Dizem que aconteceu em meados dos anos 70 na via Anchieta, no trecho da descida da Serra do Mar. O personagem principal da história é Leleco, um carreteiro que levava a vida com seu Alfão barriga d’água. Sua carga principal era adubo, que ele retirava nas empresas que o produziam e o distribuía em vários produtores de verdura na região da Grande São Paulo.

Solteirão por opção, vivia com a mãe e o Rex, um cão SRD (Sem Raça Definida) de quem ele mais gostava, depois do caminhão e da mãe. Às vezes o bicho e a mãe iam juntos na viagem. Nesse caso, enquanto a caçamba estava sem carga era lá que o cão se acomodava, por simples questão de espaço.

Leleco tinha especial dedicação pelo caminhão, pois era o seu ganha-pão. Além disso, a química do produto que transportava era um excelente corrosivo e qualquer descuido poderia representar prejuízo. Por isso, dia sim, dia não, lá estava ele lavando seu Alfa.

Com o passar do tempo, a situação foi piorando e os carregamentos já não eram tão frequentes e Leleco começou a pegar outros tipos de carga para compensar. Se alguém tinha uma mudança era com ele mesmo. Geladeira, tijolo, sucata etc. Tudo ia na caçamba do seu Alfa, que por sua vez, já não recebia o mesmo cuidado dos bons tempos. Rex e sua mãe, no entanto, continuavam firmes e fortes como sempre.

Uma tarde, ao chegar em casa, a mãe de Leleco lhe disse que ele teria de buscar a mudança de uma irmã que ficara viúva e resolveu mudar-se do Litoral para São Paulo.

– Sua tia Alzira vem para São Paulo e você precisa ir buscar a mudança dela em São Vicente. Vou marcar o dia e aí nós iremos lá.
– Você também vai mãe? Não precisa, eu sei chegar na casa dela.
– Eu sei querido, mas ela vendeu a casa e eu quero ir lá pela última vez. Afinal, ela morou naquele lugar por mais de 40 anos.

Dois dias depois estavam os três na estrada. Rex, na carroçaria, só dormia, enquanto a mãe seguia atenta à paisagem da rodovia. Era mês de março e os manacás das margens da via Anchieta se encontravam floridos. Formavam um colorido de saltar aos olhos.

Mal tinham começado o trecho de descida de serra e Leleco reclamou. – Xiiii, o freio está ruim. Também, faz tempo que não dou uma “geral” neste caminhão. Mas vamos em frente. Estamos sem carga e com um pouco de cuidado a gente chega lá embaixo vivo, concluiu.

O problema é que a situação se complicou mais do que ele tinha imaginado, e alguns minutos depois o desespero já havia tomado conta dele. Até aquele momento ele tinha evitado dizer à sua mãe qual a situação real, mas teve de pedir pra velha se segurar.

E assim foi. Nas curvas para a direita a caçamba chegava roçar no barranco da estrada e não assustava tanto o quanto nas curvas para a esquerda, nas quais um descuido, ou se não as fizesse dentro de um limite, o destino seria o abismo. Durante a corrida maluca serra abaixo, com os olhos pregados na estrada, não houve como evitar algumas batidas fortes no barranco, enquanto a mãe não parava de rezar. Deve ter entoado pelo menos umas cinco orações durante a descida. Finalmente chegou o fim da serra.

Com as pernas bambas, camisa molhada e a calça cheia, Leleco respirou aliviado. Desceu da boleia do Alfa e depois ajudou a mãe também a sair. Já em pé no acostamento, e branca como vela de sete dias, foi ela quem notou: Ô Leleco, cadê a carroçaria do seu caminhão? Quando olhou, ele viu somente as longarinas. A caçamba tinha caido no abismo, mas ele nem imaginava onde. O cachorro, então, nem pensar. O jeito foi sentar-se na beira da estrada e chorar. Dias depois a caçamba foi localizada em um precipício, mas o custo para retirá-la de lá era maior do que comprar outra no desmanche. Quanto ao Rex, até hoje não se sabe que fim levou.