A importância do motorista de caminhão para a sociedade é cada dia mais evidente, mesmo assim a categoria ressente pela falta de valorização e de respeito profissional. Acontecimentos como a paralização em maio de 2018 e o trabalho desempenhado desde o início da pandemia deram mais visibilidade à categoria, no entanto a redução de gente nova na profissão e desinteresse pela atividade têm sido motivo de atenção, sobretudo por parte dos frotistas que enfrentam problemas com falta de profissionais preparados para trabalhar com seus caminhões. Muitos motoristas ainda dirigem movidos por certa dose de paixão, mas essa relação com a profissão não é tão intensa como foi no passado. E embora existam muitos condutores habilitados com CNH profissional em busca de trabalho na área, a falta de carreteiros para suprir as necessidades do mercado é assunto encarado com atenção, e até com certa preocupação por parte de dirigentes do setor do transporte rodoviário de carga.
Quantos motoristas faltam ninguém sabe ao certo, o fato é que a apreensão no segmento não é exclusividade dos transportadores brasileiros, mas também de outras partes do mundo. Uma das causas apontadas com frequência explicara defasagerm é a inexistência de especialização para atender as expectativas dos transportadores; porém, outro motivo mais contundente – e de difícil resolução – é a ausência de atrativos para despertar nos jovens o interesse pelo trabalho como motorista de caminhão. O resultado é conhecido: menos gente nova ingressando na profissão.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o problema vem de longe. No início da década de 2000, transportadores do país já conviviam com essa dificuldade, ao ponto de contratarem casais, cujos filhos já tinham casado ou deixado a residência dos pais, para dirigir caminhões. Aconteceu até de transportadores começarem a adotar caixa de marchas automatizadas em parte da frota para facilitar a condução do caminhão, como forma de atrair condutores. Cabe lembrar que a cultura dos motoristas da américa do Norte era de usar caixa seca (sem anéis sincronizadores), a quais ofereciam certo grau de dificuldade para os engates de marchas, exigindo profissionais mais experientes.
Pesquisa divulgada em 2019 nos Estados Unidos pela American Trucking Associations (ATA), apontou defasagem acima da casa dos 60 mil caminhoneiros. A previsão é chegar a 160 mil antes de 2030. Já no continente europeu a estimativa supera 125 mil profissionais do volante, sendo a Alemanha, Espanha e Inglaterra os países com maior carência de condutores. A questão da falta de motoristas é antiga no Velho Continente. Por conta desse problema a Scania criou em 2001 o Young European Truck Driver (Jovem Caminhoneiro Europeu), competição para incentivar jovens da Europa a ingressarem na profissão. O projeto nasceu para também elevar o status dos profissionais de até 35 anos de idade em em atividade.
Aqui no Brasil, pesquisa do Instituto Paulista do transporte de Carga (IPTC) feita em 2019, considerando como base o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (Setcesp), apontou redução de 767.570 para 587.811 motoristas habilitados com CNH profissional, especialmente na categoria C, entre 2015 e 2019. Somente na região da Grande São Paulo estaria faltando milhares de profissionais. A nível de Brasil não há número fechado.
Na opinião do presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), Francisco Pelucio, com 65 anos de atuação no setor de transporte rodoviário de carga, várias coisas interferem no ingresso de pessoas na profissão. Ele destaca o salário e a ideia de que a profissão é perigosa como responsáveis pelo desinteresse em dirigir caminhão. “Precisamos mudar a imagem de que a profissão de caminhoneiro não é segura”, disse o empresário, acrescentando que, infelizmente, muitas vezes quando acontecia um roubo a polícia colocava a culpa no motorista. “Eu nunca deixei isso acontecer, mas o fato é que acabou ficando no senso comum”, complementou.
Na visão do empresário, diferente de antigamente não existe mais incentivo para alguém ser motorista de caminhão. “Tenho exemplo em minha empresa, onde já trabalharam pai, filho e neto, mas hoje não há motivação para dirigir caminhão”, disse. Outro ponto citado por Francisco Pelucio é a falta de comunicação do setor para incentivar a entrada de novos profissionais na profissão.
O empresário observa que os novos caminhões e suas tecnologias de conforto e segurança exercem poder de atração sobre muitos jovens. Lembra que os modelos atuais são até melhores que muitos carros de passeio. “Hoje em dia um motorista com 1,80m de altura consegue ficar em pé dentro da cabine”, acrescentou.
Para o dirigente da NTC&Logística, um dos pontos importantes na profissão é estar atento a tudo que ocorre no segmento, especialmente em relação às tecnologias, a legislação vigente e suas mudanças. Ressalta que esse acompanhamento do profissional é necessário para ele atender ao mercado.
Embora entre os transportadores a falta de motoristas seja assunto frequente, existem muitos profissionais portadores de CNH C, D e E sonhandoem conseguir colocação em empresa de transporte. A justificativa mais comum do desemprego no setor é a falta de preparo para atender às expectativas das transportadoras. O pacote de exigências para conseguir trabalho inclui cursos de treinamento, aperfeiçoamento e até simuladores de direção, entre outros requisitos. Francisco Pelucio disse que não existe um perfil ideal de motorista para a contratação, pois depende muito de cada empresa e do caminhão utilizado. No entanto, ressalva que a posse de CNH para para dirigir todo tipo de caminhão, do pequeno ao grande, também conta pontos a favor do progissional.
Quanto à idade do motorista, o empresário disse que não chega a ser um impeditivo para a contratação, mas frisa que a saúde sim é item importante. “Vale todas as idades, desde a mínima exigida para dirigir um caminhão até quando o motorista estiver em condições para continuar no trabalho”, explicou citando que a maioria dos acidentes sempre foi causada por motoristas iniciantes, embora reconheça a maior responsabilidade por parte dos jovens de hoje. E para quem deseja se preparar para entrar na profissão, um dos caminhos iniciais citados por Pelucio é procurar uma das unidades do Sest/Senat, presentes em 150 locais no território brasileiro. A entidade oferece também cursos de treinamento para motoristas veteranos.
AUTÔNOMOS
O presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno, concorda com a falta motoristas profissionais. Em sua opinião, a qualificação adequada é um dos pontos de maior dificuldade para suprir a demanda e isso tem desprestigiado em parte motoristas mais velhos que não conseguiram se qualificar. E no caso dos novatos, há o fato de não terem ainda a experiência desejada. “O mercado é exigente e espera qualificação aprimorada e atualizada dos caminhoneiros”, afirmou.
De acordo com Bueno, essas exigências se aplicam também ao caminhoneiro autônomo, pois é necessário conhecimento da atividade. Não basta ser patrão ou simplesmente o dono do caminhão. “É preciso ter conhecimento aprofundado das operações que vai executar e de todos os processos que envolvem o frete”, acrescentou.
Ainda segundo o presidente da CNTA, como em qualquer outro ramo de negócio o profissional comprometido com a atualização e qualidade tem sempre maior oportunidade de faturar bem e crescer. Observou que grandes empresários, donos de transportadoras, começaram no setor como caminhoneiros autônomos. Motorista que trabalha de forma profissional, comprometida e administra bem o negócio consegue obter retorno razoavel e viver da profissão.
“O autônomo precisa dar conta de tudo, da negociação do frete aos cuidados com o caminhão e operar dentro das normas de segurança para evitar penalidades”, relacionou. Bueno destacou ainda que o contratante do serviço quer garantias em relação ao equipamento e a qualificação do motorista, porque deseja garantia que a carga seja entregue. No que diz respeito à qualificação do caminhoneiro e condições do caminhão, lembrou das cobranças por parte dos embarcadores e de quem contrata o serviço. “Além da paixão por dirigir, viajar, o motorista precisa encarar a sua atividade do modo mais profissional possivel”,concluiu.
AUTÔNOMOS E EMPRESAS
De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) atualmente existem cadastrados no Brasil 695.640 motoristas autônomos, proprietários ou coproprietários de um ou mais veículo de transporte de carga, cadastrados no Registro Nacional de Transportador de Carga (RNTRC) como TAC (Transportador autônomo de Carga).
O cadastro RNTRC é obrigatório para o exercício da atividade profissional de caminhoneiro. Ainda de acordo com dados dq ANTT 837 mil veículos são da categoria TAC. Já as ETCs (empresas de transporte são 209.529 proprietárias de até três veículos, segundo dados da Agência de julho deste ano.