Por Larissa Andrade
Foto: Divulgação

A formação profissional é um tema que nunca sai de discussão, já que as novas tecnologias e mudanças na legislação acabam afetando diretamente na qualificação dos motoristas profissionais. A Europa é um dos grandes exemplos disso e desde que a União Europeia começou a funcionar, os países que fazem parte do grupo tiveram de se adequar às regras comuns a todos eles, caso do limite de horas ao volante e tempos de descanso do motorista.

Em 2003, a União Europeia publicou a Diretiva 059 que estabelecia regras, mas deixava muitas brechas. A lei, que deveria ter sido reavaliada em 2013 está ainda sendo debatida e tem provocado muita polêmica. Desde setembro de 2014, todos os motoristas profissionais que transitam pela Europa devem apresentar o Certificado de Competência Profissional – CPC na sigla em inglês – quando são parados em algum controle. Esse certificado garante que o motorista passou pela formação exigida na União Europeia, mas o problema é que cada país exige uma formação diferente e a fiscalização varia de país para país. Com isso, a qualificação dos carreteiros e motoristas de ônibus continua sendo diferente.

Isso é o que explica Claudia Ball, diretora do Projeto ProfDRV (Motoristas Profissionais, na sigla em inglês), que avaliou a Diretiva e fez algumas propostas para promover a qualificação profissional. “Os diferentes grupos de empresários e tomadores de decisão estão cientes dos desafios como aspectos que precisam ser abordados para que os objetivos iniciais da Diretiva sejam alcançados. Isso se aplica especialmente para os problemas de qualidade no âmbito da formação, a falta de comparabilidade dos resultados de aprendizagem reais em toda a Europa, ou mesmo entre os fornecedores de treinamento. Infelizmente, a atitude do setor dos transportes para investir na Qualidade Profissional dos seus motoristas não mudou o suficiente”, ressalta Claudia.

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Para a especialista, existem dois problemas que levam a essa situação: o primeiro está no valor dado ao treinamento nos diferentes países membros europeus e o segundo está na questão financeira, já que grande parte dos empresários ainda procura a opção mais barata apenas para garantir o que é exigido pela lei.

Para ter uma ideia da situação atual, a Comissão Europeia de Mobilidade e Transporte fez um levantamento com 389 pessoas que atuam no setor e, para grande parte dos entrevistados, os resultados ficaram aquém do esperado: 20% disseram que a Diretiva não teve nenhum impacto na profissionalização do setor e 55% disseram que houve um impacto positivo, mas que esse impacto foi pequeno; e apenas 25% disseram que o impacto foi significativo.

A organização Moving, formada por editoras internacionais especializadas em segurança viária, foi uma das convidadas a participar de um encontro da Comissão Europeia para discutir a revisão da Diretiva 059. Antje Janssen, diretora da Moving, explica quais são os desafios atuais. “Acreditamos que a Diretiva está contribuindo para aumentar a segurança viária na Europa, no que se refere ao treinamento de motoristas de ônibus e caminhões, mas que essa contribuição tem sido insuficiente. A segurança nas estradas poderia aumentar de maneira significativa com controles nos treinamentos. Isso poderia ser obtido através de um reconhecimento comum dos centros de treinamento e de um teste sobre os objetivos de aprendizagem ao final do treinamento periódico”.

Claudia Ball : Infelizmente, a atitude do setor de transporte para investir na qualidade profissional dos motoristas não mudou muito
Claudia Ball : Infelizmente, a atitude do setor de transporte para investir na qualidade profissional dos motoristas não mudou muito

Para a associação, é importante que haja maior entendimento para se estabelecer um quadro comum para a formação e os testes, harmonizando ainda mais o conteúdo da formação e definição de requisitos comuns para centros de treinamento e instrutores. Hoje em dia, os programas de treinamento e métodos de ensino não são padronizados e o conteúdo dos cursos varia entre os Estados-Membros. Além disso, os requisitos para os formadores e os locais onde os cursos são dados diferem de um país para outro. Com isso, os resultados da formação e atualização profissional diferem muito e há inclusive denúncias da existência de centros de treinamento de fachada em alguns países, o que preocupa o setor como todo.

CONDIÇÕES IRREGULARES DE TRABALHO

Apesar de muitas vezes o Brasil olhar a Europa com um exemplo de mercado a ser seguido, o Velho Continente não raramente apresenta condições de trabalho inadequadas para muitos motoristas de caminhão. Isso contrasta totalmente com a ideia de profissionalização que os governos e muitas empresas sérias defendem. E como consequência afasta muitos jovens da profissão. “Ser motorista profissional, muitas vezes ainda é visto como a última solução quando alguém já não tem outras profissões. Além disso, a atividade é classificada também como profissão que requer baixo nível de qualificação e de habilidades, que podem ser facilmente obtidas no local de trabalho”, diz Claudia Ball, do Projeto ProfDRV.

Estudo realizado pela Federação Europeia de Trabalhadores do Setor de Transporte, – ETF na sigla em inglês – durante mais de quatro anos com cerca de mil motoristas que não estavam em seu país de origem, revelou que muitos deles sofrem com condições de trabalho irregulares. Cerca de 80% deles disseram que a fadiga é um problema, mas não comentam com a empresa por medo de perder o trabalho.

A média diária de trabalho dos entrevistados era de 11 horas e meia e cerca de 80% deles disseram não receber pela atividade de carga ou descarga, embora sejam responsáveis por supervisionar essa atividade. Já o descanso obrigatório de 45 minutos após dirigir por 4,5 horas, não foi feito por cerca de 60% dos entrevistados, seja por falta de áreas seguras para estacionar ou pela viagem mal planejada pelo operador.

Para a secretária de temas políticos da ETF, Cristina Tilling, é muito importante as empresas de transporte rodoviário realizarem operações a um preço justo, de modo a incluir o custo total do trabalho, condições de trabalho etc. “Infelizmente, na Europa de hoje vemos que os clientes das empresas de transporte rodoviário fazem uma enorme pressão sobre os preços e eles funcionam com déficit. Como resultado, as empresas não fornecem as condições de trabalho legais e não pagam os motoristas como deveriam. Isso faz com que a profissão de motorista não seja atrativa”, explica.

Claudia Ball compartilha dessa opinião e disse que durante o trabalho no ProfDRV já escutou empregadores dizerem que estavam absolutamente convencidos de que a condução profissional é e continuará a ser uma função para trabalhadores pouco qualificados, que não estão motivados a aprender além do nível de um trabalhador semiqualificado. “Do meu ponto de vista, esta percepção da ocupação é o problema quando se trata de profissionalização. A reformulação é urgente aqui, para reconhecer a profissão de motorista de caminhão como um trabalho qualificado e realizado por trabalhadores qualificados”, argumenta.