Por Alessandra Sales
Atribuir acidentes à situação das estradas brasileiras, consideradas muitas vezes ruins, é uma justificativa bastante utilizada pelos motoristas de caminhão. Em tese, essa desculpa nem sempre é encarada como verdade, mesmo porque acontecem muitas ocorrências em rodovias bem sinalizadas e com a pista de rolamento em boas condições de tráfego.
Porém, um dos maiores responsáveis pelos acidentes envolvendo caminhões nas rodovias é a falta de descanso do motorista, profissional que vive sob pressão, seja pela urgência da entrega da carga, pelos perigos da estrada e também devido sua situação financeira. Infelizmente, tornou-se comum no Brasil o carreteiro permanecer dirigindo por muitas horas sem paradas e, não raramente, sob o efeito de rebites.
Uma das tentativas de se reverter este quadro se deu em 1996, com a Lei 2660/96, que limitava em quatro horas o tempo de direção, seguido por 30 minutos de descanso. Após tramitar por 13 anos no Congresso, em Brasília, foi aprovada pela Câmara dos Deputados este ano, mas nem chegou a entrar em prática e foi vetada dia 07 de julho passado pelo presidente em exercício, José Alencar, por sugestão do Ministério das Cidades. Outra ação foi uma Liminar da Justiça do Mato Grosso, em 21 de janeiro de 2008, a pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), que vinha desde 2007 buscando regulamentação para o setor, em parceria com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MT) – que limitava em oito horas a carga horária para o motorista de caminhão. Esta também teve vida curta e foi cassada no dia 26 do mês seguinte.
O motorista, pelo seu lado, continua sem uma regulamentação da carga horária e fazendo seu próprio horário, com longas jornadas sem descanso. O autônomo Nelson Campos Lima, 72 anos, de Araçatuba/SP, transporta mudanças e cargas em geral no seu caminhão VW 23.210 por toda parte do País. Ele dirige por cerca de 12 horas, sem parar, e descansa entre quatro e cinco horas. Considera a parada fundamental, e acredita que os acidentes ocorridos são imprudências dos colegas, que não descansam, pois quando param usam o tempo para fazer outras coisas. “A responsabilidade é do carreteiro que está no comando da direção. Um caminhão tomba igual a uma bicicleta, por isso, é preciso ter muito cuidado”, alerta.
Já o gaúcho Joel da Rosa Rosas, 45 anos, de Capela de Santana/RS, empregado e transportador de móveis de Caxias do Sul para o Rio de Janeiro, viaja aproximadamente 17 horas por dia, e não deixa dúvidas que faz seu próprio horário de descanso, parando a cada duas horas. Explica que existem situações em que a empresa pressiona para a entrega da carga e as jornadas ao volante ficam mais longas. Sendo assim, ele afirma que a parada que poderia acontecer a cada duas horas passa a ser de quatro. “O cansaço contribui muito para a ocorrência de acidentes e nos trechos de estrada em obras o risco aumenta”, destaca.
Natural de São Borja/RS, Jarbas Correia, 47 anos, empregado da empresa Guarani das Missões Transportes, transporta carga seca para Argentina e Chile. Diz que sempre costuma fazer seu horário de viagem, e dirige de três a quatro horas direto. Seu período de descanso não passa de cinco a dez minutos, exceto na hora do almoço. “Dependendo do sono, paro de quatro a seis horas”, disse. Para ele, a maioria dos motoristas tem pressa de chegar em casa, por isso não descansam o suficiente. No seu caso, diz que sempre que pode para e toma seu chimarrão, para relaxar e passar o sono.
O catarinense Patrício Lopes, 29 anos, de Brusque/SC, empregado particular que dirige uma carreta graneleira, explica que seu tempo na estrada depende da vontade de dirigir. Cita, como exemplo, que quando sai de São Paulo com destino a Volta Redonda/RJ, o trajeto é cerca de 300km, o que seria equivalente a mais ou menos quatro horas direto no comando da direção. Depois disso, afirma que descansa 20 minutos antes de voltar ao batente. “Tenho minha responsabilidade na entrega da carga, mas não vou tomar uma cartela de rebite para “ficar ligado”. Sou cuidadoso e prezo muito a minha vida”, garante.
Transportador autônomo de farinha de trigo e de telha Eternit, o paranaense de Colombo, Altair Araújo dos Santos, 29 anos, roda no trajeto entre São Paulo e Curitiba. Diz que, de costume, dirige em média 16 horas e muitas vezes sem pausa para descanso, só para poder chegar logo em casa. “Se eu me sinto cansado eu paro, mas é comum presenciar acidentes nas estradas, sendo que muitos são decorrentes do sono, principalmente, na rodovia Régis Bittencourt”, afirma.
Outro motorista que lembra do alto índice de acidentes provocados pela falta de descanso é o autônomo Edemar José Pletsch, 46 anos, de Foz do Iguaçu/PR. Transportador de carga seca, geralmente com destino para Salvador/BA, Fortaleza/CE e Manaus/AM, ele diz que dirige cerca de três a quatro horas sem paradas e descansa de dez a 20 minutos. Revoltado, afirma que existem carreteiros que não respeitam o outro na estrada. Ressalta que os bitrens transportam de tudo e acabam rodando 24 horas direto. “É preciso ser cuidadoso, uma viagem para o Nordeste é impossível de ser feita em apenas dois dias. A fiscalização precisa multar quem não respeita o próximo na estrada”, conclui.
O autônomo pernambucano Severino Ramos, 49 anos, do município de, Buenos Aires/PE, transporta varios tipos de carga para diferentes pontos do Nordeste e roda, em média, por três horas seguidas, com paradas de 40 minutos. Defende que os motoristas precisam descansar mais em cada parada, pois assim se evitaria muitos estragos provocados por acidentes nas rodovias”, opina.
O também autônomo, Zei Germann, 48 anos, de Osório/RS, transporta carga geral de São Paulo a Salvador, principalmente componentes de computadores. Dirige direto entre quatro e cinco horas, com descanso aproximado de 30 a 60 minutos. “Cerca de 90% dos acidentes acontecem por causa do sono, droga e rebite, e muitos utilizam por exigência da própria empresa, a mesma que determina o prazo da entrega da carga”, aponta. Germann lembra ainda que já perdeu um amigo, vítima de um motorista imprudente que dirigia cansado.
Outro carreteiro que não pensa duas vezes na hora de descansar é o autônomo Adelson Grayton Bortolossi, 42 anos, de Mandaguari/PR, que transporta estofados. Ele garante que dirige por cerca de duas horas e meia, e sempre que pode descansa por um período de 15 a 20 minutos em cada parada. De acordo com ele, quando sente sono não hesita, para e dorme. “Nunca tomei rebite e sempre que pego uma carga já digo que não trabalho com carga horária, porque não aguento fazer viagens muito longas”, afirma.
O autônomo goiano Eduardo Marins da Silva, 30 anos, transporta couro de Goiânia/GO para São Paulo/SP, e na volta carrega mercadorias fracionadas. Roda em média de cinco horas direto e descansa uma hora e meia. Diz que nem sempre viaja durante a noite, mas quando é necessário garante estar descansado. “Se eu dirigir à noite eu paro para dormir. Hoje, muitos colegas não ligam para isso, e fazem “zig e zag” nas pistas, o que é muito perigoso, pois pode envolver o carreteiro que está preparado para fazer uma viagem tranquila e segura”, conclui.