Por Edmilson de Souza

Os caminhões de cabine avançada, apelidados de caras-chatas, começaram a entrar no mercado timidamente. A FNM foi uma das primeiras a apostar no modelo e mesmo assim gerava desconfiança pela falta de segurança e até por um certo desconforto motivado pelo calor que o motor, instalado dentro da boléia, emitia.

Este e outros empecilhos fizeram os carreteiros preferirem durante muitos anos as cabines convencionais, os famosos “focinhudos”, com o motor na frente, o qual dava uma sensação de segurança ao motorista. Em caso de batida, o motor poderia funcionar como um escudo, além de eliminar o capô elevado dentro da cabine, que roubava espaço dos ocupantes.

Hoje a preferência tem outro sentido. A tendência está mudando. Em épocas de racionalização e otimização, as empresas transportadoras, pelo volume de compras, são as quem decidem no formato do caminhão. Portanto, estão optando por caras-chatas, devido ao ganho de carga.

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Volkswagen apostou na cabine cara-chata desde o seu ingresso no segmento de caminhões há 25 anos com dois modelos médios

As leis brasileiras sobre comprimento de veículo seguem o modelo europeu que é totalmente diferente do americano. Nos Estados Unidos, por exemplo, a limitação de tamanho, refere-se somente às carretas, enquanto o cavalo-mecânico tem o comprimento ilimitado. Por isso, às vezes o carreteiro norte-americano parece que viaja num trailer, tal é o espaço que ele tem dentro da cabine. No Brasil, a legislação permite que os veículos tenham no máximo 18,15 metros, medida que vai do pára-choque frontal do cavalo-mecânico até o final da carreta.

Acho que no passado o cara-chata não pegava porque a manutenção era difícil. Tinha de desmontar a cabine para tirar o motor. Fora que esquentava muito. E o bicudo não. Era só abrir o capô, que ficava fora. Hoje, com materiais isolantes e termos-acústicos, que eliminam barulho e o aquecimento, além da cabine basculante, os problemas acabaram.”, explica Eustáquio Sirolli, gerente de Marketing de Caminhões, da Mercedes-Benz.

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Os modelos Cargo, da Ford, lançados em 1985, contribuiram para mudar a tendência do mercado em favor dos modelos cara-chata

A montadora que começou a tentar mudar o preconceito contra o cara-chata foi a Scania, na década de 70. Ela tinha o produto, chamado de linha R, mas não conseguia vendê-lo, por isso montou uma caravana e saiu rodando pelas estradas do Brasil, permitindo que, nos postos de combustíveis, os carreteiros pudessem dirigir o caminhão e testá-lo.

O medo dos motoristas na época, era que a cabine viesse a bascular com o caminhão em movimento. Também temiam o efeito “Kombi”, isto é, no caso de uma colisão não teriam nada na frente para se defendê-los. “Ao longo desses anos vimos a preferência de nossos clientes de caminhões com cabina com capô irem gradativamente migrando para cabina cara-chata, em função desta permitir o transporte de maior volume de carga dentro dos limites legais, com a mesma segurança que a outra”, declara Emerson Camargo, diretor de vendas de veículos, da Scania, no Brasil. Desde outubro de 2005 a Scania não produz mais no Brasil caminhões com a cabine T (bicudo).

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Axor completou o ciclo de lançamentos da nova geração de caminhões Mercedes-Benz com cabine avançada

Uma montadora que sempre teve somente cabine avançada é a Volkswagen. A empresa apostou no equipamento desde o seu início com operações com caminhões, devido ao sucesso europeu. “Ela oferece maior giro de manobra e tem nível de segurança equivalente aos modelos “bicudos”. O desenvolvimento inicial foi da Man, em conjunto com a VW e assim nasceu o projeto LT, hoje perto de lançar sua terceira geração na Alemanha”, informou a assessoria de imprensa da Volkswagen Caminhões e Ônibus.

A tendência de mercado dos caminhões cara-chata se explica principalmente pela legislação em vigor que trata de pesos e dimensões, que restringem as dimensões para os caminhões que transitam, principalmente, nas estradas e, neste caso, os caminhões Ford Cargo, tipo “cara-chata”, levam vantagem perante os outros modelos”, explica Flávio Padovan, diretor de Vendas e Marketing, da Ford.

A Iveco é outra montadora que produz somente cabinas avançadas no País. Vicente Garcia, responsável pelo marketing do produto, diz: “A utilização destes veículos é uma tendência mundial. Com exceção do mercado norte-americano, a cabine avançada predomina em todo o mundo, exatamente por permitir maior volume de carga sem perder em nada, quando se trata de transporte de peso. Sua facilidade de condução também é muito superior e é uma preferência dos motoristas”.

Longe de desprezar a potencialidade mercadológica da cara-chata, a Volvo do Brasil promete não deixar a produção do seu modelo convencional, porque ainda nota haver ainda uma certa procura. “A Volvo continuará produzindo caminhões com cabines convencionais, o nosso NH, até por respeito aos clientes que optam por este tipo de veículo, muito embora o mercado venha adotando os caminhões com as cabinas avançadas, numa proporção que hoje chega a 90%. A Volvo do Brasil entende que existe ainda um segmento que continua preferindo o NH, tanto no Brasil como no exterior”, esclarece Sérgio Gomes, gerente de planejamento estratégico de produto da Volvo.

Contrastando com o exigente e inesperado mercado, os cavalos-mecânicos convencionais parecem contar com um surpreendente fôlego pela frente. A Mercedes-Benz, uma das maiores montadoras do mundo, concorda em número, gênero e grau com a Volvo: “A racionalização no uso do caminhão devido a pressão no custo do frete tem levado o transportador a transportar mais carga num mesmo veículo, obedecendo as limitações legais de peso e comprimento. Isto tem resultado na migração gradativa para a cabina avançada, que propicia uma maior plataforma de carga. Em setores nos quais esta necessidade não tem impacto direto, o transportador fica desobrigado de optar pela cabina avançada, razão pela qual uma grande quantidade de veículos ‘focinhudos’ são ainda comercializados”, concluiu Roberto Paulino de Aguiar, supervisor marketing de produtos Caminhões, da companhia.