Por Daniela Giopato
Cheque devolvido, contas atrasadas e utilização do limite de saldo da conta bancária, são situações cada vez mais comuns no dia a dia do brasileiro, principalmente num momento em que a economia do País não dá sinais de grandes crescimentos. E para o motorista de caminhão, que assim como muitos outros profissionais depende de uma economia aquecida para poder movimentar o seu negócio, a tarefa de se manter financeiramente estável diante de reajustes nos preços do óleo diesel, pedágios e outros insumos que recaem sobre a atividade se torna cada vez mais difícil.
Diante de toda essa situação, o carreteiro sabe que é fundamental ele ter seu nome “limpo” na hora de contratar o frete, para que não haja entraves e seja impedido pelas seguradoras de risco de realizar o transporte. No entanto, apesar de evitarem qualquer das situações que possam prejudicar sua rotina, tem sido cada dia mais comum o fato de motoristas se verem impedidos de trabalhar por falta de liberação do seguro da carga. Sem faturar para saldar as contas, a situação de quem vive este problema tende a se agravar cada vez mais.
No entanto, esta situação pode ser mais grave para o autônomo, conforme diz o motorista empregado Airton Donizete Tabarim, 41 anos, 15 de profissão. Ele conta após ter perdido o emprego em uma transportadora passou por um período difícil, no qual deixou de pagar contas, inclusive o pagamento do financiamento de um carro de passeio que acabou perdendo, até conseguir outra recolocação no mercado.
Airton destaca que ao contrário do que acontece com muitos colegas, ele consegue a liberação para carregar. “Talvez se eu fosse autônomo, a situação seria complicada, mas como sou empregado, as coisas se tornam mais fáceis”, comenta. Ele acrescenta que tem seguradora de risco que se preocupa em ver se o motorista tem algum problema com a polícia, mas outras bloqueiam o carreteiro por qualquer cheque devolvido, sem levar em conta que qualquer pessoa pode passar por períodos difíceis como aconteceu com ele.
Já o carreteiro Carlos Antonio Falchtt, 50 anos de idade e 25 de profissão, de Monte Azul Paulista/SP, afirma que apesar de não ter preocupação com as seguradoras, por também ser empregado, conhece as dificuldades enfrentadas pelos colegas. Em sua opinião, as empresas tomam muito cuidado no momento de optar por um motorista para transportar a mercadoria em razão do elevado número de roubos de carga. “Acredito que toda essa burocracia é uma maneira da seguradora se prevenir contra os motoristas que sacaneiam. Mas é uma situação difícil de resolver, porque se o carreteiro não consegue carga como vai quitar as suas dívidas?”, questiona.
Kedley Edson da Silva, 36 anos de idade de Barretos/SP, está há oito anos na profissão e afirma que não costuma ter dificuldades com as seguradoras de risco. Ele costuma sair de Uberaba/MG com carga de MDF para São Paulo e na volta transporta o que conseguir para não rodar vazio. Lembra que há pouco tempo teve problema para negociar uma dessas cargas de retorno. “As seguradoras cobram uma taxa, porém como quase não uso por ser empregado, acho que não havia pago e por isso não conseguia uma carga de água. Resolvi, mas quase tive de passar um final de semana estacionado em posto, e voltar vazio é prejuízo”, afirma.
Não existe muito critério entre as seguradoras para liberação de carga. Esta é a opinião do autônomo de Palhoça/SC, Tauro Amadi, veterano com 25 anos de estrada. Ele diz já ter carregado carga no valor de R$ 2 milhões para uma empresa e não ter conseguir liberação para outra de R$ 20 mil por estar com um boleto bancário com pagamento em atraso. “Em uma crise como essa que estamos vivendo no Brasil é difícil não cometer deslize, além disso, muitas vezes temos de escolher qual conta pagar, dar prioridades”, justifica. Amadi alerta ainda que imprevistos acontecem na vida das pessoas e lembra que antes do falecimento de sua esposa em decorrência de câncer, o tratamento da saúde dela era a prioridade.
Quando conversou com a reportagem da Revista O Carreteiro, Tauro estava parado em posto na Rodovia dos Bandeirantes/SP e passava por mais um imprevisto que havia lhe causado alguns dias sem faturar. Depois de perder um dia para descarregar água e suco em um supermercado na cidade de São Paulo, a carga de água foi recusada devido a problemas na tampa do produto. “Eles não aceitaram e devolveram. Agora estou aqui tentando resolver”, explicou.
De acordo com o carreteiro, a empresa para a qual estava prestando serviço tinha pedido para ele retornar ao mercado, porém ele afirmou que havia questionado sobre as despesas com e combustível e a diária do tempo parado. “Na ocasião, Tauro Amadi lembrou que de acordo com a lei tinha direito a R$ 1 real por tonelada nos dias parados e que até aquele o momento daria R$ 600,00. “Mas eles não querem pagar, por isso acionei o sindicato, para quem terei de pagar 20% valor que conseguir receber”, desabafou.
Quanto às seguradoras, ele revela que também não concorda com as justificativas para não liberarem os motoristas. Defende que ter um cheque devolvido não pode ser motivo para impedir o carreteiro de carregar. “O pior é que nunca temos acesso ao motivo real. Já fui negativado e pedi para a empresa imprimir o relatório dos motivos e eles dizem que não conseguem”, conclui.
O autônomo, Cleiton da Silva, 33 anos e 10 de profissão, de Lavras/MG, diz que dificilmente enfrenta problemas para carregar por conta das seguradoras. Mas recorda de uma ocasião que não teve a carga liberada porque o caminhão que havia comprado de um particular não tinha sido ainda transferido para o seu nome. “Tentei explicar e justificar mostrando os documentos do veículo, mas não teve jeito, eles não liberaram. Conclusão: não consegui carga de retorno e tive de passar dois dias em São Paulo, o que me rendeu prejuízo”, lamentou.
Para Cleiton, os critérios de avaliação por parte das seguradoras de risco deveriam ser outros, porque os imprevistos acontecem e se o motorista com restrição não consegue trabalhar sua situação só piora. “Hoje esta tudo bem, mas e se fundir o motor, por exemplo? Não sei se teria dinheiro para pagar o conserto e poderia ficar endividado. Essas empresas têm de verificar se o carreteiro trabalha bem ao invés de procurar saber se o nome está no protesto”, critica.
O carreteiro Roberto da Silva, de Vila Velha/ES, passa por um período difícil, com restrição no CPF está desempregado há mais de um ano. Apesar da experiência de 20 no setor de transporte e de ter empresas com oferta de vagas, diz que elas não têm como contratá-lo. Ele conta que teve uma pequena transportada, porém o negócio não deu certo e faliu dando início a uma série de problemas em sua vida. Lembra que chegou a trabalhar como motorista por pouco tempo em uma transportadora, porém como não conseguia carregar na maioria dos grandes embarcadores foi demitido. “Se eu fosse autônomo, e o caminhão fosse meu, até aceitaria estas restrições. Mas era empregado, e por conta da minha falência, as seguradoras não fazem o cadastro e nem me respondem por e-mail, apenas por telefone, o que me impede de reunir provas para obter uma liminar e poder trabalhar”, desabafa.
Silva diz que sobrevive de “bicos”, vendendo roupas de casa em casa e consegue pagar as contas com a ajuda de familiares mais o salário da esposa. “Estou vivendo uma situação vergonhosa. Tenho oferta de emprego de carreteiro, mas não consigo a vaga por não poder carregar. Se a empresa está com tudo em dia, por que não me deixam trabalhar. E como vou pagar minhas dividas”, pergunta.
A GPS Pamcary, corretora de seguros especializada no transporte de cargas, acredita que a simples atualização cadastral resolveria o problema de muitos motoristas, cuja falta realmente impede que a gerenciadora faça o enquadramento desse profissional ao perfil necessário para o embarque da carga. O cadastro é renovado a cada 12 meses e sempre com autorização do motorista. Os dados permanecem no sistema são atualizados através de informações fornecidas pelo próprio carreteiro e também pelo cruzamento de informações de viagens, com a finalidade de sempre estar enquadrando o motorista no perfil mais adequado.
De acordo com o diretor de negócios e produtos da Pamcary, Luís Felipe Dick, a Pamcary disponibiliza certas ações para ajudar os carreteiros nestas questões. Ele destaca a Central Exclusiva para orientar os motoristas em questões burocráticas e ajudar também na agilização do carregamento e equipe itinerante Telerisco. “Participamos também de uma Câmara de Mediação e Conciliação, criada em outubro de 2010, que tem apresentado soluções de pendências, divergências e falta de informações aos motoristas de todo Brasil”, explicou Dick, acrescentando que nos últimos quatro anos foram realizados 2.058 atendimentos a motoristas em vários Estados. Entidades como o Sindicam/SP, Gistec, Brasil Risk, Buonny Gerenciamento, GV Gestão e Apisul, também fazem parte da Câmara.
Luiz Felipe Dick destaca vantagens ao motorista que tem o cartão GPS Pamcary, tais como acesso gratuito à central de relacionamento, agilidade no embarque em várias empresas que trabalham com o Telerisco. Outras são recebimento de frete e pagamento de pedágio por meio homologado pela ANTT e em conformidade com e Lei do Pedágio. “O carreteiro tem a liberdade de escolha para gastar o dinheiro do frete como e onde quiser; tem acesso gratuito a informações de seus rendimentos, para fins de declaração de Imposto de Renda; segurança no recebimento do frete através de cartão protegido por senha – sem custo ou manutenção – e maior acesso a financiamentos”, relacionou Dick.
Apesar das restrições para a contratação do motorista, o presidente da Buonny, Cyro Buonavoglia, afirma que pontos divergentes financeiros não são determinantes na qualificação do perfil, bem como a análise do perfil também não é impeditiva para contratação do motorista. “É importante ressaltar que a decisão para a contratação é do cliente e não da Buonny”, justifica. Buonavoglia cita também que os cadastros são enviados pelos clientes interessados, com os dados informados pelos próprios motoristas. Porém a empresa mantém contato telefônico pessoal com cada um desses profissionais para ter maior exatidão e não haver qualquer equívoco das informações. “Nesse momento, orientamos o profissional para enviar os documentos referentes a situações de caráter pessoal, profissional e financeiro, se for o caso”, conclui.