Mané Cabeçudo era doido para ter uma televisão dentro da boléia do seu caminhão, um Mercedes-Benz 1519, que já estava em suas mãos há pelo menos uns 15 anos. Estradeiro experiente e conhecedor de muita gente do trecho, seu desejo de colocar uma telinha no bruto passou a fazer parte dos seus planos, logo após perceber que as conversas nas rodas de motoristas durante os pernoites nos postos de estrada já não lhe atraiam tanto como tempos atrás. Estavam sem graça, sempre o mesmo assunto: guardas corruptos, estradas esburacadas, pedágio e diesel caros, frete baixo, carga….. Enfi m, depois de um dia no volante, ele queria mais relaxar e esquecer a estrada.
Estava mesmo decidido a comprar o aparelho na primeira oportunidade. Não demorou e surgiu o pedido para transportar a mudança de um conhecido que perdera o emprego e precisava ir para uma casa menor. Entre os objetos que ia se desfazer estava uma televisão de 22 polegadas em bom estado de conservação. Mané não perdeu a oportunidade e mandou: – Levo seus pertences para o outro endereço em troca desta televisão.
O sim foi imediato e lá estava ele todo satisfeito com uma baita televisão dentro da boléia do seu caminhão. Tratou logo de fazê-la funcionar com antena improvisada no teto da cabine. A recepção de imagem era boa, o que deixava seu proprietário todo orgulhoso. A partir deste dia, bastava os amigos o convidarem para uma prosa para ele vir com a desculpa. – Estou muito cansado hoje. Vou ver um pouco a TV e depois cair no sono. Até amanhã. E lá ia ele pra dentro da cabine do seu bruto sem dar mais satisfação aos colegas. Coincidentemente ele sempre se recolhia no mesmo horário, o que causava uma certa curiosidade nos colegas.
Numa bela noite, Tião Parrudo e Zeca Frajola, dois motoristas gozadores, resolveram que era hora de pregarem um peça no fi el telespectador e descobrir qual a programação que ele sempre assistia. Esperaram Mané se trancar na cabine para executar o plano de desligar a antena da televisão. Com cuidado e muito silenciosos, subiram no caminhão e com um alicate cortaram o cabo da antena. Não demorou para Mané sair da cabine para saber o que acontecia com a imagem da TV.
Ao descobrir que tinha sido cortada procurou saber quem teria sido o autor da brincadeira. Diante do silêncio de todos restou-lhe ligar novamente o cabo e voltar rapidamente, esbravejando, para seu ninho. Bateu a porta e fechou as cortinas da cabine. Já desconfi ados do tipo de programa que Mané assistia, bolaram um plano, e depois de algumas noites com o ouvido colado na janela constataram que Mané Cabeçudo não perdia um capítulo da “novela das oito”. A partir deste dia, antes que ele desse a desculpa de ir dormir, alguém sugeria. “Está na hora da novela”!