Motoristas lembram com saudade do tempo das rodas de prosa durante as paradas em postos de serviços, da troca de experiências e cozinha compartilhada, situações que foram substituídas por grupos virtuais criados em aplicativos e que apesar de aproximar os que estão longe afastam os que estão próximos

Por Daniela Giopato

O avanço da tecnologia trouxe muitas mudanças positivas para o segmento de transporte. Os caminhões ficaram mais modernos e confortáveis e todos os processos burocráticos envolvendo pagamento de frete, pedágio ficaram rápidos e seguros. Os meios de comunicação também evoluíram, e apesar de também trazerem algumas facilidades, provocaram mudanças no hábito dos motoristas.

Antes da invasão dos smartphones, por exemplo, o Rádio PX era o principal equipamento utilizado pelo motorista para se comunicar com os outros colegas e ser alertado sobre algum imprevisto como acidente ou congestionamento na estrada. Hoje, tudo é mais rápido. Recentemente a pesquisa Perfil do Caminhoneiro, promovida pela CNT (Confederação Nacional dos Transportadores) revelou que do total de 1066 motoristas entrevistados, 98% utilizam o celular para acessar a internet e se informarem e 90% acessam a internet diariamente.

ALE 4551
Os motoristas têm preferido conversar por telefone ou por aplicativos, ficando cada vez mais isolados dos colegas de estrada

Além disso, os motoristas participam de grupos de conversa em aplicativos para se comunicarem tanto com familiares quanto com os colegas de profissão e através deles combinam paradas em postos, e divulgam informações importantes para o dia a dia da profissão. Dados da pesquisa sobre o retrato do motorista, realizada pela SK Cia da Informação, em parceria com a Revista O Carreteiro, revelou que 98% dos entrevistados conversam pelo WhatsApp. O uso desse aplicativo é tão eficiente e frequente que foi uma das ferramentas mais importantes na articulação da greve que parou o País maio do ano passado.

Apesar dessas ferramentas facilitarem o dia a dia dos motoristas, elas trouxeram também mais individualização na estrada. É comum encontrar nos postos de rodovia os motoristas isolados nos seus celulares, negociando um frete, assistindo a vídeos de entretenimento ou conversando com a família.

Eder Barbosa de Oliveira
O carreteiro Eder Barbosa comentou que os motoristas passam muito tempo nas redes sociais e que ainda tem rádio PX e gosta muito de conversar pelo aparelho

O mineiro de Igarapé, Eder Barbosa de Oliveira, 32 anos de idade e 12 de estrada, acredita que com a chegada dos aplicativos os carreteiros preferem ficar sozinhos. “Os motoristas acabam se isolando e passam muito tempo conectados nas redes sociais, parecendo zumbis no mundo virtual. Eu ainda tenho rádio PX e adoro conversar por ele. Não sou contra os aplicativos, eles nos ajudam muito, apenas acho que deveria ter um limite de uso. Hoje quando a gente chega no posto, ninguém quer trocar uma ideia”, lamentou.

Apesar de existir ainda o coleguismo na estrada, Eder acredita que até por conta da falta de segurança na estrada, os motoristas estão mais receosos de parar e ajudar e que isso deverá se agravar ainda mais com o passar dos anos. No entanto, ele assegura que ainda existe aqueles amigos que ainda se importam com o bem estar do outro. “Antes, as pessoas eram mais amigas, gostavam de uma boa conversa e se preocupavam com o próximo, mas hoje isso é coisa rara”, desabafou.

marcio2
Márcio Cordeiro disse que sente falta das conversas ao lado da caixa cozinha, e que agora parece que todo mundo está com medo e ficando cada vez mais sozinho

Márcio de Oliveira Cordeiro, de Serrinha/BA, tem mais de 20 na profissão e também concorda que hoje as coisas estão bem diferentes. Ele lembra que já teve rádio PX no caminhão e utilizava o aparelho para se comunicar com os colegas e ficar informado sobre a estrada.

“Mas o aparelho foi substituído pelo telefone celular e hoje a gente não vê mais aquela amizade, um motorista conversando com o outro, ajudando. Antes tinha aquelas conversas próximas à caixa cozinha. Mas agora parece que todo mundo está com medo e ficando cada vez mais sozinho”, observou.

Luizz
Para Luiz Miguel Vilas Boas, a tecnologia separou os amigos e a família, pois cada um fica isolado no celular conversando virtualmente com outras pessoas

Na opinião de Luiz Miguel Vilas Boas, 62 anos de idade e 40 de profissão, de Barra Mansa/RJ, a tecnologia separou os amigos e a família, pois cada um fica isolado no celular e conversando virtualmente com outras pessoas. “Na estrada é a mesma coisa, os carreteiros também preferem se comunicar mais pelo aplicativo do que pessoalmente. Eu mesmo tenho um grupo do trabalho e é por meio dele que trocamos informações sobre as cargas disponíveis, congestionamentos etc. O lado ruim é que quando paramos em posto as conversas continuam no mundo virtual”, lamentou.

Mas Vilas Boas faz questão de ressaltar que apesar da tecnologia ter mudado o modo como os motoristas se relacionam, trouxe conforto e diminuiu a saudade de casa. “Antes da Internet, para eu ter notícia da família tinha de parar no posto e sair correndo atrás de um orelhão. Lembrou de uma ocasião, em São Paulo, que parou para telefonar para sua esposa, estava armando uma chuva e ele acabou recebendo um choque. “Hoje a comodidade é grande, por isso que eu digo que a tecnologia veio para ajudar e atrapalhar, unir e separar tudo ao mesmo tempo”, brincou.

HEBERSON
Heberson Francisco disse que através dos grupos na Internet tira dúvidas sobre a profissão, relaxa com a troca de mensagens e sente segurança

Para Heberson José Francisco dos Santos, 42 anos de idade e 14 de profissão, de Paraguaçu Paulista/SP, os momentos de conversa com os colegas ainda existem. Garantiu que tem facilidade para fazer amizades e que dificilmente fica sozinho quando para em um posto de rodovia. Na sua visão, a tecnologia trouxe muitos benefícios principalmente em relação a diminuir a saudade da família.

“Eu sinto que o coleguismo não acabou. Tenho muitos amigos pela estrada. Quando chego nos postos vou almoçar ou jantar tenho sempre uma companhia para falar sobre a profissão, as dificuldades. Mas claro que chega uma hora que pegamos o celular para matar a saudade da esposa, dos filhos. Poder fazer uma chamada de vídeo e ver aqueles que amamos e estamos longe é muito bom”, destacou.

Na sua opinião, o WhatsApp ajuda muito, pois através dos grupos ele consegue tirar dúvidas relacionadas à profissão, à estrada e ainda relaxar com a troca de mensagens entre os colegas. “Me sinto mais seguro para enfrentar as dificuldades da profissão”, afirmou. Ele lembrou que durante onze anos trabalhou puxando cana com um rodotrem na região de Presidente Prudente/SP, mas como a empresa começou a fazer esquema de safra (seis meses trabalhando e seis parado) decidiu trabalhar com outro tipo de carga.

“Mas faz apenas seis meses, então não estou muito familiarizado com as estradas e rotas. E os colegas do grupo me ajudam muito quando tenho alguma dúvida”, ressaltou.