Estradas ruins, pedágios caros, fretes abaixo das expectativas, falta de valorização, saudade de casa e da família e muitos outros inconvenientes enfrentados pelos carreteiros na rotina de trabalho não superam o gosto pela profissão. Também não são suficientes para induzir quem desde criança já sonhava em ser motorista de caminhão e sentir que seu trabalho proporciona a liberdade não encontrada na grande maioria das profissões
Por João Geraldo
Quando se questiona qual é o tamanho da frota brasileira de caminhões, os dados conhecidos são aproximados que variam conforme a fonte. E se tratando da quantidade de motoristas profissionais em atividade, além de não se ter conhecimento de qualquer levantamento oficial, cabe dizer que os números sobre o tamanho desse universo profissional são números também aproximados e muitas vezes baseados na frota, cujo tamanho também vez outra é colocado em dúvida.
Independente de quantos estão em atividade no País, o importante é saber que nos últimos anos esses profissionais têm enfrentado muitas mudanças, trazidas principalmente pelas tecnologias e inovações inseridas ao transporte rodoviário de cargas, especialmente nos caminhões. Essas transformações exerceram forte influência no surgimento de uma nova geração de condutores, a qual necessariamente não significa profissionais mais jovens e sim a forma de exercer e sobreviver na profissão diante dos novos tempos.
Hoje, a grande maioria dos motoristas procura estar o mais atualizada possível sobre tudo que se refere à profissão. Isso inclui todo tipo de novidades, do caminhão às estradas e tecnologias que mexem com sua rotina e já convive com palavras que passaram a fazer parte do seu dia a dia, tais como estar conectado, WhatsApp, portal, combustíveis alternativos, eletrônica etc.
Motorista que conserta o próprio caminhão, por exemplo, é coisa do passado, exceto quando o veículo é mais antigo. “Hoje, se um caminhão desses mais novos apresentar algum problema você tem de levar para o computador para descobrir o defeito. E sobre conforto e segurança, é como um carro pequeno de passeio. Antigamente era muito apertado”, observou o carreteiro autônomo Junior Mota, 37 anos de idade, de Jacobina/BA.
Na sua opinião, caminhão é o melhor ramo de negócio, embora destaque que o dinheiro do autônomo seja mais curto, sobretudo devido à questão do frete. Junior comenta que quando se pega a carga direto da fonte é um valor, mas geralmente o motorista pega somente a rebarba. Ele reclama que a transportadora pega por um valor e repassa por outro bem mais baixo e ganha somente com o custo de retirar o conhecimento de frete e colocar o seguro da carga. “Hoje em dia já tem várias transportadoras que não tem nenhum caminhão”, conclui.
Diferente de antigamente, quando os motoristas eram os reis das estradas, hoje são vistos como uma categoria com força capaz de parar o País, embora falte ainda respeito e reconhecimento, como reforçou a carreteira autônoma Débora Moraes Pinzon, 38 anos de idade, de Tramandaí/RS e proprietária de dois caminhões. “Tu chegas num local e não te respeitam. às vezes te deixam plantada em lugares não tem sequer um banheiro que preste”, disse.
Seu pai tinha caminhão e daí veio o gosto pela profissão, mas ela pensa que a categoria está muito desvalorizada. Em sua opinião, toda a tecnologia existente hoje, especialmente dos veículos de carga, deixa o motorista muito mais seguro e confortável. Disse que hoje ainda é bom ser motorista de caminhão, embora não deixe de observar que há muita gente nova na profissão. “Antes, o motorista era mais raiz, outro tipo de profissional, com mais essência”, acrescentou.
Casada há menos de um ano, Débora disse que já viajou mais que atualmente, mas garante que ainda existe algum companheirismo entre motoristas nas estradas, e afirma que jamais mudaria de profissão. “Meu pai começou a vida com caminhão, aí peguei o gosto. Ele não está mais entre nós, porém prometi a mim que enquanto eu existir vou levar a história dele para onde eu estiver, porque o que sou hoje devo a ele”, finalizou.
Embora existam estradas carentes de pista e sinalização em boas condições, parte delas, especialmente nas regiões Sudeste e Sul do País, dispensam reclamações. É o caso da via Anhanguera, Bandeirantes, destacou o carreteiro Amauri Bispo dos Santos, de Ribeirão Pires/SP. Filho de carreteiro, disse que a profissão se transformou em seu sonho e desde 2009 trabalha empregado em empresa de transporte. Contou que hoje só faz viagens curtas, na média de 300 quilômetros por dia. E na sua opinião, apesar de todos os avanços e mudanças na profissão, ainda falta mais de cidadania e respeito para os motoristas.
“Existe muita demora para descarregar e no caso das cargas agendadas, se a gente não chega no dia e hora, pode perder de três a quatro dias. Outro problema é a falta de lugares decentes para estacionar”, comentou Santos, reclamando de ter de pagar para dormir em postos de serviço, caso não abasteça o caminhão entre 100 e 300 litros de diesel para ter direito ao pernoite gratuito.
Outro item presente na vida do motorista de caminhão, e que pesa no bolso é o pedágio para rodar por pistas sob concessão. O carreteiro Sérgio Marques, de Petrópolis/RJ, 48 anos de idade e autônomo há 18, é categórico ao comentar que a distância entre os postos de pedágio nas rodovias deveriam ter no mínimo 60 quilômetros. Ele cita também a falta de pontos de apoio com maior infraestrutura, pois quem roda por rodovias com pedágio já paga por isso.
Apesar de hoje ser mais seguro viajar do que décadas atrás, e menos sofrido que antigamente, o motorista Dorival Miranda, de Iacanga/SP, ressalta que muita coisa precisa mudar no transporte rodoviário de cargas, sobretudo no que se refere a fretes, segurança, tempo de viagem, respeito com os motoristas e também pedágios a preços mais justos. “É preciso valorizar mais o motorista, dar condições mais dignas de trabalho e explorar menos o motorista. Falta respeito”, disse.
Para o caminhoneiro autônomo Erick Rodrigues dos Santos, autônomo há cerca de quatro anos, o princípio de tudo para melhorar a vida do carreteiro é o respeito. “Somos humilhados e desrespeitados. Se fosse diferente melhoraria muitas coisas na estrada.
Faltam melhores condições de trabalho para o motorista descansar um pouco”, comentou.
Apesar do muitos problemas, apenas um ou outro pensa em abandonar a profissão. Erick Rodrigues, por exemplo, destacou que a liberdade é a melhor parte da profissão. “Não ter rotina e acordar cada dia em um lugar, conhecer pessoas diferentes não deixam um dia ser igual ao outro, como é dentro de uma empresa”, justificou. No entanto, ele não deixa de reconhecer que a pior parte da profissão é a saudade da família, dos filhos. “Isso machuca muito”, acrescentou.
A opinião de Santos sobre liberdade é compartilhada pela carreteira Débora Pinzon. “Sair de um lugar, almoçar em outro e dormir bem mais pra lá. Um mate na mão e viajar num caminhão”, expressou a carreteira gaúcha. Para ela, o lado difícil da profissão está na saudade de casa e na falta de educação na estrada. E também em rodovias sem infraestrutura e ruins, como o trecho entre Porto Alegre a Santana do Livramento, que ela classificou como horrível.
Quando o assunto é o estado das rodovias do Nordeste, o baiano Junior Mota, também filho de motorista de caminhão, diz que já rodou por todo o Brasil, e que na sua região a situação está meio a meio, frisando que as federais (BRs -116, 324 e 201) estão em boas condições, mas no caso da estaduais do território baiano nem todas recebem sua aprovação. Sobre coleguismo na estrada, ele roda também pelo Estado do Pernambuco, diz que ainda existe sim, porém, não deixa de citar que tem muito caso de um querendo engolir o outro. “É cobra engolindo cobra”, taxou. Sobre o passado, acredita que ser motorista de caminhão no passado era melhor e lembra que seu pai e parentes tinham orgulho de ser motoristas de caminhão. “Considero ser motorista de caminhão o melhor ramo de negócio do mundo”, finalizou.
O carioca Sérgio Marques disse que tem muita gente boa na estrada, com disposição para ajudar o próximo, como ele mesmo o faz, embora acredite que antigamente era melhor ser caminhoneiro, porque não havia essa correria de hoje. Mesmo assim, ele não trocaria sua profissão por nenhuma outra, mesmo diante dos problemas do dia a dia como não ser respeitados e reconhecido e não poder desfrutar de uma boa renda que possa cobrir com folga as suas despesas. “Lugares e povo de culturas diferentes, isso é o máximo”, acrescentou.
“Antigamente era mais sofrido, o motorista tinha menos pontos de apoio nas estradas”, destacou Dorival Miranda, que aponta a saudade da família e o descaso com o caminhoneiro como o lado ruim da profissão. Atualmente empregado em uma usina de cana no Interior do Estado de São Paulo, ele comenta que já puxou muita cana picada, vinhaça, mas há cerca de quatro anos está fixo no plantio. Em sua opinião, a liberdade é o principal fator que prende as pessoas na profissão.
Na maioria das vezes, ser carreteiro é um sonho de infância, como como é o caso de Amauri Bispo dos Santos. “Meu pai foi sempre do trecho e isso virou meu sonho”, afirmou. Contou que apesar das dificuldades da profissão, como assaltos e acidentes, a parte boa é estar na estrada e curtir a viagem, para qualquer que seja a direção. “Meu pai costumava dizer que quando a gente faz aquilo que gosta todo dia é feriado”, concluiu.
Essa opinião é compartilhanda também pelo autônomo Elton Yoshio, paranaense de Apucarana, que 34 anos e que dia 13 de agosto completará 35 anos de idade. Ele diz ter nascido pra ser carreteiro, pois desde criança os veículos pesados já chamavam sua atenção. “Gosto muito de dirigir e de sentir a potência da máquina. Não me vejo fazendo outra coisa”, disse. Para ele, poder voltar para a casa ao final de cada viagem é uma das melhores partes da profissão.
Yoshio destaca também que sente falta de pontos de parada e de segurança nas rodovias, entre outros problemas. Em sua opinião, a situação da categoria está mais difícil também porque tem muito caminhão rodando. “Esse é um dos fatores que contribuem para reduzir o valor do frete. Mas eu não troco de profissão, porque amo o que faço, finalizou.