Por Evilazio de Oliveira

Os efeitos da gripe aviária que assustam as populações do sudeste asiático também causam estragos para a economia da região do Vale do Taquari/RS, e principalmente no pacato município de Nova Bréscia, a 168 quilômetros de Porto Alegre, e que abriga cerca de 370 aviários, responsáveis pela produção de 28 milhões de aves por ano. Ou seja: 90% da economia local. Quase de uma hora para outra o lucrativo comércio de exportação de frangos para esses mercados cessou. Mesmo que temporariamente, ao que se espera, as empresas deram férias coletivas para os funcionários e interromperam a atividade dos aviários. Ninguém sabe avaliar a quantidade de caminhões envolvidos na atividade de transportar, diariamente, milhares de pintos das incubadoras para os aviários; de frangos dos aviários paras os abatedouros e posteriormente para os mercados consumidores. Há também um incessante movimento de caminhões carregando rações para os aviários; outros que saem com esterco para as lavouras da região. Ou mesmo carretas que chegam com insumos trazidos de outros Estados para as fábricas de rações.

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Quase toda a economia no município parou e houve demissões, afi rma Leo Fontana,
secretário de agricultura de Nova Bréscia

Nova Bréscia tem uma população de 3.106 habitantes, 1.716 na zona rural e 90 por cento dependendo direta ou indiretamente da avicultura. Tornou-se conhecida nacionalmente em razão do “Festival da Mentira”, uma festa anual para eleger o melhor mentiroso da região. Também é conhecida como terra de churrasqueiros, embora na cidade não existam churrascarias, “por não comportar”, segundo dizem seus moradores. Não teria freguesia. Toda a economia depende da produção de frangos.

O produtor Léo Fontana, 26 anos – atual secretário de Agricultura de Nova Bréscia -, conta que a produção de frangos começou a ser incentivada na região a partir dos anos 90, com a instalação de indústrias que garantiam a compra de toda a produção. Essas indústrias, além de abastecerem o mercado interno faziam volumosas exportações que foram drasticamente reduzidas com a gripe aviária que atinge alguns países asiáticos. As empresas deram férias coletivas para os funcionários, demitiram dezenas deles e cancelaram os alojamentos nos aviários, como são chamados os períodos de entrega dos pintos de um dia até o prazo de 32 dias quando são recolhidos para o abate. Isso tudo envolve uma grande movimentação de caminhões para o transporte de pintos, rações, frangos e retirada de esterco. “Quase toda a movimentação da economia do município parou”, afirma.

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Motorista empregado, Alexandre Dutra conseguiu permanecer trabalhando, mesmo com volume de carga do setor avícola reduzido

As atividades no aviário da família de Léo Fontana estão recomeçando com o alojamento de 15 por cento de pintos da capacidade total do estabelecimento. Os caminhões fazem pequenos fretes pela região. E o Volkswagen 2005, utilizado para carregar 468 caixas, com 7.020 frangos dos aviários para os abatedouros parou para esperar o reinício das atividades nas indústrias, que, por sua vez, dependem do controle da gripe aviária e dos complexos mecanismos do comércio exterior.

Cassemiro Cigolini tem 61 anos. É um típico minifundiário da região e produz de tudo um pouco. Mas, há 30 anos, também passou a criar frangos, seguindo o exemplo dos seus vizinhos e que aproveitaram o incentivo das indústrias que garantiam a infra-estrutura necessária e depois a compra dos frangos na época do abate. Era um bom negócio. Atualmente Cassemiro tem um aviário para a criação de 90 mil frangos, tarefa que leva 32 dias.

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Láudio Fontana transporta esterco e dependendo do preço a entrega da carga é feita na fábrica de adubo ou diretamente na lavoura

Ele já planejava a ampliação das instalações quando tudo parou por causa da gripe aviária. Perdeu um lote de 90 mil frangos, o equivalente a R$ 13 mil de prejuízo. Confessa que não quebrou porque tem outras atividades, além de quatro caminhões e um bitrem que agora estão no trecho, disputando frete e pegando o que der. “Esses veículos eram usados nos aviários, no transporte de frangos ou rações. Agora, no entanto, surgem sinais de recuperação das atividades”, diz ele, lembrando que as indústrias começaram a “alojar” pintos de novo, embora de forma muito cautelosa.

Essa retomada gradual de atividades também favorece o carreteiro Alexandre Dutra, 33 anos e seis de boléia, sempre atuando no setor avícola. Trabalha como empregado, dirigindo um Volkswagem 2000 no transporte de ração da fábrica, em Arroio do Meio, para os aviários da região. Mesmo sem a intensidade de outros tempos, Dutra está de volta ao trabalho, transportando ração para os poucos aviários que voltam a alojar, de acordo com a programação das indústrias. Ele acredita que logo tudo volta ao normal, pois é comissionado e no fi nal do mês o salário diminui bastante. Antes da crise fazia três viagens por dia. Agora, apenas de vez em quando surge alguma entrega, diz.

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Queda no consumo de farelo para produção de ração reduziu pela metade as viagens de Edemar Listkovki entre Rondonópolis/MT e
outras localidades

Para Ademar Kappler, 45 anos, que trabalha no aviário de Cassemiro Cigolini, a situação está feia, pois, “sem frango o dinheiro não vem”. Tem passado o dia ajudando em outras atividades, sempre na esperança que a gripe aviária passe logo e a situação se normaliza. Aliás, para os moradores de Nova Bréscia, a produção de frangos no Sul do País está livre de qualquer doença. Por isso, estranham muito que as exportações tenham sido suspensas, com os sérios transtornos econômicos nas principais regiões produtoras, como no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, entre outras.

O motorista Láudio Fontana, 31 anos e dez de volante, dirige um Mercedes 89, com caçamba, para o transporte de esterco dos aviários. Dependendo do preço, as entregas são feitas nas fábricas de adubos da região ou diretamente nas lavouras. “Agora tudo está parado”, lamenta. As safras foram muito prejudicadas pela estiagem e o preço do esterco caiu quase pela metade. Ele também já trabalhou no transporte de grãos para silos, mas neste ano tudo foi muito fraco e o preço não compensava o deslocamento para as regiões produtoras de grãos. Resta levar a lenha que é produzida nos refl orestamentos dos donos dos aviários, e utilizada em estufas que garantem a temperatura adequada para o desenvolvimento dos pintos nos dias de frio na Serra gaúcha. Também esse trabalho é feito devagar, diz ele – apenas o sufi ciente para a formação de estoques para quando a produção de frangos normalizar.

José Bruisma, 48 anos e 20 no transporte de rações para os aviários, é outro motorista que acompanha com interesse a retomada dos alojamentos de pintos nos aviários e consequentemente da retomada das suas viagens pela região. Bruisma mora no município de Arroio do Meio e transporta para uma fábrica de ração da localidade. Costumava viajar cerca de 500 quilômetros por dia, fazendo entregas nos aviários de diversos municípios do Vale do Taquari. Hoje, as viagens são poucas e quase nunca roda mais de 60 quilômetros por dia. “Mas as coisas vão melhorar”, afirma confiante. Ele dirige um Mercedes ano 2000, ganha salário e comissão. Conta que já fi cou parado por oito dias, sem ter para onde transportar ração. Mas, segundo ele patrão é “um homem bom, que entende a situação e dá uma ajuda para não deixar atrasar as contas”.

O carreteiro Edemar Listkovki, 29 anos e 11 de estrada, dirige um Scania 97 transportando farelo de soja de Rondonópolis/MT para diversas localidades do País. Esse farelo é utilizado na fabricação de rações, cujo consumo caiu bastante nos últimos meses. Com isso, o serviço de Edemar também diminuiu. Costumava fazer três viagens por mês e agora faz uma ou uma e meia. Na ocasião, estava fazendo a primeira viagem para a fábrica de rações de Arroio do Meio, depois ia tentar conseguir carga de cebolas para o Nordeste. Listkovki não quer transportar grãos, na safra, por causa dos fretes muito baixos que não compensam. Ele não relaciona a queda no transporte de farelo de soja, a redução na produção e exportação de aves à gripe aviária. “Eu, pelo menos, não me preocupo com isso”, afirma.