Por Larissa Andrade
Um em cada seis motoristas de caminhão que trafegam pelas estradas europeias já foi roubado, e praticamente dois de cada cinco roubos aconteceram em um estacionamento ou ponto de parada, segundo dados de 2008 da IRU (União Internacional do Transporte Rodoviário, na sigla em inglês). A falta de segurança e os limites de horas ao volante estabelecidos pela União Europeia aos carreteiros levou à necessidade de oferecer um serviço que proporcionasse a esse profissional a possibilidade de descanso com segurança, respeitando a legislação vigente, mas sem colocar em risco a carga ou o próprio veículo.
De acordo com o diretor de Transporte de Carga e Desenvolvimento Sustentável da IRU, Jens Hügel, pesquisas recentes mostram que a alta criminalidade nas estradas se tornou um problema real e tem causado sérios sofrimentos humanos e grandes perdas econômicas. “Uma das principais medidas para melhorar a segurança do transporte rodoviário é construir e operar áreas de estacionamento seguras e facilitar o acesso dos motoristas a informações sobre esses locais”, explica o especialista.
Pensando nisso, a própria IRU desenvolveu em parceria com o ITF (Fórum de Transporte Internacional) um aplicativo para internet chamado TRANSPark, que permite ao motorista buscar um estacionamento seguro em mais de 40 países, além de visualizar os serviços que ele oferece, que vão desde restaurante e banheiros à lavagem e manutenção do veículo, passando pelo aspecto da segurança – se conta ou não com guardas 24 horas, se é monitorado por câmeras e também se o estacionamento é cercado.
Para garantir a qualidade dos serviços oferecidos nesses estacionamentos espalhados em todo continente europeu, surgiu em 2008 o projeto LABEL, financiado parcialmente pela Comissão Europeia DG Move, e que tinha como objetivo “estabelecer e estimular um sistema de certificação, com ampla aceitação, das áreas de estacionamento de caminhões na Europa”. Em três anos, 70 áreas de estacionamento e descanso foram avaliadas pelo projeto LABEL, que desenvolveu um sistema de auditoria qualificando esses estabelecimentos conforme os serviços oferecidos. Cada um deles recebia nota de um a cinco em duas avaliações diferentes: uma para segurança e outra para serviço.
No aspecto segurança, um estacionamento recebia nota um se era reconhecido como área de estacionamento, com áreas de condução e pedestre (faixa para cruzar as vias) iluminadas e sinalizadas e onde poderia ser feita alguma verificação elementar. Já para ganhar nota cinco em segurança, o estacionamento precisava contar, entre outras coisas, com sistema de monitoramento por câmeras que acompanham entradas e saídas, verificação de documentos de todos os motoristas e pedestres que acessam a área, alarme que permite atuar com rapidez, cercado com sistema anti-invasão.
Segundo Hügel, o que os motoristas buscam nesses estabelecimentos é um local para estacionar com conforto e segurança. “A segurança depende do produto que ele transporta, pois produtos de alto valor agregado requerem um nível mais alto de segurança, como guardas, câmeras e cercas. Em termos de conforto, realmente varia de um motorista para outro, mas as necessidades principais são banheiros, duchas, hotéis, restaurantes e pequenas lojas”.
Na qualificação das áreas de estacionamentos em relação ao serviço, tudo isso é levado em
conta e para obter cinco estrelas é necessário oferecer também um posto de combustível, uma pequena loja de autopeças e acessórios, área de lazer, lavagem de veículo, equipamento de retirada de neve e gelo, etc.
Projeto na prática
Conforme conta Robert de Leeuw van Weenen, do projeto LABEL, “as necessidades dos carreteiros levadas em conta no projeto foram baseadas nas informações de vários acionistas do setor. “Nós temos mais de 10 parceiros no projeto e cerca de 40 membros no Conselho Consultivo, portanto, profissionais e empresas de diferentes países e com distintas necessidades opinaram no projeto para que ele fosse desenvolvido”, acrescenta.
Em 2011, seguindo o cronograma, o projeto LABEL foi finalizado e os dados completamente incorporados pela aplicação TRANSPark da IRU. Mas algumas empresas especializadas em auditoria decidiram seguir em frente e passaram a usar a metodologia LABEL para certificar os estacionamentos que tivessem interesse em aperfeiçoar seus serviços e se destacar, pois a demanda é tão significativa que a concorrência pode ser forte em algumas regiões.
Um exemplo disso é o estacionamento TOTAL, localizado na cidade belga de Wanlin. “O estacionamento foi certificado com o nível três no ranking de segurança e é a primeira área de estacionamento segura nas estradas belgas a passar por uma auditoria e processo de certificação de acordo com os padrões LABEL”, explica o diretor, Werner Thys. Apesar da crise econômica na Europa, que repercute de maneira direta no setor de transporte de carga – e que levou a uma estagnação do volume de toneladas transportadas em 2012, com expectativa de fechar em leve alta de 0,7% neste ano – empresários desse segmento de estacionamento seguro relatam números positivos.
É o caso do Truck Park, serviço da espanhola Abertis, que conta com duas áreas de estacionamento para caminhões no país. “Desenvolvemos um plano de negócios para esse projeto que previa alcançar 70% de ocupação em três anos e já estamos chegando a esse número agora, cerca de um ano depois do lançamento. A atividade de transporte para motoristas está caindo devido à crise, então podemos considerar esse número duas vezes positivo”, explica o responsável do projeto, Josep Jové. Juntos, os dois estacionamentos oferecem 178 vagas.
O resultado surpreendeu tanto ao ponto de eles decidirem expandir os serviços oferecidos e agora estão lançando o Truck Service. Em caso de pequenos problemas com o caminhão, um veículo móvel de uma empresa terceirizada oferece o reparo e, se for algo mais grave, um guincho transporta o caminhão até a oficina dessa empresa.
No holandês Truck Parjk são 65 vagas, 55 delas para veículos com mais de sete metros e outras 10 para veículos de menor porte. Segundo o gerente, Marco Plaisier, a ocupação durante a semana varia entre 80 e 90%, enquanto nos finais de semana a lotação é praticamente completa, de 90 a 95%.
Já na Inglaterra, o Ashford Trucksport vem registrando resultados tão positivos que, de acordo com o gerente geral, Darren Smith, a expectativa é abrir outras duas áreas nos próximos dois anos, ambos com pelo menos 200 vagas. “Você precisa ter essa capacidade para ter um bom lucro, senão acaba empatando ou perdendo dinheiro”, diz Smith.
Perfil em função do preço
Qualquer empresa de transporte e até mesmo motoristas autônomos já investem no planejamento da rota, de forma a evitar estradas perigosas – ou em mau estado de conservação – e também para planejar os descansos obrigatórios. E aí que esses “estabelecimentos” fazem seu papel, entrando na rota “oficial” dos caminhões graças ao aplicativo TRANSPark ou por meio de informações divulgadas pelas empresas certificadoras.
Em alguns casos, essas paradas são muito mais do que estratégicas – são praticamente obrigatórias, conforme explica Werner Thys, da TOTAL. “A maioria dos motoristas que usam nossos serviços trabalham para empresas de transporte que têm grandes clientes, como Nike, Samsung, Sony, ou seja, produtos caros. Esses clientes impõem às transportadoras que os veículos sempre estacionem em áreas de segurança para efetuar o pagamento pelo serviço”. Já o espanhol Truck Park conta com vagas específicas para caminhões frigoríficos.
Embora muitos motoristas autônomos sejam usuários desses estacionamentos, a maioria é formada por frotistas. “O perfil dos nossos clientes é de grandes companhias, que representam 85% do volume, enquanto autônomos são 15%. Os motoristas autônomos geralmente param na estrada ou em outros estacionamentos não tão seguros, mas mais baratos”, diz Smith, do Ashford Trucksport. A cobrança pelo uso desse tipo de serviço também varia bastante. No holandês Truck Parjk, há uma promoção para quem usa o serviço de estacionamento e consome uma refeição, como se fosse um combo. Os autônomos que estão no local por uma noite ou um final de semana pagam no restaurante, enquanto as companhias pagam um valor fixo por mês. “E com algumas poucas transportadoras, nós temos um acordo em que elas nos pagam por uso e lhes enviamos uma fatura no fim do mês”, diz o gerente, Marco Plaisier.
No caso do espanhol Truck Park, o pagamento é bem mais elaborado e funciona como um “pedágio pré-pago”, ou seja, o carreteiro não tem de se preocupar em efetuar o pagamento, porque o sistema identifica o dispositivo e efetua o débito de acordo com as horas que ele ficou parado e os serviços utilizados. No caso dos serviços de reparação, como se trata de uma empresa terceirizada, o pagamento é feito com cartão de redes como Shell e Esso.
Como sempre, a situação é mais complicada para o profissional autônomo, que enfrenta a forte concorrência com altos custos de operação. Mas diante da legislação de controle de horas e do risco de ter a carga roubada, não sobram muitas opções que não sejam investir nesse tipo de serviço.
Levando em consideração que na Europa os motoristas de caminhão cruzam as fronteiras o tempo todo, a vantagem desses estacionamentos está no fato de oferecer um serviço com uma qualidade mínima: o carreteiro não encontra surpresas negativas na hora de fazer a parada. No estacionamento inglês, apenas 10% dos motoristas que param nos finais de semana são britânicos, enquanto 80% vêm do Leste Europeu e outros 10% de outros países da Europa.
Josep Jové define o conceito: “A ideia e a necessidade do mercado é de que o motorista conte com o mesmo serviço desde o momento que ele sai do seu país, no Leste Europeu, até chegar à Espanha, ou seja, uma oferta global que lhe ofereça soluções de um ponto a outro, com paradas seguras e confortáveis”. No caso do Brasil, o desafio é grande, especialmente por se tratar de um País com dimensões continentais. Mas a necessidade é ainda maior, como pode relatar qualquer profissional que encare as estradas diariamente.