Por Katia Siqueira
O setor de transporte de carga está muito abandonado, “um carreteiro sai de São Paulo com carga para ser entregue em Rondônia e para cumprir o prazo estabelecido pela empresa contratante vira a noite rodando, sem descanso”, diz Alfredo Peres da Silva, da NTC e Logística – Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística.
A Pesquisa Truck2, realizada em 2002/03, feita pela Truck Consultoria, revela que 48,7% dos motoristas autônomos trabalham de 16 a 24 horas. “Os carreteiros que dirigem caminhões pesados no Estado do Mato Grosso do Sul viajam 19 horas por dia, em média. Já os de Mato Grosso que possuem veículos médios trabalham 17,7 horas”, diz Ronaldo Augusto, diretor da empresa.
Segundo ele, a carga diária de volante é extremamente pesada para todos os motoristas. Talvez por exigência da transportadora ou do dono da carga, tanto o empregado quanto o autônomo, seja independente ou agregado, tem uma carga diária perto de 15 horas.
As médias, à exceção do TCP (Transportador de Carga Própria), aponta para mais de 13 horas diárias de volante. Vale lembrar, portanto, que as informações que foram colhidas ao longo de um ano não se referem ao período de safra, quando há grande demanda por transportes e os motoristas autônomos aproveitam para dar uma esticada e ganhar um dinheiro extra.
Resta investigar se são exigências dos patrões ou dos donos das cargas. “Se a legislação não tomar providências, fixando esse tempo, os motoristas continuarão a serem explorados, acabando com sua saúde em troca de alguns reais a mais”, diz Augusto.
Peres endossa as palavras de Augusto e garante que se a Lei 2660/96 – que já passou no Senado e está parada na Câmara – estivesse em vigor esse tipo de exploração não aconteceria mais. “Se a transportadora me pagar hora extra para puxar direto eu pego a carga, porque caso contrário chega outro motorista e aceita carregar”, confessa o paranaense Pedro da Silva Lopes, um autônomo de 48 anos (23 anos de profissão).
Dono de um Mercedes-Benz, ano 79 com o qual transporta carga fracionada no trecho Londrina-São Paulo-Londrina, Lopes conta que na primeira semana de janeiro ele pegou um frete às 18 horas em São Paulo para ser entregue em Cascavel/PR. “Puxei direto, e quando era 9h40 da manhã eu já estava descarregando. Foram 15 horas e 40 minutos de volante. Não considero errado fazer esse tipo de coisa, porque eu estou prestando um favor para a transportadora que está me ajudando, porque recebi quase 40% mais pelo frete. O valor normal era R$ 1.000,00, mas recebi R$ 1.400,00”, explica.
Ele garante que o motorista que diz não fazer mais de 12 horas de estrada está mentindo. No seu entender, a Lei – caso venha ser aprovada – não funcionará sem que seja feita uma fiscalização rigorosa por parte das autoridades. “A Polícia Rodoviária precisará controlar os tacógrafos, caso contrário continuará do jeito que está. Nossa classe é muito desunida. Se 10 motoristas não rodam a noite, três ou mais rodam. Principalmente se estiver longe de casa, porque aí a gente quer tirar a distância para chegar logo e ver a família. É por isso que tem tanta gente abusando”, assegura.
Lopes diz que costuma pegar no volante por volta das 5h30 da manhã. Pára às 12 horas para almoçar e retoma a viagem às 14 horas. Quando dá 18 horas ele faz mais uma parada até às 18h30 e depois toca em frente até às 21 horas.
Alzenir Lemos da Silva – motorista autônomo de 33 anos, que há três trabalha com um Scania 112 HW, ano 90, de propriedade do seu pai – mora em Campo Grande/MS e transporta madeira para qualquer parte do País. “Eu não faço mais que 13 horas de estrada. Costumo pegar às 7 horas e tocar até às 12 horas, depois dou uma boa descansada e pego o bruto às 16 horas e toco até às 24 horas, quando eu paro para dormir”. Ele considera loucura dirigir muitas horas sem parada, porque o motorista arrisca a vida dele e daqueles que estiverem trafegando pela estrada.
Josibias Pinto Leal, autônomo de 74 anos (41 anos de profissão), que mora em Londrina PR, tem um Mercedes-Benz 1113, ano 65, com o qual transporta trigo na região paranaense e outros Estados, confessa sem culpa que dirige entre 18 a 20 horas sem pestanejar. “Quando a noite está bonita eu finco o pé e só paro ao amanhecer”, diz.
Ele reconhece que está cometendo uma loucura, “mas se a gente não faz isso não ganha nem para pagar as dívidas. Eu bem que gostaria de trabalhar só 10 ou 12 horas por dia. Estico um pouco para ver se consigo ganhar uns trocados a mais para manter meu caminhão rodando”, admite Leal.
José Luiz da Silva, 47 anos (25 de volante) é um paulistano que costuma fazer parada no Terminal de Carga da Fernão Dias para arranjar carga fracionada para o Nordeste. “O frete para aquelas bandas é melhor. Eu vou pela Fernão Dias e não pago pedágio. O interior de São Paulo tem pouca demanda e quando aparece frete não dá para pagar o pedágio.”
Dono de um Mercedes-Benz, ano 80, Silva conta que um carregamento para Fortaleza/CE, por exemplo, distante 3.200 quilômetros de São Paulo está rendendo R$ 3.000,00. “Após descontar R$ 1.800,00 que eu gastou com diesel, alimentação etc. sobram R$ 1.200,00. Só de combustível gasto R$ 1.400,00”, conclui.
vivem oferecendo carga com hora marcada, mas ele não aceita porque a estrada rumo ao Nordeste é muito ruim. “Tem muito buraco, falta asfalto, sinalização ocorre assaltos a caminhões até durante o dia e não dá para pisar muito”, reclama.
De São Paulo a Fortaleza, leva-se 90 horas, mas Silva trabalha em dupla (quando um larga o outro pega) para tocar direto. “A gente só estaciona para abastecer, almoçar e jantar. Quando a estrada era boa dava para entregar a mercadoria em 50 horas”, lembra.
Ele conta que durante a noite ninguém tem coragem de rodar pela Fernão Dias porque sabe que será assaltado. “Se acontece de levarem a carga, aí a coisa fica feia mesmo, porque até que se prove o contrário o culpado é o motorista. A Pamcary suspeita primeiro da gente”, desabafa.
Segundo Michele Bufano, autônomo de 53 anos (35 de profissão), paulistano que mora no Parque Edu Chaves/SP, os motoristas são explorados de todos os lados porque a classe é muito desunida. “Precisamos ser reconhecidos como profissão e sermos cooperados. Até o catador de papel é reconhecido, por que nós não somos”?
Dono de um caminhão Mercedes-Benz 2213, ano 82, ele trabalha com carga seca para o Norte e Nordeste, juntamente com seu parceiro Idair Romão (51 anos). Segundo eles, o fato da profissão não ser reconhecida facilita a exploração por parte das transportadoras, embarcadoras, etc. Ele cita o Vale Pedágio que continua saindo do bolso dos motoristas. “Quando eles passam o carreto dizem que o Vale já está embutido, mas é mentira e nós continuamos a bancar os custos. E se a gente acha ruim perde a carga”, denuncia.
Os motoristas entrevistados pela Revista O Carreteiro no Terminal de Cargas Fernão Dias reclamaram não só do Vale Pedágio, mas principalmente do frete baixo – algumas rotas estão sem reajuste há três anos – e da carta frete, que no entender deles é uma enganação.
Eles dão como exemplo uma carga para Salvador/BA (distante 1,9 mil quilômetros de São Paulo), que está com um frete da ordem de R$ 1,8 mil. A transportadora dá um adiantamento de R$ 900 em carta frete. O motorista vai até o posto de serviço indicado pela empresa e lá é obrigado a abastecer no mínimo 40% do valor da carta frete e recebe como troco de R$ 150,00 em dinheiro e o restante em cheque para abastecer em outro posto.
“Para aumentar nosso problema, normalmente nestes postos indicados o diesel custa mais caro, entre R$ 0,10 a 0,20 centavos por litro. Tem até aquele que quer empurrar bomba de óleo para liberar o abastecimento”, reclamam os carreteiros Romão e Bufano.
Bufano diz que roda em média entre 14 a 16 horas por dia. “Quem toma rebite estica 24 horas. Mas não vale a pena porque é muito perigoso.”
O baiano Juracy Martins de Souza – dono de um caminhão Mercedes-Benz 1113, ano 73, com o qual transporta produtos siderúrgicos – conta que acabou de perder um amigo de 40 anos na estrada. Sem querer mencionar nome, ele diz que o motorista em questão pegou uma carga no sábado em São Paulo com destino a Salvador, onde chegou na segunda-feira. No mesmo dia ele carregou novamente e seguiu viagem de volta. Na terça-feira de madrugada se acidentou e morreu deixando esposa e dois filhos.
Souza tem 53 anos (23 anos de boléia), mora em Vitória da Conquista/BA e na ocasião havia 15 dias que estava longe de casa. Ele também trabalha entre 14 a 16 horas por dia. Mas se aparece um frete bom que compensa o extra ele pega. Na sua opinião, só agüenta trabalhar 20 horas por dia quem toma rebites para se manter acordado por mais tempo. “Ninguém suporta trabalhar muitas horas sem descanso. Se dirige em dupla, tem como fazer porque vai revezando com o parceiro, mas mesmo assim é difícil. Deveria ser proibido vender bebidas e estimulantes nos estabelecimentos de beira da estrada”, complementa.