O rigor com que a “polícia caminera” argentina trata os carreteiros brasileiros nesta época de pandemia de Covid-19 explica-se pela alta incidência do vírus no Brasil, fato que obviamente assusta a população local, que vive sob uma severa vigilância sanitária. Esse rigor não se restringe apenas aos motoristas brasileiros, pois atinge também também os argentinos e profissionais do volante de de outros países que cruzam as “rutas” argentinas.

A chegada dos primeiros casos de Covid -19 na Argentina, que levaram ao fechamento das fronteiras decretado pelo presidente Alberto Fernandez, teve como foco o imediato controle sanitário do transporte rodoviário de cargas. Desde o começo da quarentena, em 20 de março, o governo argentino montou um sistema misto (federal+estadual) de controle de carrteiros nas estradas, sobretudo dos brasileiros em razão da situação do País em relação à pandemia que induz a rigor maior sobre os motoristas de caminhão.

CONTROL em San Fracisco CORDOBA

Com tudo isso, foram descobertos diversos casos de motoristas brasileiros com Covid-19 que já tinham ingressado em território argentino e estavam trafegando sem o suficiente controle sanitário nas fronteiras.

Um dos primeiros casos, e dos mais conhecidos, ocorreu no final de abril: um carreteiro do Brasil que ingressou na Argentina por Santo Tomé – São Borja, foi a Buenos Aires, descarregou e depois de quatro dias, ao retornar, informou para as autoridades sanitárias que estava passando mal e sentindo todos os sintomas do Covid-19.

Jose Luz Frizzo 5

Obrigatório a todo carreteiro que ingressa em Córdoba, o teste de detecção da covid-19 pode demorar horas para ter o resultado divulgado. Número de pessoas contaminadas pelo vírus no Brasil explica o rigor das autoridades, diz José Luiz Frizzo

A partir daquele momento, aumentou o controle nas outras fronteiras. Um exemplo é San Javier – Porto Xavier, onde é alto o movimento de caminhões devido ao transporte de cebola nesta época. Outros casos registrados se deram em Mendonza, com motoristas retornando do Chile e  províncias de San Juan, Jujuy (8 de 20 que estavam a caminho de Paso de Jama), Rio Negro e outros que seguiam para Córdoba para descarregar em empresas automotivas.

 

 

Hoje, o controle se faz através de método identificado como ” isopados ” que consiste em colher material do nariz e garganta com o uso de cotonetes obrigatório a todos os motoristas que ingressam em Córdoba. Como o resultado desse teste para a detecção do vírus pode demorar até seis horas, ocasiona problemas no trânsito da rodovia e, consequentemente, atraso nas viagens.

Leandro Mendes Barreto 1
Com as portas do caminhão lacradas, Leandro Mendes Barreto disse que viajou 400 quilômetros por rodovias da argentina sem poder sair do veículo

Além disso, o resultado é válido somente para uma passagem, ou seja, a cada viagem o motorista precisa ser submetido a um novo teste. Nos casos positivos os motoristas são levados aos mesmos centros de saúde montados especialmente para a população argentina e recebem tratamento idêntico aos demais pacientes para o restabelecimento da saúde. Tem o caso de um motorista brasileiro que em agradecimento ao trato recebido no hospital, na Província de Jujuy, doou plasma para tratamento de outros pacientes infectados.

O rigor da polícia caminera, as longas esperas pelo resultado dos exames e a obrigatoriedade de trafegarem por longas distâncias com as portas dos caminhões lacradas, para que não saiam do veículo sob a pena de prisão, desagrada a maioria dos motoristas brasileiros que trafegam pelas estradas argentinas. Em certas províncias são obrigados a viajar por cerca de 400 qui­lômetros sem descer do veículo nem para irem ao banheiro. “Utiliza-se garrafas plásticas para fazer xixi em casos de necessidade”, explicam.

Controle sanitario
Após o primeiro caso de motorista brasileiro com infectado com covid-19, fiscalização na fronteira foi ampliada

O presidente do Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes de Carga de Linhas Internacionais do RS), com sede em Uruguaiana/RS, José Luiz Frizzo, reconhece o rigor dos policiais “camineros” com os motoristas brasileiros, e  que isso se explica pelo número de pessoas contaminadas no Brasil. E, é claro, os argentinos querem se proteger. Além disso, os policiais sempre agem de modo mais severo, sem amabilidade, chegando às vezes a serem ofensivos nas abordagens. Enfim, as regras têm causado muito incômodo aos brasileiros.

Frizzo lembra que logo após o surgimento do vírus no Brasil, o Sindimercosul, com o auxílio do Sest-Senat, aplicou 150 testes rápidos em carreteiros que passaram pela aduana de Uruguaiana com destino à Argentina ou Chile. Em seis deles em que o  exame apontou resultado positivo os motoristas ficaram em isolamento.

Ainda de acordo com Frizzo, o Sindicato tomou conhecimento de somente dois casos de carreteiros infectados: um no Chile, que morreu; outro na Argentina, que ficou hospitalizado, teve alta e voltou para o Brasil. Ressalta que outros casos que possam ter ocorrido com motoristas de outra parte do País foram atendidos pelas respectivas empresas, não passando pelo Sindimercosul, que atende só casos sob a sua jurisdição, e mesmo assim quando procurado.

Silvio Laurer e o filho Mathias Laurer
Silvio Adriano disse que segue a orientação das autoridades e cruza a Argentina rumo ao Chile sem problemas

Um carreteiro vítima desses incômodos da vigilância sanitária foi Leandro Mendes Barreto, 40 anos de idade e 20 de profissão, natural de Uruguaiana/RS.  Ele transporta produtos químicos de Curitiba/PR para o interior da Argentina, principalmente para as províncias de Chaco e Salto. É um deserto, por onde precisa viajar por cerca de 400 quilômetros sem descer do caminhão que tem as portas lacradas. No caso de haver violação o motorista é preso.

O carreteiro contou que numa dessas viagens, antes das portas serem lacradas, parou num vilarejo para esticar as pernas e fazer uma verificação rotineira do caminhão. O dono de um posto de combustível o viu e, com medo de contágio, chamou a polícia. Logo se viu cercado por oito agentes policiais que de arma em punho o imobilizaram até a chegada de uma ambulância com uma enfermeira que fez o teste rápido para detectar uma eventual infecção pelo Covid-19. Lembra que até sair o resultado ele sofreu ameaças de morte e até recebeu pancadas com a coronha da arma na cabeça por parte de uma agente feminina, a mais violenta de todos, lembra.

Barreto disse ainda que a detenção durou o dia inteiro. E ele, sob a enorme pressão psicológica e diante do perigo pensou na mulher e nos filhos, até que a enfermeira anunciou o resultado do teste: negativo. Os policiais o escoltaram por  mais de 400 quilômetros, até finalmente o liberarem para seguir viagem, com as portas lacradas. Uma experiência terrível, conforme afirmou Leandro Barreto.

Na contramão dessa má experiência, o carreteiro Sílvio Adriano Rosa Laurer, 47 anos, 30 de profissão e 17 no transporte internacional, afirmou que viaja para o Chile sem problemas. Atravessa a Argentina seguindo as orientações do uso de máscara, álcool em gel e roda por 300 ou 400 quilômetros sem descer do caminhão, o que “qualquer motorista experiente “tira de letra”.

Como segue para o Chile, Silvio Laurer tem a vantagem de liberar a carga na fronteira e seguir viagem, sem outras vistorias. Ao comentar sobre as constantes reclamações dos carreteiros brasileiros em relação a supostas hostilidades das polícias “camineras” argentinas, ele diz que motorista gosta de drama. “É só se prevenir antes de enfrentar a estrada, nem que seja com garrafas plásticas para necessidade mais imediatas”.

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O tio de Sílvio, Roque Rubenson Vilanova Laurer, é dono de uma borracharia na BR-290, próxima ao Porto Seco de Uruguaiana/RS, especializado no atendimento de caminhões, sobretudo do transporte internacional. Ele gosta de dizer que sua borracharia é uma espécie de rádio estrada, onde tudo se sabe. E conta que as únicas coisas que ouve, além das queixas dos estradeiros, é rigor dos policiais em relação à fiscalização do covid-19. Reclamam também da obrigatoriedade de trafegar por muitos e muitos quilômetros sem poder descer do caminhão, nem ao menos para ir ao banheiro.