Falar de mulheres no transporte rodoviário de cargas em diferente setores deixou de ser um assunto abordado com ressalvas e preconceito. As oportunidades para o público feminino em áreas como oficina mecânica, logística, motorista, liderança em gestão estão cada vez mais frequentes.

Muitas empresas já enxergaram o potencial das mulheres no transporte e até mesmo preferem a mão de obra feminina em certas funções por terem vantagens como aumento de produtividade, menor índice de retrabalho, e redução de custos. Dados do Instituto Paulista do Transporte de Cargas (IPTC), órgão parceiro do Setcesp, mostram que somente no Estado de São Paulo a participação feminina no TRC aumentou em 61% em 2021 em relação ao ano anterior.

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Todo esse cenário positivo em relação a participação das mulheres no transporte é um fator que vem contribuindo para encorajar outras a se candidatarem a vagas – antes dominadas pelos homens- e realizarem o seu sonho. Algumas já deram o primeiro passo e já estão escrevendo a sua história no transporte realizando o seu trabalho e reforçando a ideia de que competência está relacionada a habilidade e não ao sexo biológico.

Mulheres no transporte: Joceana enfrentou preconceito dentro de casa mas nunca desistiu do sonho de ir para a estrada 

Maria Joceana de Jesus Neves, 46 anos, de Itamarajú, sul da Bahia, sempre teve o sonho de ser caminhoneira. Porém, morando em uma região de poucos recursos, não conseguia enxergar como alcançar esse objetivo. Trabalhava em uma empresa que prestava serviço na área de saúde em uma tribo indígena. Sempre que via os caminhões ou mulheres dirigindo os pesados, pensava se um dia iria conseguir seguir na profissão.

Mulheres no transporte

“A minha cidade não tinha como me dar um suporte. Não tinha escola profissionalizante e nem locais para fazer um treinamento. Então, como primeiro passo decidi trocar a categoria da minha CNH. Para pagar as despesas vendi a minha moto. Minha família imediatamente foi contra pois era o meu único meio de transporte. Fiz o curso e decidi que era a hora de correr atrás do meu sonho. Pedi demissão da empresa e comecei a fazer buscas. Foi quando eu ouvi falar da Fabet e me interessei”, explicou.

Joceana conta que ligou na fundação para obter mais informações e soube da possibilidade de tentar uma bolsa para o curso de motorista e fez a inscrição. No dia seguinte foi surpreendida com uma ligação dizendo que havia conseguido a bolsa oferecida por uma empresa, que arcaria com os custos do curso, estadia e alimentação tendo apenas que custear a sua viagem para São Paulo. “Sem pensar muito comprei a passagem e agradeci a Deus por aquela oportunidade. Somente depois contei para a família e mais uma vez não tive o apoio deles. Disseram que eu era louca. Senti medo, afinal nunca havia viajado para uma cidade grande. Não sei como eu consegui força e coragem. Mas meu sonho falou mais alto e algo me dizia para confiar”, explicou.

Durante o período do curso, Joceana procurou se dedicar ao máximo para conseguir bons resultados e ao longo das aulas ela foi se destacando e evoluindo. O bom desempeno de Joceana rendeu uma oportunidade de trabalho na mesma empresa que a patrocinou. “Eu realmente havia conquistado o meu sonho. Meu único desafio nesse momento foi ter de ficar longe da minha família. A saudade era grande, mas não poderia perder essa chance única. Com apoio da empresa, aluguei uma casa próximo do meu trabalho e fui me estabilizando. Hoje o meu trabalho é pegar as carretas levar até o galpão e depois levar para o pátio e descarregar. Cinco meses depois consegui visitar a minha família que finalmente havia entendido a minha escolha e passou a se orgulhar e me apoiar”, relembrou.

A infraestrutura e falta de banheiros para mulheres no transporte é algo que Joceana aponta como a grande dificuldade e acredita que o preconceito diminuiu pois os homens já entenderam que a mulher pode estar aonde ela quiser. “Não existe dificuldade para mulher. Somos dedicadas e assim conseguimos tudo. As vezes as próprias mulheres colocam empecilhos. Hoje eu sei que sou exemplo de superação e algumas pessoas se identificam com a minha história. Então eu acredito que se uma mulher tem um sonho tem que correr atrás dele e não deixar ninguém impedir”, aconselhou.

Mulheres no transporte: Shirley quase desistiu de ser motorista mas, o filho a incentivou e hoje atua e uma transportadora

Shirley Fátima Lunca, de  Maringá PR, tem CNH E e vendeu sua loja de roupa para pagar o curso de motorista oferecido pela FABET. “Sou filha e irmã de caminhoneiro e meu sobrinho é dono de frota de caminhão. Quando criança viajava bastante com meu pai e minha mãe pelo Brasil. Amo a profissão. Meu pai faleceu de acidente quando eu tinha 10 anos. Segui com a vida. Me casei com alguém de outra área de trabalho, tive meus filhos. Me separei há seis anos e então continuei trabalhando com moda (15 anos nessa área) mas sempre com vontade de ser motorista de caminhão. Sempre quis, mas não ia atrás porque achava que já estava velha. Mas, meu filho mais velho me incentivou a correr atrás do meu sonho, afirmou.

Mulheres no transporte Shirley

E foi o que aconteceu. Após finalizar o curso, a Braspress ofereceu oportunidade de trabalho para Shirley e hoje ela faz coleta e entrega. Porém, já está sendo preparada para dirigir carreta, o grande objetivo dela. “Já estou fazendo manobras com carreta dentro da empresa para em um futuro breve poder viajar pelas estradas do Brasil em uma carreta”. Shirley diz que seu único arrependimento foi de não ter seguido o seu sonho antes.

E para as mulheres que, assim como ela, querem ser motorista ou ter qualquer outra profissão ligada ao transporte e que ainda é bastante dominada pelos homens, Shirley tem um conselho. “A primeira oportunidade realmente é bastante complicada. As empresas ainda precisam querer incentivar o ingresso das mulheres sem experiencia oferecendo cursos e treinamentos. Mas, se uma mulher tem um sonho deve correr atras sem ficar pensando muito. Parada é que não da para ficar. Hoje eu sei que sou inspiração para muitas pois sou prova de que quando queremos e vamos atrás não existe nada que nos impeça”, finalizou. 

Mulheres no transporte: Josivania viaja ao lado do marido, o ajuda em algumas atividades e a diminui a solidão

Apesar de não dirigir caminhão, Josivania Santos Batista, de Solânea/PB, também faz parte do grupo de mulheres no transporte. É casada a dois anos o caminhoneiro Hércules Lennon Silva de Carvalho, e viaja ao lado dele há um ano. Conhecida como Cristal – assim como as demais esposas de caminhoneiros -, Josi explica que as dificuldades enfrentadas por ela são bem parecidas com as das mulheres que dirigem caminhão. “A falta de infraestrutura para mulheres na estrada é muito grande. Além disso muitas empresas não permitem a entrada das esposas, que são obrigadas a aguardar por horas do lado de fora. Uma vez cheguei a ficar até em um hotel. Esse desrespeito também acontece com os caminhoneiros, seja homem ou mulher”, explica.

Mulheres no transporte

Para Josi uma Cristal tem um papel importante dentro do transporte pois  ela ajuda o caminhoneiro em algumas atividades, sem contar na companhia diária. “Ele sempre me diz que se sente mais motivado por eu estar ao seu lado. Ele consegue dividir os problemas, as alegrias, as inseguranças e não se sente sozinho. Quando decidimos ficar juntos eu não tive dúvidas do que deveria fazer. Como a gente morava em cidades diferentes achei melhor largar o meu emprego e me dedicar a vida na estrada ao lado do meu marido. Sempre gostei dessa profissão e está sendo um sonho poder realizar”, destacou.

Mas Josi faz um alerta para as mulheres que também tem vontade de ser uma Cristal e ajudar os maridos na estrada.  “É importante estar preparada para encarar os desafios e ter a consciência de que a vida na estrada realmente não é fácil”.  Na opinião de Josi, as empresas deveriam mudar a postura e olhar com mais respeito para as mulheres que acompanham os caminhoneiros. E o governo deveria melhorar a infraestrutura na estrada.

Mulheres no transporte: Naira venceu o preconceito e atua na área de manutenção de uma transportadora

Outra mulher que venceu o medo e o preconceito para atuar em uma área dominada pelos homens é a gerente de manutenção da Transportadora Mirassol, Naira Souza dos Santos,  40 anos de idade e 10 de profissão. Ela começou a atuar no setor de transporte no departamento de compras de uma transportadora. Depois foi promovida para a área de suprimentos e passou a conhecer mais profundamente as peças de um caminhão como motor, filtro, pneus, saber mais sobre carreta.

mulheres no transporte Naira

“Para fazer com mais eficiência o meu trabalho precisei me aprofundar. E quando surgiu a oportunidade de atuar na coordenação da área de manutenção alguns colegas a incentivaram e conversaram com o gerente da transportadora que acreditou no meu potencial e em todo conhecimento adquirido nos outros departamentos que havia passado. Sabia exatamente as peças que precisavam ser trocadas e tinha noção de todo o sistema”. 

Naira conta que agarrou a oportunidade, porém, na época seu pai, não ficou satisfeito por ser um ambiente na sua maioria ocupado por homens. Porém, nunca a impediu de seguir na profissão e em pouco tempo entendeu a seriedade da empresa e também a competência dela. Alguns outros desafios surgiram, mas enfrentou apenas um episódio de preconceito. “Quando eu assumi a liderança da manutenção um mecânico questionou o meu conhecimento e o fato de ser uma mulher liderando a situação. Mas, como estava bastante segura das minhas habilidades eu ignorei e segui com o meu trabalho”, lembrou.

Atualmente Naira coordena a equipe de mecânicos e a parte administrativa de controle de manutenção dos veículos. Ela direciona o veículo que precisa parar para fazer a manutenção, tanto preventiva quanto de emergência. Para Naiara o setor de mecânica é um ambiente de difícil acesso para as mulheres no transporte principalmente pela falta de informação. Hoje, segundo ela, o fato de os veículos serem automatizados tornou ainda mais fácil o acesso da mulher porém muitas não tem uma ideia muito clara sobre isso. E muitas não tem o conhecimento operacional somente o administrativo. “As mulheres acabam se limitando a se arriscar por conta da própria sociedade e muitas vezes se limitam a cargos administrativos, quando se fala em transporte. Existe um leque de opções e diversidades de oportunidades. Mas as vezes a empresa não dá essa oportunidade e a mulher também prefere não se arriscar”.

Naira acredita que o primeiro passo para mulheres que estão pensando em se arriscar em setores dominados pelos homens é sair da zona de conforto e correr atrás do sonho e objetivos. “Muitas pessoas vão tentar impedir, desmotivar. Mas o importante é você estar determinada sobre o que quer fazer. Eu sempre procurei me inteirar de tudo para poder ser competente dentro da minha atividade. Sempre procurei também valorizar o trabalho em equipe e estar atenta a tudo ao meu redor”, concluiu.