |
Cuiabá | 70,00 | |
Sapezal | ||
Porto Velho | 135,00 | |
Paranaguá | 197,00 | |
Rondonópolis | ||
Alto Taquari | 50,00 | |
Maringá | 135,00 | |
Santos | 240,00 | |
Paranaguá | 270,00 | |
Diamantino | ||
Alto Taquari | 125,00 | |
Rondonópolis | 95,00 | |
Santos | 287,00 | |
Alto Araguaia | 102,00 | |
Canarana | ||
Uberlância | 127,00 | |
Santos | 264,00 | |
Paranaguá | 300,00 | |
Rondonópolis | 105,00 | |
Campo Novo Parecis | ||
Santos | 320,00 | |
Porto Velho | 147,00 |