Neste comparativo entre dois caminhões semelhantes (mas não exatamente iguais) em condições rigorosamente idênticas, demonstramos na prática como ajustes tecnológicos assertivos e criativos podem fazer grande diferença, especialmente na redução de consumo de combustível
Por Mauro Cassane
Consumo de combustível é um item crucial e de grande importância na planilha de custos de quem transporta com caminhão, pois como todo mundo sabe bebendo menos o veículo entrega maior rentabilidade. O desafio continuo na área de engenharia das montadoras é o repetitivo mantra: baixem o consumo! Seria bem fácil e simples atender tal desafio se não houvessem outras demandas como aumentar a potência e o torque, porque aí a coisa fica mais complicada.
Além disso, em um País com dimensões superlativas como o nosso, onde caminhões pesados percorrem, em média, três mil quilômetros para fazer um único frete, a lógica estradeira ensinou que para compensar distâncias tão continentais uma carreta só não basta. É preciso duas, em algumas situações até três. E para distâncias, o bitrem é a prática mais comum.
A engenharia da Volvo do Brasil encarou este desafio de reduzir consumo sem mexer em potência e torque. Foram dois anos de trabalho na mecânica dos caminhões da família F (FH, FM e FMX) que resultaram em mudanças nas camisas de cilindro, anéis, turbocompressor e novas unidades eletrônicas com hardware mais potente (ou seja, colocaram um computador mais parrudo no motor). A fórmula eles guardam em segredo para os engenheiros da concorrência correrem atrás, mas sabemos que eles mexeram em módulos, acelerômetros e inversores de frequência.
O interessante, e isso é ponto a favor da engenharia brasileira é que tudo foi feito na fábrica da Volvo, em Curitiba, sem qualquer solução vinda da matriz, na Suécia. As mudanças feitas no motor proporcionaram um resultado surpreendente: redução em cerca de 10% do consumo de combustível dos caminhões da família F. Para chegar a este índice rodaram mais de um milhão de quilômetros por todo o País durante mais de um ano. A Volvo botou caminhões com esses ajustes para rodar na frota de seus clientes parceiros que tinham caminhões FH praticamente novos e pediu para eles compararem o consumo.
A novidade foi lançada em março de 2019 com a linha 2020, com um nome bastante sugestivo à nova tecnologia: “Aceleração Inteligente”. O motor não ganhou potência, porém ficou mais esperto e passou a aproveitar integralmente a inércia. E também não ficou mais molenga impedindo o motorista de acelerar. Nada disso, pois com a ajuda do computador de bordo consegue injetar a dose certa de combustível para atingir cada velocidade desejada.
A revista O Carreteiro resolveu fazer este teste na estrada. A Volvo topou o desafio de colocarmos dois caminhões FH 540 6×4 para percorrer trajeto de ida e volta entre a fábrica da Volvo, no Distrito Industrial de Curitiba e Ponta Grossa, totalizando 212 quilômetros pela rodovia BR-376. Um FH branco com o logo “Aceleração Inteligente Volvo” inscrito nas portas é o modelo 2020 e outro modelo 2019 na cor verde.
Vale lembrar que não há diferença alguma no design de ambos. A potência de 540cv dos dois também é exatamente igual. E para que o teste passasse a maior credibilidade possível, a engenharia da Volvo cuidou para que os implementos fossem também idênticos: bitrem Randon com lastro de 50 toneladas. O PBTC de cada conjunto, aferido em balança: 74.000 toneladas. A diferença entre os dois era uma só: o branco tem Aceleração Inteligente, o verde não.
Durante o trajeto, andamos nos dois caminhões e não se sente qualquer diferença na performance dos veículos. A cabina FH é conhecida por oferecer elevado padrão de dirigibilidade com boa ergonomia, visibilidade eficiente, bancos confortáveis e, o que é melhor, com os vidros fechados, todo habitáculo do motorista privilegia o silêncio. Ajuda também um motor muito bem ajustado com a caixa automatizada I-Shift de 12 velocidades. As trocas, nos dois modelos, são tão suaves que é difícil senti-las. Menos ainda ouvi-las.
Aliás, a caixa I-Shift também não sofreu qualquer alteração com intuito de redução de consumo. Essa transmissão eletrônica (que está na sexta geração, foi lançada em 2003), já conta com algoritmos mais rebuscados que a tornam mais inteligente e, naturalmente, mais econômica também.
Em subidas, caixa e motor trabalham harmoniosamente para aproveitar cada cavalo de potência. O FH não fraqueja e faz as trocas de maneira suave, sempre mantendo o giro na faixa verde, entre 1.100 e 1.300 rpm.
Nas ultrapassagens, forçando a retomada de velocidade, o modelo 2020, com aceleração inteligente, ofereceu respostas mais ágeis. Em rampas mais simples, entre 10º e 15º de aclive, trafegando a 70 km/hora fizemos aproximação segura do caminhão mais lento à frente, baixando a velocidade a 50 km/hora e, em seguida, executamos a ultrapassagem pressionando o acelerador, subindo o giro a 1.700 rpm. A caixa I-Shift entende instantaneamente a manobra, reduz de décima primeira para nona marcha escalonando em segundos e a ultrapassagem é feita sem estresse ou sobressaltos. Nada de trancos, nada de rotação alta, muito menos aquela sensação de motor se esgoelando.
Aceleração Inteligente atua em tempo integral e de maneira imperceptível. Mas quando é solicitada, em casos assim, como uma ultrapassagem, é mais fácil entender o processo. Um acelerômetro entra em ação e envia eletronicamente comandos para o módulo e o aparato tecnológico entende qual a dose certa de combustível que deve ser queimada para o caminhão fazer este tipo de manobra. O comando é 100% do motorista, mas quem decide quanto de combustível será enviado para executar cada tarefa é o sistema.
CONDIÇÕES IGUAIS – Na avaliação que fizemos, com os dois FH 540, os veículos andaram juntos o tempo todo mantendo, também, velocidade média de 60 km/h em rotação de 1.200 rpm. No trajeto de nosso teste, o FH branco, com aceleração inteligente, foi na frente seguido logo atrás pelo verde. A ideia, para termos uma aferição mais precisa de resultados de consumo foi cuidar para que ambos fizessem exatamente as mesmas manobras e andassem na mesma velocidade. Quando o branco fazia uma ultrapassagem, o verde fazia a mesma coisa logo em seguida. E assim sucessivamente com freadas, retomadas e manobras.
Aproveitamos para conferir o desempenho do freio motor “Volvo Engine Brake” (VEB) que oferece 510 cv de potência de frenagem, tem quatro estágios e pode trabalhar em conjunto com o piloto automático. Nos trechos mais prolongados em declive, baixamos a alavanca para o terceiro estágio e o conjunto todo é contido, reduzindo a média de 70 km/h, em 15 segundos, para 40 km/h. No quarto estágio, baixamos mais 50% colocando todo conjunto a 20 km/h. O VEB se mostra um freio motor muito eficiente e permite descidas longas, mesmo com carga total, sem tocar o pé no pedal de freio.
O trem-de-força do FH, aliado com VEB e piloto automático, mesmo sem a Aceleração Inteligente é um conjunto que entrega alta performance com baixo consumo. Em longos trechos de reta, depois de 40 km/hora, aferimos médias instantâneas de consumo acima de 2,20 km/litro nos dois caminhões.
Cobrimos todo o percurso de ida, de 106,3 quilômetros, em 1h50. Retornamos ao ponto de partida e emparelhamos os dois veículos para checarmos o consumo de cada um. No computador de bordo do Volvo FH verde, modelo 2019, estava registrado velocidade média de 60 km/h, trajeto total 106,3 km e média de 1,41 km/l. Checamos o FH 540 branco, com Aceleração Inteligente e anotamos: velocidade média de 61 km/h, trajeto total de 106,3 km e média de 1,56 km/l. Resultado cravado: redução de 10,64% de economia de combustível no comparativo entre a nova geração do Volvo FH com a geração imediatamente anterior.
Mas a nova tecnologia não é um sistema simples que pode ser adaptado ao modelo anterior, porque foi necessário mexer em muitos itens do motor para se chegar a este resultado. Para orgulho da engenharia nacional, o sistema funciona tão bem que a Volvo do Brasil já exportou essa solução para as demais fábricas da marca, inclusive para matriz. Lembrando que Aceleração Inteligente não é opcional. Já o preço do novo FH 540 6×4 subiu um pouco e o valor referência é de 570 mil reais (ainda assim dentro da média justa para caminhões pesados Premium que é de pouco mais de um mil reais por cavalo de potência).