Por João Geraldo

Por mais que se pregue igualdade entre os caminhões produzidos no Brasil e Europa, existe uma boa distância entre os pesados que rodam nas rodovias bem conservadas dos principais países do velho mundo e aqueles que enfrentam as estradas brasileiras. Comparações à parte, a diferença é muito grande, vai além dos veículos; está em todos os lugares, desde as condições satisfatórias da malha viária, nas leis vigentes, no comportamento dos motoristas e nas relações profissionais dos carreteiros.

Os caminhões estradeiros, por exemplo, são equipados com motores de 420 a 600cv de potência, com medidas de até 25,25m para composições formadas por cavalo-mecânico ou chassi com um segundo semi-reboque e altura máxima de 4,5m (para 60 toneladas de PBTC); 16,5m para o conjunto clássico cavalo-mecânico mais semi-reboque de três eixos (para 40 toneladas de PBTC) e 18,75m para caminhão chassi atrelado a um semi-reboque, para 44 toneladas de PBTC e ambos com 4 metros de altura, conforme legislação em vigor na Suécia e Finlândia.
Além da potência de sobra, o sistema de freio ABS é exigência legal tanto para o cavalo-mecânico quanto para o semi-reboque e a velocidade máxima estipulada nas rodovias é de 80 km/hora. “A lei na Suécia diz que a velocidade máxima é 80km/hora, mas é possível andar a 90km/hora sem problema porque a polícia sabe que ninguém vai abusar”, explica Kurt-Lennart Sõdlund, um carreteiro de 63 anos de idade que roda 500 quilômetros a cada dois dias. “Por outro lado, os policiais fiscalizam a carga, o veículo e o motorista. Isso ocorre principalmente com os caminhões mais velhos”, conclui.

Pela legislação do país, o motorista pode dirigir sem interrupção por quatro horas e meia e fazer uma parada de 45 minutos. A verificação do tacógrafo, feita pela polícia, é rígida e com aplicação de multas pesadas aos infratores. Apesar de os suecos terem estradas boas e sem pedágio, os carreteiros também enfrentam seus problemas. Para Sõdlund, o maior deles é o pouco tempo que dispõe para entregar a carga, pois transporta peças automotivas por meio do sistema just in time. Não pode perder a hora e se isso acontecer tem de esperar muito para encontrar outra vaga para descarregar. “Quando comecei na profissão, há 33 anos, eu levava nove horas para completar o mesmo trecho que hoje tenho de percorrer em seis horas”, comenta.

Em relação a salário e profissão não reclama, mas admite que a situação está mais difícil atualmente por causa da invasão de motoristas e caminhões de outros países da Europa que buscam melhores condições de trabalho e de vida na Suécia. A imigração se deve aos salários pagos no país, de até 22 mil coroas suecas (aproximadamente R$ 7 mil), mas por outro lado a concorrência é intensa. É grande também o volume de veículos pesados de carga. Sõdlund afirma que os transportes com caminhões são em parte responsáveis pela economia local e sem eles há risco de um colapso no país.

A concorrência pelo frete é mais uma dificuldade, confirma Kenneth Eliassons, um autônomo com 30 anos de estrada. Ele explica que roda 10 mil quilômetros/ano por todos os cantos da Suécia, vive estressado para cumprir os horários e não pode recusar uma carga. Assim como seu colega Kurt-Lennart Sõdlund, ele, que faz parte de uma empresa de agregados, também diz enfrentar problema com estresse para cumprir os horários apertados.

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Pouco tempo para entregar a carga é o principal problema de Kurt-Lennart.

Outro carreteiro, Göran Hemgren, 35 anos de idade, contratado de uma empresa e transporta cerveja de vários fabricantes em uma rota de 500 quilômetros entre Estocolmo e Falhenberg, considera bom o salário mensal de aproximadamente R$ 6 mil. “Gosto desta profissão, mesmo no inverno quando a temperatura cai para 35 graus negativos e as rodovias ficam escorregadias e perigosas devido à neve e o gelo”, diz. Com cinco anos de estradas, está satisfeito com a atividade, mas pretende mantê-la por mais três anos. Depois quer se dedicar ao ramo de informática, no qual faz cursos.

Na visão do carreteiro português José Henrique, falta segurança em pátios onde acontecem roubos de combustível e assaltos a motoristas. Ele roda pela França, Bélgica e outros países do continente e afirma que essas ocorrências são registradas em toda a Europa. Porém acredita que a situação mais grave é na Itália. “Quanto às estradas são excelentes – menos em Portugal devido à sinalização – e a polícia não se torna tão exigente, caso o motorista atenda as exigências da legislação”, explica.

Ele chega a receber dois mil euros por mês, mas admite que o salário no país não acompanhou a nova moeda, o euro. Mesmo assim admite que o ganho é razoável, já que se trata de um trabalho que poucos têm coragem de encarar, no entanto, os salários atraem profissionais estrangeiros para Portugal. A maioria é imigrante do Brasil, Rússia e Bulgária e aceita trabalhar por menos do que normalmente retira mensalmente um motorista local. Na companhia em que presta serviços, ele garante que os salários são iguais, independente da origem do motorista. Quanto à sua condição de empregado ele diz: mais vale ser um bom motorista do que um mau patrão.

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Para Kenneth Eliassons, a concorrência pelo frete também é uma dificuldade

Seu colega, Joni Neves, 28 anos de idade, também português, está feliz na profissão. Ele dirige um Scania 420 e roda a maior parte do tempo pela Inglaterra, país onde ele diz existir muitos motoristas de caminhão em razão do abrigo que o local oferece aos estrangeiros que chegam por lá.

As empresas já detectaram na Europa que a idade média dos carreteiros é composta por uma faixa etária mais avançada, principalmente devido ao desinteresse dos jovens em dirigir caminhão. Uma das ações para despertar atenção para o fato e começar a reverter a situação foi desencadeada pela Scania, que desenvolveu o Young European Truck Driver, uma competição entre motoristas que envolve conhecimento dos fundamentos da segurança no trânsito e habilidade na condução do caminhão, principalmente.

O programa, bianual, recebeu este ano a inscrição de 13 mil motoristas nascidos a partir de 1970. A grande final, da qual participaram 27 finalistas de 26 países aconteceu dia 16 de setembro passado dentro da fábrica da Scania, na cidade Södertälje, próxima de Estocolmo. O vencedor foi o belga Laurens D`Huyvetter, de 28 anos.
(O jornalista viajou à Suécia a convite da Scania do Brasil).