Por Evilazio de Oliveira

O transporte rodoviário de cargas do Brasil para o Chile pode ser um dos mais lucrativos para os carreteiros internacionais, isso apesar das grandes distâncias que precisam ser percorridas e da assustadora travessia da Cordilheira dos Andes. Principalmente na época do ano das nevadas constantes que provocam o fechamento da rodovia e resultam em filas intermináveis de caminhões nos dois lados da montanha. Essas esperas, que podem durar vários dias sob temperaturas baixíssimas, expõem os carreteiros a sérios riscos de saúde, dificuldades com a alimentação e higiene além dos eventuais problemas mecânicos ocasionados ao caminhão por conta das baixas temperaturas.

Todo o ano, nos meses de inverno, é a mesma coisa: o temor de fechamento da rodovia, a espera de dias nas filas e o acúmulo dos prejuízos gerados pelas paradas. Os carreteiros mais experientes vão preparados com a caixa de alimentos bem sortida, além de roupas especiais para suportar o frio. E isso sem contar os acessórios obrigatórios para o caminhão, como correntes para os pneus, sempre necessários em trechos de pista congelada e que podem se tornar extremamente perigosa.

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O caminhão de Paulo Madril já deslizou na pista congelada e ficou a alguns centímetros da beira do penhasco

No inverno de 2005 morreram dois carreteiros nessa travessia, ambos na segunda quinzena de junho. As baixas temperaturas teriam sido a causa da morte de um argentino no lado chileno da fronteira, que se achava fechado. O carreteiro gaúcho Carlos Pereira Chaves, 47 anos, natural de Uruguaiana, foi a segunda vítima das baixas temperaturas na Cordilheira, na travessia da província argentina de Mendoza para a cidade chilena de Los Andes, conforme informação do coordenador de Emergências Médicas e Desastres de Mendoza, Salvador Gagliardi. Na ocasião a estrada ficou fechada por 13 dias, com cinco mil carreteiros retidos nos dois lados da fronteira.

Durante as nevascas, muitas vezes nem as correntes nos pneus resolvem, conforme conta o gaúcho Paulo Madril, 26 anos, cinco de volante mais uma experiência acumulada durante os muitos anos em que viajou com o pai, Edson, quando ainda não tinha idade para tirar a Carteira de Habilitação.

Lembra que numa ocasião ficou à beira do penhasco, quando o bruto foi deslizando na pista congelada e ele sem poder controlar. Gritou para a mulher, Marlise – 24 anos – que sempre o acompanha nas viagens, que saltasse da boléia. Ela saltou e antes que ele também pulasse fora da cabine, o caminhão parou a centímetros da ribanceira. “Foi um susto muito grande”, diz. A mulher apenas sorri, lembrando o episódio.

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Na época do inverno, Leandro Ximenes prefere carregar de Uruguaiana para a Argentina, apesar de ganhar menos

Paulo Madril mora em Uruguaiana/RS – na fronteira com a Argentina – e está acostumado com as dificuldades da travessia. Mas gosta dessa rota, sempre tem frete garantido e a remuneração é melhor mesmo com os eventuais fechamentos da rodovia por causa da neve, que em algumas ocasiões chega a vários dias de espera. Ele conta que numa viagem ficaram 15 dias parados, numa fila com uns quatro mil caminhões. Nessas ocasiões é preciso estar preparado, com roupas adequadas e um bom estoque de alimentos na caixa, além de um dinheiro extra para comprar produtos que são oferecidos por vendedores ambulantes que circulam entre os carreteiros. Mas as dificuldades são muitas, conta. E banho só quando se recorre a moradores nas proximidades da estrada e que também já estão acostumados a prestar esse tipo de auxílio aos motoristas.

Marcos dos Santos, 32 anos e há quatro no trecho, natural do município de Sarandi, no Rio Grande do Sul, enfrenta as Cordilheiras de botas, poncho e chapéu. “Faz muito frio e tem de ir preparado”, diz. Segundo ele, é preciso dirigir com muito cuidado, mantendo a velocidade uniforme na subida, para não forçar muito o motor. E, com a altitude os ouvidos zunem. “A gente vai ficando surdo e falta o ar, vai sufocando, não pode se mover muito rápido, cansa fácil”, explica.

Mas, o pior mesmo é a Santa Rosa, uma nevasca forte e que quase sempre resulta no fechamento da rodovia pelo acúmulo de neve. A não ser pelas longas paradas que acabam dando prejuízo para o carreteiro, a rota do Chile é muito boa, na opinião de Marcos dos Santos. E sempre sobram uns trocos a mais do que se estivesse carregando para a Argentina, por exemplo. Mesmo assim ele reclama do excesso de caminhões que estão no trecho, inflacionando o mercado e puxando os fretes para baixo.

A Cordilheira dos Andes tem uma extensão de 200 quilômetros, 100 deles em território argentino, onde se situa a fronteira com o Chile. O ponto mais alto da rodovia atinge os 3.500 metros, no lugar conhecido como Los Caracoles, um percurso de 15 quilômetros com 28 curvas em forma de cotovelo. A paisagem, apesar de bonita, é assustadora em razão dos penhascos. A velocidade das carretas fica entre os 15 e 40 km/h e em muitas ocasiões é preciso utilizar correntes nos pneus para enfrentar o gelo. Mesmo assim, há períodos em que a neve acumulada impede a passagem dos brutos e a estrada é fechada pelas autoridades dos dois países – Argentina e Chile – formando-se as enormes filas de caminhões nos dois lados da montanha.

O carreteiro Leandro Ximendes Cardoso, 32 anos, 12 de estrada, oito deles no transporte internacional afirma que no inverno a rota é muito difícil. Quando acontece de ficar muitos dias parado em conseqüência das nevascas é prejuízo certo. Na época de inverno ele prefere carregar de Uruguaiana para a Argentina, apesar de ganhar menos, no fim do mês. Ximendes costuma transportar polietileno para o Chile e quase sempre volta vazio até a cidade argentina de Mendoza, no pé da montanha. É lá que a grande maioria dos carreteiros consegue carga para o Brasil. Mas sempre vale a pena, desde que esteja rodando, explica. O que não dá é ficar parado naquelas filas enormes, passando frio, dormindo mal e com riscos para a saúde, garante. Também precisa cuidar muito do caminhão, com anticongelantes na água, ligando o motor de tempos em tempos quando se está parado. E quando está rodando, cuidar da velocidade, da rotação e, principalmente, dos perigos da estrada. “Mas, que vale a pena a rota do Chile, isso vale”, garante.

Para Antônio Lagaggio, 47 anos, 26 de direção e 10 no transporte internacional, o Chile sempre foi uma opção para trabalhar. “Apesar das dificuldades no inverno, tudo é mais fácil para o carreteiro, a começar pelo tratamento que recebemos nas empresas até no pagamento dos fretes”, justifica. Para o Chile o frete sempre é melhor do que para a Argentina. Vale a pena, diz ele. Apesar das vantagens, Lagaggio já teve problemas, a começar por uma gripe forte, ocasionada pelo frio, que só veio se manifestar no Brasil. Depois se desentendeu com o patrão por questões financeiras e ficou sem trabalhar por um bom tempo. Depois foi chamado para algumas viagens e acabou “se acertando com o homem” e voltou para o trecho, e sem medo das Cordilheiras, da neve ou do frio de muitos graus negativos.