O coronavírus modificou intensamente a rotina dos motoristas de caminhão desde o seu início. Trouxe insegurança e medo, sobretudo nas estradas, onde nos primeiros dias da pandemia a categoria sentiu-se abandonada e esquecida frente ao comércio e estabelecimentos de portas fechadas. Porém, ações de apoio nas rodovias por parte de pessoas, empresas e organizações serviram de importante apoio para os profissionais do volante a atravessarem as dificuldades iniciais da doença e se adaptarem às regras e condições necessárias para evitar o contágio. Hábitos de relacionamentos, distanciamento e maiores cuidados com a higiene e a saúde passaram a ser, de uma hora para a outra, a grande preocupação.

Com a chegada da pandemia, queixas da categoria como alto preço do diesel, baixo valor do frete e insegurança nas rodovias passou a ser encabeçada por problemas inusitados como a falta de estabelecimentos para fazer refeições fechados, assim como inexistência de serviços básicos (lojas, mecânicos, borracharias, autopeças etc.), além da vulnerabilidade à contaminação diante da falta de equipamentos de proteção básicas, como álcool em gel e máscaras de proteção.

“Muitos restaurantes estavam fechados e alguns postos restringiam o uso a caixa cozinha do caminhão, sem contar que os postos de serviço mesmo abastecendo não permitiam uso do banheiro”, contou Amarildo da Silva, Xanxerê/SC. Muitos motoristas sem caixa cozinha no caminhão ficaram mais de uma vez sem almoçar ou jantar por falta de restaurantes abertos nas estradas. Outros,  com um pouco mais de sorte, puderam contar com a solidariedade de colegas que podiam ajudar de alguma forma. A preocupação se estendia também à falta de locais para fazer pequenos reparos no caminhão caso fosse necessário.

Na ocasião, as dificuldades enfrentadas nas rodovias e o sentimento de insegurança em relação à pandemia levou muitos motoristas a pensar em parar de trabalhar caso não fossem tomadas medidas para garantir a segurança tanto nas rodovias quanto nas operações de carga e descarga nas empresas.

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Muitos motoristas sem caixa cozinha no caminhão ficaram sem comer por mais de uma vez, recordou Amarildo da Silva ao lembrar dos restaurantes fechados

Havia também dificuldades para encontrar luvas, máscaras e álcool em gel para higienizar as mãos, conforme lembrou o carreteiro Ricardo Roski. “Tenho sorte de ter caixa cozinha no caminhão. Antes de qualquer viagem eu nunca saio sem estar abastecido de alimentos e água para não passar fome na estrada”, declarou. Seu maior medo, afirmou, era mesmo contrair o vírus e por conta disso procurou manter seu caminhão sempre limpo e higienizado, embora não visse esse cuidado em todos os locais onde estacionava. “Também não tinha como saber se os banheiros eram higienizados da maneira correta”, acrescentou.

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Distribuição de marmitas, água e materiais de higiene aos motoristas, em várias rodovias do País, mostraram que ainda existe solidadariedade

A gravidade da situação levou comerciantes e empresas a se organizarem para distribuir marmitas, água e outros produtos de consumo gratuitamente para os motoristas em vários pontos do País. O apoio aos motoristas veio também das concessionárias de rodovias na forma de distribuição de alimentos e kits de higiene, alimentos e a liberação de passagem por balanças. Outras empresas de diferentes portes e ramos de atividade, revendas de caminhão autorizadas também entraram em ação para apoiar a categoria com distribuição de kits com alimentos e material de higiene em vários pontos do País.

 

 

 

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Caminhões continuaram nas estradas desde o início da pandemia

“O medo de contrair o coronavírus e transmiti-lo a familiares era uma grande preocupação de todos os estradeiros desde o início da pandemia”, afirmou o mineiro Eder Oliveira. Para ele, muitos motoristas só estavam na ativa porque se parassem de trabalhar não tinham como pagar as contas. Caso contrário ficariam em casa, pois não havia movimento nas estradas e nenhum tipo de apoio aos caminhoneiros. “Nem restaurantes, borracharias ou outros estabelecimentos atendendo, além da falta de segurança. Tinha até entrada de cidades fechadas”, lembrou.

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Ricardo Roski disse que procura manter sempre seu caminhão sempre limpo e higienizado, mas teve dificuldades para encontrar luvas, máscaras e álcool em gel

“No início, a realidade na estrada ficou bem diferente daquelas que estávamos acostumados. Cheguei a passar fome numa viagem entre Belo Horizonte e São Paulo, pois não encontrei lugar algum aberto nem para fazer um lanche”, lembrou o João Eldes Vieira dos Santos, de São Paulo. Ao comentar o ocorrido na transportadora, teve como resposta que infelizmente seria assim, mas logo passaria. “Como precaução comecei a levar alimentos no caminhão nas viagens, mas logo as coisas foram se ajeitando à nova realidade”, concluiu.

O motorista catarinense Dirceu Pedro, morador no município de Modelo, no Oeste Catarinense lembra da transformação nas rodovias de uma hora para a outra após a pandemia e o isolamento social terem sido decretados. “A preocupação com a doença levou à redução do movimento nas estradas e ao fechamento dos restaurantes. Não se encontrava local aberto nem para comprar água”, recordou, frisando que mesmo com diante do perigo não faltou motoristas, porque era preciso continuar transportando alimentos, matérias primas e todo tipo de mercadoria.

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Não faltou motoristas nas estradas. Era preciso continuar transportando alimentos, matérias primas e remédios, lembrou o Dirceu Pedro

O Pedro afirma não ter parado nem um dia por causa da pandemia e garante fazer tudo do jeito certo desde o início para não ter contato com o vírus. “Em minhas viagens sigo todos os cuidados de higiene e orientações para evitar o contágio, usando máscara constantemente e nunca deixo faltar álcool em gel no caminhão”, concluiu.

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O carreteiro Luiz Cesar lembra ter se sentido exposto à contaminação enquanto aguardava uma carga em local precário no Rio Grande do Norte

O tempo das operações de carga e descarga e a falta de estrutura nos locais de espera ajudavaram a piorar a vida dos carreteiros nas primeiras semanas do distanciamento social.  O paranaense Luiz Cesar dos Santos, de Apucarana/PR, acostumado a transportar produtos têxteis, recorda da demora para pegar um carregamento de sal em Mossoró/RN. Disse ter aceito a carga como opção de retorno diante do fechamento das empresas por causa da pandemia.

Havia banheiro e local para refeições, mas no caso das refeições era muito caras. Sua sorte, comentou, era poder preparar a própria comida na caixa cozinha. lembrou falou também da falta de espaço entre os caminhões estacionados e da precariedade do local, situações que provocavam preocupação e aumento do medo de ser contaminado.

 

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Em viagem entre São Paulo e o Maranhão, Gleyson Lamonier encontrou tudo fechado, mas conseguiu abastecer a caixa cozinha de seu caminhão

“Quando tudo isso começou fiquei muito assustado. Em viagem do Mato Grosso do Sul para o Porto de Paranaguá eu conseguia abastecer, mas tudo mais estava fechado. Somente em alguns locais era possível encomendar a refeição, mas pelo lado de fora do estabelecimento”, contou o carreteiro Sidnei Magagnin, de Cascavel/PR. Ele reforçou na ocasião não ter parado de trabalhar em nenhum momento. Lembrou da redução temporária do preço do diesel e de uma melhora no valor frete, como mudanças trazidas pela doença.

 

luiz Outro LuizNas primeiras semanas de pandemia o carreteiro Gleydson Lamonier Batista de Alencar, de Tabuleiro do Norte/CE, disse à reportagem da revista O Carreteiro ter pego uma carga em Campinas/SP para entregar em São Luiz/MA e enfrentou problemas no caminho. Segundo relatou, em parada na cidade de Alvorada (divisa de Goiás com Tocantins) não conseguiu comprar máscara e álcool em gel, mesmo após ter procurado em várias farmácias. Afirmou ter feito tentativas em mercados da região, mas a maioria se encontrava com as portas fechadas. Sua sorte, conforme lembrou, foi ter encontrado aberto um mercadinho de bairro onde aproveitou para comprar vários produtos para abastecer a caixa cozinha de seu caminhão.

Gleydson falou também do fechamento do comercio de beira de estrada, borracheiro, mecânica, elétrica, loja de peças, tudo, exceto um ou outro restaurante. “Mesmo assim não podia entrar. A regra era aguardar do lado de fora para retirar a marmita”, lembrou. O carreteiro destacou também a falta de fiscalização nas rodovias e de apoio aos motoristas de caminhão em certos locais, uma sensação de abandono da categoria.

maurilio 1O carreteiro Luiz Vilas Boas, de Barra Mansa/RJ, acrescentou que outro problema enfrentado na estrada diz respeito aos motoristas com idade acima de 60 anos. Segundo ele, por serem considerados do grupo de risco foram impedidos de carregar em algumas empresas; outras não permitiam a entrada de motoristas em suas dependências independentemente da idade.

Mas havia também aquelas que que cumpriam o protocolo de segurança, conforme contou Maurílio Medeiros de Alcântara, de Salvador/BA. Ele citou uma empresa da cidade de Timóteo/MG onde o tratamento ao motorista de caminhão era o melhor possível, com procedimento de verificar a temperatura e cadastro com informações de saúde antes de liberar a entrada. “Depois desse procedimento o motorista podia ter acesso ao pátio com sala de televisão, restaurante, banheiros limpos e álcool em gel. Além disso, um alto-falante orientava para as pesoas manterem distância segura uma das outras.

As seguidas orientações dos órgãos de saúde e de setores da sociedade sobre os perigos da doença, e maneiras de minimizar os riscos de contágio, ajudaram a situação dos motoristas de caminhão a ficar tensa, porém não menos perigosa. Algum tempo depois a maioria dos restaurantes reabriu e passou a atender dentro dos protocolos de segurança  com menos ocupação de lugares e maior espaço entre as mesas. Mesmo assim, até hoje muitos motoristas preferem comprar a refeição e comer dentro do caminhão, em segurança.