Por Evilazio de Oliveira
Durante muitos anos, as autoridades de trânsito do Brasil tiveram dificuldades para cobrar multas aplicadas a veículos estrangeiros, devido a absoluta falta de mecanismos adequados para esse fim. A maioria das multas era aplicada a veículos argentinos, no período de férias, que trafegavam com excesso de velocidade. Agora, no entanto, ao retornar para o país de origem será necessário o pagamento da multa na fronteira para a liberação do veículo, fato que muitas vezes cria problemas por depender de horário bancário para a quitação da dívida.
Mas, se as eventuais penalizações por excesso de velocidade ou outras infrações de trânsito já podem ser cobradas através de um sistema interligado das autoridades com os postos de fronteira, a fiscalização para os caminhões de cargas estrangeiros continua deficiente. No caso de cargas com o peso acima do permitido, os motoristas precisarão apenas fazer o transbordo do excedente, sem o recebimento de multas, igualmente pela dificuldade de cobrança. A não ser que o valor fosse recolhido na hora, o que não é permitido pela legislação brasileira. Enquanto isso, caminhões brasileiros que trafegam nos países do Mercosul estão sujeitos ao pagamento de qualquer tipo de infração, inclusive sendo vítimas de extorsão policial.
De acordo com o secretário-executivo da ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais), Guilherme Boger, 31 anos e quatro no setor, a falta de fiscalização adequada no peso das cargas dos veículos estrangeiros prejudica a rodovia e em competividade torna-se uma concorrência desleal com os transportadores brasileiros.
Além do eventual excesso de peso, esses caminhões costumam trafegar com um terceiro tanque de combustível, beneficiados por subsídios existentes na Argentina, e pela diferença cambial. Com a utilização dos três tanques, esses caminhões atravessam a fronteira, vão e voltam sem a necessidade de abastecer. Segundo Boger, a ABTI tem reivindicado a instalação de um posto avançado da ANTT em Uruguaiana, em razão da posição estratégica em termos de Mercosul e da grande importância no transporte rodoviário internacional. Salienta que a desculpa da ANTT sempre é a mesma, a de falta de pessoal. Porém, seria de grande importância um posto avançado, com fiscalização eficiente dos veículos e das cargas que entram e saem do Brasil. Em caso de haver algum problema, seria muito mais fácil corrigir, antes de prosseguir a viagem.
Em novembro do ano passado, o presidente da ABTI, José Carlos Becker, e o secretário-executivo, Guilherme Boger, tiveram audiência em Brasília, com o coordenador geral de Operações Rodoviárias do DNIT, Luiz Cláudio Varejão, reivindicando a imediata fiscalização a veículos estrangeiros nas balanças instaladas nas rodovias brasileiras. Varejão afirmou que a ANTT já encaminhou ao DNIT todos os cadastros dos representantes das empresas estrangeiras que atuam no País, necessários para o encaminhamento e cobrança de multas, além de outros procedimentos legais. Disse que o assunto é uma das prioridades do órgão.
O responsável pelo setor de balanças do DNIT, em Uruguaiana/RS, o engenheiro Nairo Nunes Pessano, não fala sobre o assunto, sob a alegação de que apenas a chefia ou as empresas terceirizadas encarregadas das pesagens dos caminhões naquele ponto da fronteira podem dar informações. Ele, também, não está autorizado a falar sobre as dificuldades nas cobranças de multas para veículos estrangeiros que trafeguem com excesso de peso nas rodovias brasileiras, em razão de uma alegada falta de comunicação entre os órgãos de trânsito do País.
Marielly Carvalho tem 32 anos e trabalha há nove meses como chefe do posto de pesagem do quilômetro 710, da BR-290, em Uruguaiana/RS – fronteira do Brasil com a Argentina -, local de intenso movimento de caminhões de cargas em ambos os sentidos. São dois postos de pesagem, um de cada lado da rodovia, praticamente um de frente para o outro.
Os postos são terceirizados pelo DNIT e este, o qual Maryelly trabalha, é administrado pelo Consórcio Operação PPV, de Curitiba/PR, vencedor da concorrência para o lote. O posto em frente é administrado por outra empresa e quatro equipes de quatro pessoas se revezam na tarefa de pesagem e verificação de todos os caminhões de carga que passam pela rodovia em direção à Argentina ou Chile. Veículos com cargas líquidas ou estrangeiros passam pela balança, mas não são notificados em caso de excesso de peso. Os caminhões com carga líquida precisam passar mais vezes pela balança, até que haja a correta distribuição do peso sobre os eixos. No caso de veículos estrangeiros com excesso de carga, é necessário apenas fazer o transbordo para outro veículo.
Marielly Carvalho não sabe explicar o motivo, mas reconhece que o assunto é a nível de governo e de Mercosul. Ela esclarece que o fluxo mensal de caminhões que passam pela balança é de 10 mil, com cerca de 400 notificações de multas e de 10 veículos estrangeiros com problemas de excesso de carga. As notificações para os veículos nacionais são feitas “via sistema” para o DNIT que, por sua vez, encaminhará pelo Correio ao responsável pelo caminhão.
O trabalho da PRF (Polícia Rodoviária Federal), em relação ao excesso de peso dos caminhões estrangeiros, fica restrito à conferência dos documentos das cargas, conforme explica o inspetor Nilson Cunha Gomes, 37 anos, sete no cargo e dois anos de atuação nas rodovias da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Segundo ele, a não ser que a carga apresente algum sinal de irregularidade ou falha na documentação, os policiais limitam-se, apenas, ao trabalho de fiscalização de rotina e casos de carreteiros que se exaltam na balança, após a determinação de transbordo de carga. “Mas, são raros”, destaca. O inspetor lembra que veículos multados em território nacional só podem sair do País depois do pagamento das multas. Essa lei, no entanto, não se aplica para penalizações em balanças.
O carreteiro argentino Jimenez Miguel, 48 anos e 33 de profissão, é natural de Monte Grande, Província de Buenos Aires. Ele transporta produtos químicos entre Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai sem qualquer tipo de problema relacionado ao peso da carga. Isso, porque a empresa é muito criteriosa e sempre deixa uma boa margem de segurança em relação ao peso da carga. Todavia, como se trata de líquido, algumas vezes, o caminhão precisa passar mais de uma vez na balança até que o produto se estabilize e a leitura seja igual em todos os eixos. Segundo Jimenez, ele nunca recebeu multa por excesso de peso ou velocidade nos países por onde trafega. Sempre está dentro aos limites para evitar eventuais transtornos. Acredita que a legislação brasileira é muito severa, embora os policiais são educados e prestativos, ao contrário dos argentinos, onde há muita corrupção, afirma. Para o chileno de Peñaflor, região metropolitana de Santiago, Manuel Lobos, 53 anos e 32 de estrada, “andando bem, nada incomoda”. Ele transporta entre 23 e 24 toneladas de frutas do Chile para mercados de São Paulo e Bahia, além de Paraguai e Bolívia.
A capacidade máxima de carga é de 25 toneladas, mas sempre há uma boa margem de segurança por causa do combustível e para não correr o risco de ser multado, principalmente, nas estradas chilenas, onde a penalidade recai sobre o dono da carga, o transportador e o próprio motorista. “Ninguém quer correr riscos”, diz. Ao cruzar as estradas argentinas, tudo pode acontecer, segundo ele. Não importa que a carga, caminhão e documentos estejam em ordem, sempre será preciso dar algum dinheiro aos policiais rodoviários, que de uma maneira ou outra encontram alguma coisa para implicar. Manuel Lobos nunca teve problemas relacionados ao excesso de peso de carga e também não sabia que eventuais multas nesse sentido não são cobradas. Lembra que, recentemente, ao ultrapassar a fronteira entre São Borja/BR e Santo Tomé/ARG, precisou pagar uma multa por excesso de velocidade, cometida pelo motorista que dirigia o veículo antes dele. Caso não pagasse, não poderia passar pela fronteira.
Por isso, acredita que caminhões, cargas e motoristas estejam com as documentações corretas e dentro da lei de cada país, evitando transtornos e a tranquilidade com viagens mais seguras.
Outro chileno, José Novoa, 40 anos de idade e 20 de boleia, dirige um transporta papel entre Chile, Uruguai e Brasil, sempre com uma boa margem de segurança em relação ao peso, conforme afirma. O caminhão tem capacidade de carga para 28,5 toneladas, porém a empresa só permite 28 toneladas, sobrando margem para o combustível dos dois tanques, que comportam 800 litros. Nunca foi multado por qualquer tipo de infração, muito menos por excesso de peso. Destaca que a legislação chilena é muito rigorosa nesse sentido, porém no Brasil a capacidade por eixo é menor e, havendo excesso é preciso fazer o transbordo. Mas, garante que não se preocupa porque está sempre dentro da lei.
Na opinião de Maicon Rafael de Moraes, 25 anos e cinco de volante, o importante é trafegar sempre dentro dos limites de velocidade e de peso determinados pela lei de cada país. Natural de Erexim/RS, ele transporta peças de automóveis do Brasil para a Argentina e está há apenas oito meses nessa rota. Apesar da carga ser relativamente leve, conta que já foi autuado na Argentina por excesso de 470 quilos no eixo da tração. Assinou a autuação e foi liberado sem maiores problemas. Não sabe como foi ou será feita a cobrança da multa. Maicon já viu muitos colegas brasileiros com problemas de excesso de peso em balanças nas rodovias argentinas, “mas nada que uma gorjeta não resolva”, afirma, referindo-se à fama do alto índice de corrupção policial no país vizinho. Salienta que prefere carregar apenas o permitido, sem forçar o caminhão e com isso economizar combustível, além de ter mais segurança e evitar incômodos nas balanças.
Leandro Marques tem 25 anos e quatro de profissão. É natural de Americana/SP, e costuma viajar de Jundiaí/SP para a Argentina transportando cargas muito pesadas na prancha de um Volvo 2008. Quando foi entrevistado pela Revista O Carreteiro, viajava para Monte Quemado, província de Santiago Del Estero/ARG, transportando um transformador de 60 toneladas. Eram 10 carretas viajando juntas e transportando o mesmo tipo de equipamento, em velocidade média de 40 km/h, o que, em muitas ocasiões, é estressante para o motorista.
Apesar do peso, Leandro Marques disse que ele e seus colegas não têm problemas de balança. Eles têm uma licença especial do DNIT para esse tipo de transporte, que precisa ser precedida de batedores, muitas vezes da própria Polícia Rodoviária Federal, fato que, eventualmente, pode resultar em longas esperas para a disponibilidade de carros e políciais para a tarefa. A mesma coisa acontece na Argentina, mas sem grandes problemas.
Antes da viagem, uma equipe percussora faz análise da rota e de eventuais dificuldades com pontes, fiação elétrica ou árvores. Quando os caminhões passam, tudo está resolvido. Além das dimensões maiores da prancha e do peso, os inconvenientes dessa atividade ficam por conta da baixa velocidade com que trafegam, horários especiais e das esperas nas aduanas que podem durar de alguns dias até meses, como aconteceu no ano passado em Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. “Mas, de uma maneira geral, é tranquilo”, afirma Leandro.
O carreteiro Jorge Alberto Kipper, 32 anos e 10 de estrada – natural de Saldanha Marinho/RS – viaja entre Brasil, Argentina e Chile transportando o que aparecer. O caminhão tem capacidade para 27 toneladas, mas ele deixa uma margem de segurança e carrega o permitido na balança. Prefere não arriscar ser multado ou fazer transbordo de carga excedente. “É melhor a gente trabalhar”. Com isso, nunca teve qualquer tipo de multa nas estradas até hoje, garante, enfático.