por Evilazio de Oliveira

Para o carreteiro que está no trecho, todos os finais de ano são iguais, com a incerteza de conseguir passar as festas de Natal e Ano Novo com os familiares. Alguns conseguem planejar os roteiros, outros sabem que a vida na estrada é isso mesmo e se conformam com uma eventual confraternização com os companheiros em algum posto de serviço. Quando isso é possível. Nesses casos, ele liga para os familiares desejando Boas Festas e Feliz Ano Novo e sabendo que todos vão entender a sua ausência. Afinal, a vida dele é essa, na estrada.

De um modo geral, a maioria tem o hábito de se comunicar com a família diariamente. Alguns telefonam e outros dão notícias através das empresas, que retransmitem recados do tipo “tudo bem com o fulano, ele está em tal lugar e volta no dia tal”. Isso tranqüiliza a mulher e os filhos, principalmente numa época de tanta violência e perigo nas estradas, afirma um experiente estradeiro. Mesmo assim, não tem jeito, quando chegam as festas de fim de ano o pessoal do trecho quer mesmo é ficar em casa. E quando não é possível bate a melancolia.

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Erlei Magalhães diz que dá para contar nos dedos às vezes que conseguiu passar o Natal com a família

É o caso do carreteiro Erlei Magalhães, 43 anos e 20 de profissão, que dirige uma carreta ano 1998 no transporte internacional, levando polietileno da Copesul (Pólo Petroquímico do Sul), de Triunfo/RS, para o Chile. Ele mora em Uruguaiana/RS, na fronteira do Brasil com a Argentina, rota obrigatória nas viagens. “Mesmo assim dá pra contar nos dedos o número de vezes em que consegui passar o Natal com minha mulher e os dois filhos”, diz. Nessas ocasiões ele liga pra desejar boas festas e pede a Deus que ilumine a família e também o seu caminho. Reconhece que é aborrecedor ficar sozinho nessas datas, mas admite que faz parte da rotina, e da luta do dia-a-dia e mesmo assim Erlei não esquece dos presentes, de uma lembrancinha para a família. “Afinal, é preciso manter a tradição”, reforça. E, como é uma pessoa religiosa, ele reza pedindo graças para a família, para que o novo ano seja melhor, com saúde, felicidade e com a realização de todos os projetos, os quais, conforme lembra, vão passando de ano para ano. “O importante é persistir”, garante.

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Depois de passar o Natal e fim de ano fora de casa por vários anos, Nelson Luiz vai parar neste Natal.

Depois de passar o Natal várias vezes longe de casa, o motorista de caminhão Nelson Luiz Taschetto, 58 anos e 40 de estrada comenta que no dia 15 de dezembro vai parar de trabalhar e tirar férias por uns 40 dias. Pretende ficar em casa, descansando ao lado da mulher, Janice. Ele mora em Caçapava do Sul/RS, é dono de um Scania 81 e orgulha-se de sempre ter trabalhado como autônomo e nunca ter sofrido acidente de trânsito.

Está acostumado a permanecer fora de casa por até 15 dias, porém desta vez garante que vai passar as festas de fim de ano com a família. Combinou com os filhos Juliano, Janine e Gisele para ficarem juntos para a comemoração, com árvore de Natal, troca de presentes, churrasco e tudo mais que tiver direito. Nelson Taschetto é um ferrenho crítico do governo, dos políticos, da má conservação das estradas e das tarifas dos pedágios. E para mostrar seu descontentamento utiliza a lona do seu caminhão para escrever frases de protesto. “Pelo menos alguém vai ficar sabendo da minha indignação contra tudo isso que está acontecendo no Brasil”, enfatiza. Este ano, além de passar Natal e Ano Novo em casa, quer ir à missa e rezar, reafirmar os projetos que pretende executar no futuro. Ele lembra que todos os finais de ano a gente se enche de projetos, de sonhos e renova as esperanças.

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Para Vilnei Aquino, o Natal ao lado da família é sagrado, com ceia, árvore e churrasco

Vilnei Aquino da Luz, 43 anos e 15 de volante, trabalha com um caminhão tanque no transporte de gasolina e óleo diesel para a região Norte do Rio Grande do Sul. Ele mora em Tupaciretã/RS, a cerca de 380 quilômetros de Porto Alegre. Costuma ficar até duas semanas na estrada, sem tempo de ir para casa, mesmo assim mantém contato com a mulher, Maribel, e com o filho Vinicius, de sete anos. Mas, o Natal com a família é sagrado, garante, com a reunião dos pais, sogros, irmãos, cunhados, sobrinhos. Então a confraternização é geral, com ceia, árvore, presentes e churrasco. Vilnei conta que nesses encontros todos rezam, vão a missa e fazem seus pedidos a Deus para uma vida melhor e sem violência. Vilnei da Luz também tem sonhos para 2007, mas prefere não falar no assunto. Segundo ele, é natural que a pessoa tenha sonhos e projetos na vida.

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João Carlos passa todos os fins de ano ao lado da família e distribui presentes para a filha

Outro carreteiro que planeja as viagens para ter uma folga no final de ano é João Carlos Meller, 47 anos e há 12 no trecho. Mesmo trabalhando basicamente na rota de Triunfo/RS a Uruguaiana/RS, no transporte de polietileno, pelo menos a cada 15 dias ele consegue visitar a família em Nova Esperança do Sul, a cerca de 450 quilômetros de Porto Alegre. Nas ocasiões em que não consegue frete para a região, deixa o caminhão no estacionamento de uma estação de abastecimento e vai de carona para rever a mulher Elizandra e a filha Bárbara, de nove anos. Garante que passa todas as festas de fim de ano com a família e já está pensando nos presentes: uma bicicleta para a menina e um anel para a esposa. “É preciso estar em casa nessas ocasiões, principalmente por causa da mulher e da guria, afinal a gente não pode criar uma criança como um ET, sem ver o pai que está sempre ausente, mesmo que trabalhando para garantir o sustento da família”, desabafa o motorista João Carlos Meller.

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Apesar de ser solteiro e morar com os pais, Roberto Silva faz viagens sempre perto de sua casa.

Roberto Silva, 31 anos e 12 de estrada mora em Nova Santa Rita, região metropolitana de Porto Alegre/RS. Dirige uma carreta ano 86 há três meses. Antes ele tinha uma câmara fria e viajava para Norte e Nordeste. Agora não passa do Paraná e sempre está perto de casa. Ele é o sétimo irmão de uma família de carreteiros. E, por ser o mais novo, e ainda solteiro, vive com os pais, Maurícia, 67 anos, e Almênio Vargas, 80. “Quando eu chego é uma festa, mesmo se a viagem foi curta. E quando saio é aquela choradeira de dar dó”, brinca. Essa proximidade com os pais, irmãos, cunhadas e sobrinhos faz com que os festejos de Natal e Ano Novo sejam comemorados juntos, evidentemente. “A família é muito unida, todos participam da festa colaborando de alguma maneira, dando presentes, trocando abraços, fazendo festas”. E mãe sempre dá o jeito de dar um “regalo” para o caçula, “nem que seja um par de meias”, confessa. Roberto Silva sabe que o Natal de grande parte dos estradeiros é diferente, longe dos familiares. Por isso, agradece a Deus em seu nome e em nome dos irmãos por serem privilegiados, conforme afirma, com olhar sério.