Por: Nilza Vaz Guimarães

Execradas por muitos e bem-vindas por outros, no caso alguns motoristas que ainda se aventuram a aceitar as suas propostas, as meninas que se prostituem nas estradas da região do Nordeste têm sido, há anos, motivo de operações da Polícia Rodoviária Federal e de organizações que se propõem a combater a prostituição infanto-juvenil nas margens de rodovias.

As mobilizações contra o abuso e a exploração sexual infanto-juvenil
são organizadas para chamar a atenção da sociedade para o drama vivido por muitas crianças e adolescentes. Nos dias 13 e 14 de maio deste ano, por exemplo, a 10ª Superintendência da Polícia Rodoviária Federal mobilizou agentes em todos os 28 postos do Estado da Bahia para uma ação educativa com distribuição de panfletos e orientação voltada, principalmente, para carreteiros.

De acordo com o superintendente da Polícia Rodoviária Federal no Estado, Misael Freitas Santana, os patrulheiros pararam o máximo de veículos possível, em cerca de 6,5 mil km de rodovias no Estado da Bahia. Conforme o mapeamento realizado pela PRF, a exploração sexual infanto-juvenil é mais freqüente nos trechos que ligam as cidades de Vitória da Conquista e Milagres (sudoeste), Luis Eduardo Magalhães e Barreiras (oeste), entre Ubaitaba e Itamarati (BR-101), Itabuna e Camaçari (sul), Eunápolis, Porto Seguro e Itamarajú (extremo sul) e Senhor do Bonfim e Riachão do Jacuípe (norte).

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Grupo do Programa Sentinela, com quatro anos de atuação, conta com advogados, psicólogos, assistentes sociais, educadores, motoristas e outros profissionais interessados em atender vítimas de abuso e violência sexual.

A polícia realizou um trabalho repressivo também ao longo das BR-101 e BR-116, que resultou no encaminhamento de 25 jovens a conselhos tutelares ou juizados de infância e adolescência e na prisão de oito adultos, enquadrados no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mesmo com as blitzes e o risco de serem enquadrados existem motoristas que se envolvem com as jovens que os procuram. O carreteiro J.R.S., com mais de 20 anos de estrada, viaja por todo o Brasil e diz já ter contraído várias doenças sexualmente transmissíveis. Mesmo assim, não deixa de se relacionar com meninas que ficam nos postos de abastecimento. “A gente chega cansado de viagem, aí recebe um carinho aqui, outro lá, é bom demais”, afirma o motorista, que tem 48 anos e foi casado duas vezes. “Gosto de carne nova e que dê no couro. Ninguém imagina o que estas meninas são capazes de fazer. São espertas demais e não cobram caro”. Segundo o carreteiro, o programa pode variar entre R$ 10 e R$ 30 reais. “E depois, a gente nem precisa sair do caminhão, é entrega a domicílio”, sorri. Para ele, são as meninas que escolhem esta forma de ganhar a vida. “Não tenho pena, não. Elas que se oferecem e eu não penso duas vezes”.

Outros preferem evitá-las, como o motorista Luizinho Barbosa Gonçalves, nascido em Jacobina, no sertão baiano, e com experiência de 30 anos na estrada, não se cansa de contar que as meninas que rondam as estradas e os postos de combustível são muitas. “ Agora mesmo me pediram carona para Juazeiro e eu não dei. Tenho família e filhos”. No dia-a-dia, Luizinho reclama que estas meninas perturbam “e não deixam os motoristas descansar. “Ficam batendo no vidro do caminhão e incomodando o nosso sono”, diz.

Em sua opinião, os pais deveriam dar mais carinho a estas meninas e não deixá-las se prostituir. “O governo também é culpado, não dá emprego e quando os filhos pedem para os pais alguma coisa e não recebem, com certeza vão procurar uma forma de conseguir. E muitas vezes, caem pelo lado errado”, lamenta. Contou uma experiência há muitos anos atrás, quando deu carona a uma jovem e um bebê, de aproximadamente um ano de idade, de Itaobim até Valadares. Na hora do almoço, Luizinho parou o caminhão num restaurante e como a jovem estava sem fome, ele desceu do caminhão para almoçar e ela ficou. Quando voltou para seguir viagem, não encontrou mais nada. Nem a jovem, nem o bebê e nem os seus próprios pertences. “Ela me roubou tudo.
Mas aprendi. Nunca mais dei carona a ninguém”, esbraveja.

CAMPANHA REALIZADA EM MAIO NAS ESTRADAS DA BAHIA

n Em Poções, no km 791 da BR-116, foi detida a menor C.F.S. sem documentos, aparentando 15 anos, em atitude suspeita, às margens da rodovia.
n Em Eunápolis, na BR-101, no km 720, foi detido o menor de idade S.J.S. a bordo de um caminhão. Enquanto que no km 715 foi detido um carreteiro por estar em companhia de duas adolescentes de 16 anos de idade.
n No trecho de Santo Antônio de Jesus, na BR-101, no km 295, duas adolescentes com 17 anos, prostituindo-se na área de um posto de combustível foram detidas e encaminhadas ao Juizado de Menores.
n No km 615 da BR-324, uma adolescente de 15 anos e uma mulher de 31, sem documentos, se prostituindo foram detidas.
n Na BR-118, no km 894, próximo à Vitória da Conquista, uma menor foi detida às margens da rodovia, com indícios de que estava se prostituindo.
n Nos períodos de festas na Bahia, como Carnaval, Micaretas (carnaval fora de época) e São João, a fiscalização nos postos da PRF e PRE é intensificada para verificação de condução de menores, drogas e armas ilegais.

PROGRAMA SENTINELA

Em 2004, de janeiro a novembro, o Programa Sentinela, único vinculado ao governo federal que atua na área, atendeu a 776 casos nos nove municípios baianos em que possui centros de referência, sendo que 57,6% referiram-se a abuso sexual, e de 42,4% a exploração sexual. Feira de Santana é a primeira cidade do Estado que concentra o maior número de atendidos, perdendo apenas para Salvador.
Os números, conforme especialistas, não correspondem à realidade, porque a maior parte dos crimes não é denunciada. Segundo os especialistas, um grande desafio é desarticular a rede de exploração, formada por agentes que fazem com que as meninas e adolescentes vendam o próprio corpo.
Conforme explica Luciana Flores, coordenadora do Programa Sentinela, de Feira de Santana, com apenas 4 anos o programa já é modelo nacional em qualidade de atendimento. Conta com advogada, psicóloga, assistentes sociais, educadores, motoristas, vigilantes e pessoal de apoio, para atender gratuitamente as vitimas de abuso e violência sexual e assistir suas respectivas famílias. Segundo dados do Programa Sentinela, a maior parte das vítimas é do sexo feminino de 7 a 14 anos, de cor parda, com renda familiar de 1 a 3 salários mínimos. Geralmente apresentam infecção urinária, doenças sexualmente transmissíveis, coceiras e corrimentos. A punição para quem submeter crianças e adolescentes a situação de exploração sexual é de 4 a 10 anos de reclusão. O número do telefone do disk-denúncia é 0800 99 0500.