Por Evilazio de Oliveira

As diferenças nas políticas econômicas entre Brasil e Argentina, que tanto são discutidas nos projetos de integração do Mercosul, invariavelmente acabam tendo reflexos no transporte rodoviário internacional de cargas, dependendo do fluxo do comércio entre os dois países. Todavia, indiferente às questões maiores da economia, os carreteiros brasileiros que cruzam a fronteira, em Uruguaiana/RS, acabam se beneficiando dos baixos preços dos combustíveis nos postos de abastecimento da Argentina em relação aos preços cobrados no Brasil, lucrando entre R$ 140,00 e 200,00 por “abastecida”. Essa vantagem só não é maior porque muitos estradeiros são obrigados a abastecer o caminhão nos postos em território brasileiro pela necessidade da troca das cartas-frete. Mesmo assim, fazem o possível para entrar na Argentina com o mínimo de combustível para completar o tanque em Paso de Los Libres, ou nos postos da estrada, 30 ou 40 quilômetros adiante, na rodovia.

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Carlos Orviedo não sentiu redução no volume de combustível comercializado, mas reconhece que é grande a reclamação dos carreteiros por causa do aumento do óleo diesel

A diferença nos preços é histórica e quase sempre dependia das flutuações cambiais, favorecendo o comércio de um lado da fronteira. Agora, essa vantagem para os brasileiros é grande, em razão de a política econômica argentina privilegiar os combustíveis, enquanto no Brasil os preços continuam aumentando. Para se ter uma idéia, o litro do diesel é vendido ao redor de R$ 2,08 em Uruguaiana enquanto em Libres custa em torno de R$ 1,30. Na gasolina a diferença também é grande: R$ 2,85 em Uruguaiana contra R$ 1,75 em média, no “outro lado”. É fácil ver o lucro que o carreteiro tem cada vez que completa os tanques do bruto.

Segundo o diretor regional do Sulpetro (Sindicato dos Revendedores de Combustíveis e Lubrificantes no Estado do Rio Grande do Sul), Charles da Silva Pereira, a situação dos donos de postos é preocupante, com a maioria registrando quedas de até 40% no volume de vendas. Essa redução é geral, afirma, pois até mesmo para completar o tanque do automóvel é mais vantajoso atravessar a fronteira e lucrar quase 50% por litro de gasolina. “Só abastece nos postos da cidade os motoristas que põem uns R$ 10,00 no tanque ou que estão com problemas de documentação do carro para a travessia da ponte”, explica. Os postos nas estradas, na periferia, próximos da aduana ou dos depósitos de grandes transportadoras ainda sobrevivem, com a troca de cartas-frete ou nas vendas a prazo.

Charles Pereira critica a “sanha arrecadadora do Governo que, no caso do Rio Grande do Sul, cobra 29% de ICMS (Imposto sobre o Consumo de Mercadorias e Serviços), além de todas as outras obrigações impostas aos donos de postos. Lembra que em Uruguaiana funcionavam 19 postos, hoje reduzidos para 16 e muitos já ameaçados de não poderem continuar trabalhando. “Todos procuram enxugar as despesas, liberando mão–de–obra de dezenas de trabalhadores, fato que agrava a crise social no município”, destaca.

Outra preocupação é a utilização de um terceiro tanque de combustível por muitos carreteiros, obtendo muito mais autonomia de viagem com o óleo comprado barato no outro lado da fronteira. Chegam da Argentina ou Chile, abastecem em Libres e tocam para o centro do País direto, economizando no preço, mas sem saber ao certo a qualidade do óleo que estão usando. Garante que o combustível é de boa qualidade, enquanto, o “do outro lado”, ninguém sabe.

Os efeitos dessa política de preços atingem diretamente o comerciante e motorista Edisnei Fan, 49 anos e há oito no transporte de combustíveis. Ele é dono de um posto em Uruguaiana, abastece as lavouras de arroz na região e há pouco fez uma parceria com a Cootranscau (Cooperativa dos Transportadores de Cargas de Uruguaiana), instalando uma bomba de óleo para abastecer os caminhões dos associados. O produto é fornecido a preço de custo e só é cobrado o frete, que se constituiria no seu lucro, mesmo pequeno. Ou seja: esperava ganhar no volume. Agora, a grande frustração. Tinha a perspectiva de vender cerca de 10 mil litros por dia e não consegue vender oito mil litros por semana. E, com os investimentos feitos para a instalação do tanque e bomba, mais prejuízos. “É grave a crise”, lamenta.

Edisnei Fan acha que não existe lógica na política econômica do governo e não há como se fazer algum tipo de programação de negócio, principalmente nos municípios da fronteira. Além das diferenças de preços adotadas pelos dois países para os insumos, ainda há a diferença cambial. Segundo ele, a pessoa atravessa a fronteira com o caminhão ou automóvel com os pneus “na lona” e substitui na Argentina ou no Paraguai por preços extremamente mais baratos. “Não tem como competir”, garante.

Para o gerente-proprietário da revenda Pillon – Comércio de Combustíveis Ltda., de Uruguaiana/RS, Clóvis Pillon, a situação está muito complicada para o setor. Ele não vê como isso pode ser revertido a favor dos comerciantes brasileiros que, além das mudanças cambiais – que pouco interferem nesse caso – ainda acontecem os constantes reajustes de preços e a alta incidência de impostos. Conta sobre as dificuldades de sobrevivência de donos de postos, dispensa de funcionários e o conseqüente aumento do desemprego e dos problemas sociais no município.

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Quando não precisa trocar carta-frete para abastecer, Francisco Solano, cujo caminhão tem dois tanques de 600 litros cada um, abastece do lado argentino e economiza um bom dinheiro

De acordo com Clóvis Pillon, eventualmente as relações comerciais na fronteira favorecem os brasileiros, mas sem grande repercussão, por conta das diferenças populacionais entre Paso de Los Libres e Uruguaiana e mesmo do poder aquisitivo dos habitantes das duas localidades. Uruguaiana, com cerca de 120 mil habitantes, é bem mais rica do que Passo de Los Libres, com seus 35 mil. Portanto, com mais poder de compra quando o câmbio favorece. E quando a situação fica favorável para o “o outro lado”, as vendas não chegam a ser muito significativas, embora tenham bons reflexos na economia local.

O gerente do Posto Cristal III, na BR-386, no município de Nova Santa Rita – região metropolitana de Porto Alegre e nas proximidades do Pólo Petroquímico de Triunfo – Carlos Otávio Orviedo Gil, 41 anos e há três no setor, não chega a sentir abalo no volume de vendas de óleo para os carreteiros que fazem a linha internacional. É que, pela proximidade do Pólo e localização estratégica, esse posto concentra um grande número de carretas que transportam produtos químicos para Uruguaiana, na fronteira, ou seguem para a Argentina ou Chile. Gil vende cerca de 300 mil litros de óleo por mês e recebe cartas-frete. Segundo ele, acontece de alguns motoristas apenas abastecerem o suficiente para chegarem à fronteira, mas a maioria completa o tanque. Mesmo assim a “chiadeira” é muito grande por causa do recente aumento de 12% no preço do combustível.

Para o carreteiro Everton Cabreira Pereira, 25 anos e há cinco no trecho, a diferença no preço dos combustíveis na fronteira não lhe dá benefícios. Ele faz o transporte de arroz, cevada ou polietileno até o depósito da empresa em Uruguaiana e retorna. Não tem “permiso” e nunca passa na Argentina. Mas conta que os colegas de estrada conseguem economizar um bom dinheiro abastecendo o bruto em Libres. Lembra que pelo menos 70% da planilha de custos da viagem são gastos em óleo e qualquer tipo de economia significa muito no final do mês.

Mesmo viajando seguido para a Argentina, não é sempre que Francisco Solano Lopes, 39 anos, oito de boléia, consegue fazer economia no abastecimento do bruto. Ele trabalha como empregado, sempre sai com o tanque cheio e quando chega à fronteira, muitas vezes precisa trocar a carta-frete, com a necessidade de abastecer. Todavia, quando a carga é da empresa, “daí sim, abastece do outro lado e economiza”. O caminhão de Solano Lopes é equipado com dois tanques com capacidade para 600 litros cada um.

Everton Fagundes Gonçalves, 32 anos e 12 de boléia viaja para o Chile transportando polietileno. Ele é dono de duas carretas. Dirige um Mercedes 88 e o amigo Alexandro Fernandes dos Santos, 25 anos e quatro de estrada, dirige o Mercedes 85. Eles procuram completar os dois tanques de 570 litros cada um na Argentina. Everton reconhece que nem sempre é possível fazer esse tipo de economia por causa da carta-frete. Quando isso é possível, lucra uns R$ 150,00 cada vez que enche os tanques de cada caminhão, diz Alexandro que conta que todos os carreteiros do transporte internacional procuram atravessar a fronteira com os tanques quase vazios e – através da diferença no preço do diesel – conseguir um melhor rendimento no final de cada viagem. Com relação a um terceiro tanque, confessa que é uma possibilidade, mas “falta dinheiro para o investimento”.