Por Daniela Giopato
Importante elo de ligação entre o Sudeste e o Sul do País com 401,6 km de extensão, a Régis Bittencourt, correspondente ao trecho São Paulo – Curitiba, ficou conhecida durante muito tempo como a rodovia da morte, por conta dos altos índices de acidentes com vítimas fatais. Questões de preservação ambiental, alto fluxo de veículos de carga e a falta de investimento na conservação da malha acabaram por dividir opiniões à respeito da estrada quanto ao seu padrão de segurança, conforme demonstram os carreteiros que a utilizam.
Após passar por alguns processos de reforma, a rodovia conseguiu reverter a imagem de “a mais perigosa do País”. A Régis Bittencourt tem a maior parte de sua extensão duplicada e a malha viária está em bom estado, conforme dizem os motoristas de caminhão que a utilizam com freqüência. Mas, como eles mesmos dizem, “ ainda está longe para a estrada ficar ótima”.
Um dos principais motivos está no Estado de São Paulo, precisamente na Serra do Cafezal, conhecida popularmente entre os carreteiros como a “Serra do 90”, trecho que ainda mantém pista simples. Outro é a Serra do Azeite, com grandes depressões e óleo na pista, fatores que levam os veículos a reduzirem a velocidade sob risco de acidente. O trecho paulista da BR 116 tem 299 km +700 metros e desse total faltam apenas 30km para serem duplicados, justamente na Serra do Cafezal, onde a obra enfrenta, além de outros problemas, a questão ambiental porque o local faz parte da área ocupada pela Serra do Mar.
O DNIT – Departamento Nacional de Infra-estrutura do Transporte, explica que o trecho só poderá ser duplicado quando a rodovia for concedida. Enquanto isso não acontece, o órgão afirma estar realizando trabalhos de conservação e manutenção para garantir a segurança dos usuários. Já em relação ao problema da Serra do Azeite, afirma ser uma questão de fiscalização e não de realização de obras.
De acordo com o Superintendente da 6ª Superintendência Regional da Polícia Rodoviária Federal, o Inspetor João Bosco Ribeiro, a PRF recebeu denúncias indicando que estaria sendo depositado óleo na pista na Serra do Azeite, mas após levantamento do Núcleo de Inteligência e das Equipes Táticas que trabalham na região constatou-se que as denúncias eram infundadas. Estatísticas da PRF mostram que a principal causa de acidentes continua sendo a imprudência do motorista. Aliás, este fator, informa a PRF, corresponde a mais de 31% dos acidentes em rodovias federais.
A 6a Superintendência – sediada na via Dutra/SP, é responsável pelo policiamento e fiscalização do trecho paulista da Régis Bittencourt do km 268,93 (Município de Taboão da Serra), ao km 568,53 (Barra do Turvo), divisa com o Estado do Paraná.
O motorista Ademir Lares, de Canoas/ RS, 47 anos, 22 de profissão, faz a rota Porto Alegre – São Paulo e Porto Alegre – Uberlândia e utiliza toda semana o trecho paulista da BR-116. “A parte duplicada melhorou bastante, mas ainda falta muito para ficar boa. A Serra do 90, por exemplo, continua com pista simples e com muitos buracos. E a Serra do Azeite tem muitas valetas que acabam com o caminhão”, avalia.
Um dos principais problemas apontados por Ademir é a falta de assistência na rodovia. “Certa ocasião, há alguns anos, eu viajava de Curitiba para São Paulo com uma carga de cigarro e em determinado trecho, não me recordo em qual com precisão, o caminhão parou devido a um problema no sistema de rastreamento. Pedi ajuda a um colega que passou para avisar a PRF. Fiquei parado das oito da manhã até às 13h. Veio a escolta particular da empresa, o serviço de socorro do sistema de rastreamento e resolvemos o problema. Só depois a Polícia apareceu. É visível que só tem boa estrutura as rodovias que estão sob concessão, pois só assim temos segurança na estrada. E nesse caso sou a favor do pedágio, porque temos estradas melhores”, opina.
Conhecido no trecho como “anjinho”, Joildo Anjos de Souza, de Salvador/BA, está na profissão há 20 anos e afirma que a Regis Bittencourt continua com problemas. “Durante a noite, por exemplo, é muito complicado, pois sem sinalização não conseguimos ver os buracos. Além disso, se acontece algum acidente ficamos a ver navio. Temos de apelar para a proteção divina para que nada de ruim nos aconteça”.
Joildo acredita que a solução para tornar todas as estradas do País mais seguras é mesmo a concessão, porém ressalta que os valores dos pedágios não podem ser muito altos. “Quando trafego por rodovias pedagiadas, como a Anhanguera e a Ayrton Senna, por exemplo, parece que estou em outro mundo. Mas, no geral, confesso que apesar de alguns problemas, as estradas do Estado de São Paulo são as melhores e mais seguras”.
Quanto aos imprevistos que possam ocorrer na Régis Bittencourt, a 6ª Superintendência da PRF informou que dispõe de equipes treinadas e equipadas para atuar a qualquer momento e atender todos os tipos de ocorrências. O usuário pode também entrar em contato através do 191 e em São Paulo pelo telefone (11) 6095-2300. “A fiscalização do trânsito está sendo realizada de forma mais intensa, por meio de equipamentos novos e modernos, radares fotográficos e bafômetro”, explica João Bosco. Além disso, a PRF realiza trabalhos de educação no trânsito.
Roberto Manoel da Silva, de São Paulo/SP, 40 anos de idade e seis de estrada, faz pela BR-116 a rota São Paulo – Salvador e pela BR-101 o trecho São Paulo – Vitória do Espírito Santo e conhece bem o trecho São Paulo – Curitiba. Na sua opinião, apesar de ainda não estar cem por cento, a parte duplicada está boa, mas ainda falta melhorar a Serra do 90. “Por conta do mato, o local não tem sinalização. Certa ocasião havia um acidente depois de uma curva, mas como não havia indicação alguma quase provoquei outro acidente”, lembra.
Em relação à sinalização, o DNIT explicou que mantém um programa de obras em todas as rodovias federais do Estado São Paulo e que as equipes contratadas cuidam para que o mato não esconda as placas de sinalização. O órgão informou que em São Paulo, o Departamento junto com a diretoria de infra-estrutura terrestre solicitou a elaboração de quatro lotes de projetos futuros para revitalização de pavimento, para ser concluído este ano, porém os trechos aguardam definição.
Apesar das críticas, o carreteiro Roberto Manoel da Silva fez questão de ressaltar que há rodovias muito piores do que a Régis Bittencourt. “A BR-262, entre Belo Horizonte e Uberlândia, por exemplo, é péssima. Os buracos não permitem que se rode a mais de 20km/hora, o que ocasiona uma série de assaltos. Só passo por aquele trecho à noite se estiver com carga horária”, diz. Ele lembra de uma ocasião em que um pneu estourou e ele teve de fazer a troca sozinho e no escuro. “Levei duas horas e meia, porque optei em deixar as luzes do caminhão apagadas para não chamar atenção de desconhecidos. Nesse dia foi Deus que me protegeu”, acentua. “Na Dutra e Anhanguera, por exemplo, se quebrar um caminhão ou acontecer um acidente, em 15 minutos tudo estará resolvido. Já nas demais, não existem recursos e dependemos dos amigos e da boa vontade de outros motoristas”, lamenta.
Há 11 anos no trecho, João de Miranda Júnior, de São Paulo/SP, já viajou bastante pela BR-116, entre São Paulo e Curitiba e assim como seus colegas elegeu a Serra do 90 como o pior trecho. “Não é duplicada e ainda está esburacada. E alguns motoristas insistem em fazer ultrapassagens, embora naquele local seja impossível saber o que os aguarda do outro lado”, reclama. Para ele, o pedágio, apesar de ter os preços abusivos é uma das poucas soluções para melhorar as estradas”.
Já o colega Carlos Alberto Nardo, de São Bernardo do Campo/SP, com 35 anos de estrada, lembra que um dia a Régis Bittencourt foi considerada como a “rodovia da morte” e confessa que não faltaram motivos para isso. “Hoje, esse trecho é outra coisa, está duplicado e os acidentes com certeza diminuíram. Consegui sobreviver numa época em que todos os dias acontecia um acidente”. Ele lembra que existem outras estradas que precisam de melhoras urgente, como a BR-010, entre Paragominas e Mãe do Rio/PA, que sem sinalização e com buracos é uma rota suicida.
Quando perguntado se ele considera a concessão uma solução, Carlos é bem claro. “Pedágio é um abuso! Pagamos muitos impostos para termos as rodovias conservadas. Isso é um problema do governo. E, na minha opinião, nem as pedagiadas são 100% seguras”.
Para Edson Gurato, de Cianorte/PR, a Régis Bittencourt está ótima. “Claro que tem muita coisa ainda para ser feita, como duplicar a Serra do 90, mas acredito que isso vai demorar um pouco, pois ao invés de melhorar foi colocado um “pardal” para controlar a velocidade e, claro, arrancar dinheiro dos motoristas”, reclama. Outra queixa de Edson é que nos trechos onde não há radar os motoristas correm muito. De acordo com ele, a PRF é a única que dá apoio aos motoristas e acredita que a solução seria as balanças operarem de verdade. Ele sugere a criação de uma parceria entre o DNIT e a PRF.
Ele lembra que o Brasil tem muitas rodovias em estado de conservação lastimável. Alguns trechos da Belém – Brasília, em Tocantins e Maranhão, praticamente não existe estrada”. Em Goiás, entre Rialma e Uruaçú, falaram que iam liberar R$ 70 milhões para arrumar a rodovia, mas até agora nada mudou. Pode-se dizer que as estradas de São Paulo são realmente as melhores do País”, desabafa.
Alexandre Correa, de Jundiai/SP, está há 13 anos na profissão e não costuma pegar a BR-116, mas reconhece que a duplicação melhorou muito a vida dos carreteiros. “Eu não tenho a mesma sorte dos colegas que trafegam na Régis Bittencourt, pois faço a rota São Paulo – Belém pelas BRs 153 e 010, que estão com trechos muito precários. De Goiânia a Uruaçú, por exemplo, são tantos buracos que gastamos mais de cinco horas em um percurso para ser percorrido em apenas duas, no máximo. Conclusão, corremos o risco de sermos assaltados e ainda gastamos mais com manutenção do caminhão.
Apesar de estar há apenas 10 anos na estrada, André Leonel Vieira roda por todo o Brasil e fala com firmeza que o funcionamento correto da balança e uma fiscalização mais eficaz poderiam contribuir para a conservação das estradas. “Hoje, muitas balanças funcionam das oito da manhã a seis da tarde. Os carreteiros que estão com o caminhão acima do peso esperam a balança fechar para passar. Assim não há pavimento que resista.
Em relação à Régis Bittencourt, André parabeniza a duplicação, porém critica as serras do 90 e a do Azeite pelo risco que elas oferecem aos usuários. “Na Serra do Azeite há um movimento muito intenso de guincheiros, e eles derramam muito óleo na pista. Uma vez meu pai deslizou e acabou sofrendo um acidente. Por sorte, nada de grave aconteceu com ele, porém teve um prejuízo de R$ 30 mil reais para consertar o caminhão.”
A concessão parece ser a solução mais eficaz para resolver os problemas da Régis Bittencourt e afastar de vez o fantasma de “rodovia da morte”. De acordo com a Superintendência de Exploração da Infra-Estrutura da ANTT, o valor dos investimentos necessários para os 25 anos de concessão é de quase dois bilhões de reais. Nos primeiros seis meses de concessão, antes da cobrança de pedágio, estão previstos trabalhos que compreendem os serviços de melhorias diversas como sinalização, pavimento, conserva, edificação e outros. A partir daí até o 5º ano entram os serviços de Recuperação Estrutural e as obras de ampliação da capacidade, como a construção de uma nova pista na Serra do Cafezal e as faixas adicionais de tráfego na Serra do Azeite. Além de outros serviços de manutenção e conservação.
Porém, de acordo com o Ministério dos Transportes, os motoristas terão que ter um pouco mais de paciência, já que o processo da 2ª Etapa das Concessões das Rodovias Federais, dos sete lotes, incluindo a BR-116 no trecho de São Paulo – Curitiba está parado em Brasília por conta de alterações solicitadas pelo Presidente da República. A estimativa é que ainda no primeiro semestre deste ano a conclusão seja reapresentada. Em caso de aprovação, será necessário a publicação dos editais para dar início ao processo de licitação. Em resumo, é bom não se iludir que este ano aconteça alguma melhora efetiva na estrada.