Por João Geraldo

Em certos procedimentos, a confiança é tida como certeza, firmeza e convicção. Uma qualidade que ajuda a pessoa a crescer na vida, na opinião de muitos. Porém, quando transformada, ou confundida com imprudência, pode se tornar uma ameaça, principalmente à condição de segurança na estrada, território onde ao invés de ser bem-vista é apontada como responsável por muitas ocorrências que contribuem para engrossar a lista de vítimas de acidentes rodoviários. A ela são atribuídas a alta velocidade e as ultrapassagens em locais impróprios, entre outros itens apontados por carreteiros mais experientes como resultado do excesso de confiança, que poderiam ser combatidas com mais fiscalização nas rodovias.

Os motoristas com maior tempo de estrada, mais experientes, portanto, têm opinião de que as rodovias também carregam quota de culpa, assim como a frota de caminhões brasileira, que sequer tem de fazer inspeção técnica. “Rodo com um caminhão fabricado em 1994, mas recebe inspeção técnica a cada seis meses”, garante Paulo Roberto Pereira Batista, um gaúcho de 33 anos de idade e 13 de estradas que faz o trecho São Paulo – Buenos Aires.

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Os amigos Márcio Pereira e Márcio Severo concordam que o excesso de confiança é um dos causadores de acidentes nas rodovias

Ele explica que o fato de rodar na Argentina, onde a inspeção anual é obrigatória, ajuda nos cuidados e segurança do veículo, apesar de admitir que os caminhões brasileiros são mais conservados do que os do país vizinho, embora as estrada lá sejam melhores do que as nossas. Para Paulo Roberto, os caminhões são confortáveis e seguros, mas o excesso de confiança e a imprudência de muitos motoristas são grandes problemas nas rodovias. “Eles não querem perder tempo nem para fazer a ultrapassagem.”

“É uma dura realidade para nós, mas os fatos têm mostrado que boa parte do problema está no motorista. O conhecimento da estrada contribui para o excesso de confiança e por conta disso já vi acidente em pista reta e em boas condições”, afirma o carreteiro Márcio Severo Fontoura, cuja opinião é de que uma fiscalização pesada e mais eficiente provavelmente ajudaria a reduzir as ocorrências nas estradas. Assim como seu colega Paulo Roberto, Fontoura também tem 48 horas para percorrer os cerca de 1700 quilômetros trecho entre São Paulo e Uruguaiana, um prazo que ele admite ser folgado para cumprir sem fazer loucuras pelo caminho. Além disso, o veículo é rastreado e controlado.

Pai de um menino de 10 meses de idade, Ricardo Cardozo da Silva, 30 anos e 11 na profissão, chega a ficar mais de 30 dias na estrada, longe de sua casa localizada na região de Porto Alegre. Ao volante de uma carreta-tanque com produto perigoso, ele carrega em Guaíba/RS e também em Cubatão/SP e segue para a região Norte do País. Conhece bem as estradas e acredita que já foi maior o número de acidentes, quando não existiam tantos radares nas pistas. Acredita que hoje existem mais policiais rodoviários para fiscalizar as rodovias, mas mesmo assim admite que falta prudência.

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Ricardo Cardozo é favor da fiscalização, pois acredita que os acidentes aconteciam em maior quantidade quando não existiam radares

Cardozo lembra que a falta de policiamento e de apoio é grande na estrada, e cita a BR 153 onde é difícil encontrar um posto da Polícia Rodoviária, tanto no trecho dentro do Maranhão quanto do Pará. “Sou a favor da fiscalização, mas quando se passa por um não tem policial”, reclama. Funcionário da Transportadora Roglio, ele diz que a cada semestre passa por reciclagem na empresa, a qual inclui até exames médicos para avaliar também sua saúde. Na estrada, ele pode parar 15 minutos a cada duas horas de viagem para “esticar o corpo” e dar uma renovada. Não roda a noite e só pára em posto de grande movimento.

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Para Claudinei Camargo, cursos de conscientização e viagens mais demoradas ajudariam a aumentar a segurança nas estradas

Claudinei Camargo Mendes, que também faz trecho de longa distância, na rota entre São Paulo e Belém, acrescenta que não existem recursos de emergência nas estradas e é comum casos em que a polícia ou socorro demoram até mais de duas horas para chegar ao local de um acidente. “E em 90% dos casos quando os policiais chegam o caminhão e a carga já foram saqueados. Lembro de um amigo que sofreu um acidente em Aurora do Pará/PA e mesmo ainda preso nas ferragens da cabine já havia pessoas quebrando o painel para retirar o aparelho de rádio/toca-fitas”, conta.

Com 20 anos de estrada e milhares de quilômetros rodados todos os meses, Mendes acha que a pressa é grande causadora de acidentes. Na sua opinião, pelo fato de o frete não ser bom os motoristas tem de compensar “no pé” para faturar mais. “Existe carreteiro que roda mil quilômetros em média por dia e na maioria das vezes nem são as empresas que cobram o menor tempo de viagem”, diz. Pensa que uma maneira de reduzir os acidentes seria viagens mais demoradas e todo carreteiro passar por um curso de conscientização na ocasião da renovação da CNH. “De pelo menos três dias”, sugere.

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Rodovias mal projetadas e buracos na pista também tem parcela de culpa nas ocorrências, diz o carreteiro Clóvis Henrique

Estradas e curvas mal projetadas também entram na lista de culpados dos carreteiros. Clóvis Henrique Camargo, um profissional da estrada que garante rodar mensalmente entre 18 e 24 mil quilômetros com uma carreta baú, reforça que às vezes o motorista não tem culpa na ocorrência e que existem muitas destas curvas por aí. “Ontem mesmo eu vinha de Goiânia e vi um caminhão tombado no final de uma descida por causa de uma erosão provocada pela chuva. Analisei na hora e percebi que ele não tinha o que fazer e se o buraco fosse menor no mínimo perderia um ou mais eixos”, relatou.

Camargo lembra que na Belém – Brasília tem alta incidência de acidente e quando acontece um de grandes proporções mandam tapar o buraco. Aliás, ele explica que as estradas onde os buracos foram tapados é muito ruim de trafegar porque causam muita trepidação que racham a cabine, trincam os vidros e soltam parafusos, além de outras incidências no veículo. Lembra de uma recente viagem para São Luiz/MA. Quando entrou em Porto Franco (sul do estado) demorou 10 horas para atravessar um trecho pequeno, de terra, próximo a uma aldeia indígena. “O Brasil está sem estradas e quando tem verba fazem como em Itumbiara/GO, onde a pista nem foi liberada e já tem buraco, porque o asfalto é muito fino”, reclama.

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Eli Vieira acrescenta que a pressa da carga horária e os rebites podem causar acidentes difíceis de serem entendidos

“Estradas ruins mais a pressa da carga horária e os rebites fazem acontecer acidentes que às vezes não dá pra entender porque aconteceram”, diz Eli Vieira Bastos, 44 anos e três filhos, um carreteiro que roda cerca de 12 mil quilômetros por mês em viagens entre São Paulo e Montevidéu, no Uruguai. Ele mesmo admite já ter cometido o erro de pegar uma carga em Guarulhos/SP uma hora da manhã para descarregar às nove horas em Curitiba/PR. Porém, na empresa em que trabalha atualmente ele viaja 96 horas para ir de São Paulo até a fronteira, em Santana do Livramento ou Ijui/RS.

Como outros carreteiros que fazem viagens internacionais, ele lembra que os trechos de estradas por onde passa no Uruguai são bons e quando acontece algum acidente a causa mais provável é o sono. “Rodo cerca de 500 km entre a capital uruguaia até a fronteira com o Brasil em Santana do Livramento. Se eu for por Ijui são 340km, mas nos dois casos são pistas de boa qualidade e com poucos pedágios. São três postos, dois de 168 pesos e um de 135 pesos na moeda local, que representa R$ 16,80 e 13,50 reais, respectivamente.

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Os motoristas de carro de passeio que não respeitam caminhão, mais a imprudência ajudam a engrossar a lista de ocorrências

Outro carreteiro experiente que roda quase 20 quilômetros por mês é o paraense Miguel Quaresma da Silva, de 43 anos de idade e 23 de volante. Ele faz três viagens por mês de ida e volta entre São Paulo e Belém e aposta que não existe outra resposta para tanto acidente a não ser a imprudência. Ele acrescenta que existem também muitos motoristas de carro de passeio que não respeitam caminhão, desconhecem a sinalização fixa da estrada e os sinais dos carreteiros orientando se há ou não condições seguras de ultrapassagem.

“Tem muito motorista de caminhão que não obedece as regras mesmo fazendo cursos, mas ainda acredito que a reciclagem ajuda a conscientizar”. Miguel diz ter quatro dias para fazer o trecho São Paulo Belém e considera que dá para cumprir a viagem com tranqüilidade, sem pressa ou rebites e lembra que uma de suas preocupações são aqueles motoristas que trafegam na chuva da mesma maneira que andam na pista embaixo do sol. “A turma não obedece a velocidade”, alerta.

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Lauro Vieira diz que viu muitos acidentes no início deste ano, inclusive de caminhões que bateram de frente em trecho de pista reta

Motorista da empresa de transportes PGD, o gaúcho Lauro Vieira tem residência em Lageado/ RS e faz a rota Rio Grande do Sul, São Paulo e Fortaleza. Ele lembra que viu muitos acidentes no mês de janeiro deste ano, mas um deles – no Estado do Sergipe – que envolveu dois veículos de carga foi classificado de “feio”, devido sua gravidade. “A batida foi de frente entre um bitrem e outro caminhão, e penso que aconteceu por imprudência. Pela lógica um deles fez a ultrapassagem na hora errada e causou a tragédia”, comentou. Lembra de outra ocorrência em Salvador/BA na qual um caminhão sem controle saiu da pista e caiu num buraco. Só que, segundo ele, o trecho era de estrada reta e pista boa.

“Acho que as estradas não são as maiores culpadas, porque a gente vê por aí muitos acidentes em lugares bons para o tráfego”, opina. Ele acrescenta que as estradas do Nordeste estão muito ruins, pois além dos buracos existem muitos roubos. “Há duas semanas, eu parei para dormir num posto da Rio – Bahia e de madrugada acordei com a porta do caminhão aberta e três sujeitos armados com pistola me pedindo dinheiro e telefone celular. Disseram que era para eu ficar quieto porque estavam trabalhando. Acho até que as estradas são mais perigosas do que os bandidos”, ironizou.