Rodovias com pouca ou nenhuma infraestrutura e sem locais seguros para cumprir a lei de descanso, mais a falta de fiscalização e o constante medo de ser assaltado tornam cada vez mais tensa e insegura a rotina do motorista de caminhão

Por: Daniela Giopato

Levantamento realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra que em 2018 foram computados 69.206 acidentes nas rodovias federais. Desse total 53.963 resultaram em vítimas (mortos ou feridos) e entre as vítimas 5.269 morreram. Outro dado, vindo da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC), apontou que, também em 2018, houve registro de mais de 22 mil roubos de cargas em todo o País. Segundo o levantamento, cerca de 78% dos roubos de cargas registrados ocorreram em áreas urbanas. Já as ocorrências em rodovias representam 22% do total.

Somado a esses números, ainda existe a falta de ponto de apoio para o motorista cumprir a Lei 13.103/2015, conhecida como a Lei do Motorista, ou Lei do Descanso, instituída para regulamentar a rotina e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção dos motoristas profissionais de transporte de cargas.

A lei diz que dentro do período de 24 horas são asseguradas ao menos 11 para descanso do motorista, sendo o primeiro período de 8 horas ininterruptas e as três horas restantes podendo ser fracionadas no restante do dia. Ainda segundo a legislação, o condutor também deve descansar 30 minutos a cada seis horas na condução do veículo, sendo facultado o fracionamento do tempo de direção desde que não sejam ultrapassadas cinco horas e meia.

falta de infraestutura

O motorista não tem opções de locais seguros para descansar e há situações de nem poder usar o banheiro onde faz
a entrega, comentou Antonio Agostinho

Todos esse cenário, intimamente ligado ao motorista, contribui para que o clima de insegurança na estrada só aumente e torne a rotina dos carreteiros cada vez mais difícil, sobretudo no que diz respeito a furtos e roubos. O motorista Antônio Agostinho de Souza, 40 anos de idade, de Santo Anastácio/SP, por exemplo, disse que há cerca de três meses foi assaltado no Rodoanel da cidade de São Paulo.

Segundo contou à reportagem de O Carreteiro, o assalto já estava ocorrendo quando ele estacionou ao lado de outros dois caminhões, para arrumar a carga, e acabou sendo envolvido. Os ladrões armados o obrigaram a entregar R$ 260,00 em dinheiro e dois aparelhos de telefone celular. “A segurança na estrada é mínima”, lamentou. Na sua opinião, falta fiscalização nas rodovias para coibir esse tipo de situação, lembrando que o carreteiro não tem muitas opções de locais seguros para parar e descansar.

 

“Hoje, ser motorista de caminhão é difícil. A nossa imagem está desgastada e não somos vistos com bons olhos pela sociedade. Não temos apoio e muitas vezes quando vamos descarregar nem ao menos acesso ao banheiro podemos ter. Às vezes sinto que estamos fora da sociedade, excluídos mesmo”, desabafou.

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A falta de pontos de parada para descanso é um dos fatores que contribuem para a insegurança nas estradas e a ocorrência de assaltos, opinou Altevir Vicentin

Para Autevir Vicentin, 41 anos de idade e 20 de profissão, de São Carlos/SP, a falta de pontos de parada para descanso é um dos fatores que mais contribuiem para o aumento da insegurança na estrada e também para a ocorrência de assaltos. “Não temos locais para descansar tranquilamente e motorista com sono, mais as cobranças de horários podem provocar acidentes”, reclamou Vicentin destacando ser cada vez mais comum a ocorrência de colisões traseiras. Pagamos pedágio tão alto que deveríamos ter direito a uma melhor infraestrutura, como estradas sinalizadas e áreas de descanso”, acrescentou.

Com 49 anos de idade e 21 de profissão, o carreteiro Cesar Bora, de Canoinhas/SC, acredita que a segurança não está presente em quase nenhuma rodovia do País. Ele roda por estradas do Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste e reforça que o período noturno geralmente é o mais perigoso por contar com menos fiscalização efetiva. “Para driblar essas situações procuro evitar os horários mais críticos”, disse.

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O carreteiro Cesar Bora tem opinião de que a segurança não está presente em nenhuma rodovia do País e diz que procura evitar os horários mais críticos

Atualmente empregado, Cesar Bora afirma que conhece bem a situação dos autônomos e sabe que a falta de segurança é maior ainda mais quem é dono do próprio caminhão. “Para ficar em postos o motorista tem de abastecer e nem sempre encontra vaga. É bastante complicado. Eu, por exemplo, tentei me manter como autônomo, mas a situação me fez desistir. Tentei por três anos comprar um caminhão zero e não consegui. Em 2013 ganhava um frete de R$ 1000,00 e me sobrava R$ 450,00, em 2014 o mesmo frete me sobrava R$ 350,00 e em 2016 sobrava somente R$ 80,00”, relacionou.

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Everton Barbosa afirmou que nunca foi assaltado, mas tem amigos que já foram vítimas de bandidos. Disse que, por segurança, define os locais onde vai parar

O carreteiro Everton Barbosa, 44 anos de idade e 12 de profissão, de Corumbá/MS, afirmou que nunca foi assaltado, mas tem opinião de que o grande número de ocorrências se deve ao fato de não existirem muitos locais seguros, o quefacilita a ação de bandidos. “Sei de colegas que foram vítimas de assalto e procuro me proteger. Antes de pegar estrada, defino os pontos de parada e me programo para chegar nesses locais em horários menos perigosos”, explicou.

Everton viaja por todo o País e comenta que apenas as estradas pedagiadas têm infraestrutura. “Estradas mal conservadas e sinalizadas também interferem na segurança pois podem provocar problemas inesperados no caminhão facilitando a ação de bandidos”, acrescentou.

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Laerte Lopes lembrou que os ladrões subiram no caminhão quando reduziu a velocidade em um quebra-molas. Disse que deixaram ele amarrado e levaram o veículo

O autônomo paranaense de Nova Cantu, Laerte Lopes, 60 anos de idade e 20 de profissão, afirmou que já foi assalto várias vezes. Lembrou do mais recente acontecido no Estado de Goiás. Disse que os bandidos subiram no veículo e desengataram as mangueiras que ligam o cavalo-mecânico ao semirreboque quando reduziu a velocidade ao passar por uma lombada (quebra-molas). “A carreta travou automaticamente e os três, armados, me assaltaram”, lembrou.

 Me deixaram amarrado no mato e levaram meu caminhão. Retiraram os pneus, motor de partida e bateria”, afirmou Lopes. Ele disse que para se recuperar teve de fazer um refinanciamento de 50 mil e começar do zero, valor que na financeira subiu para R$ 122 mil, lembra.  Em questão de segurança o Brasil deixa a desejar. Somos vítimas”, lamentou.

Para Laerte talvez se o governo arcasse com esses prejuízos as coisas seriam melhores. “Ser caminhoneiro é complicado e mais ainda para o autônomo. Se eu pudesse voltaria a ser empregado, porque as despesas são altas demais. Como autônomo, além da vida também nos preocupamos com o lado material”, finalizou.

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Fora do Brasil, as estradas são inseguras também, disse Nelson Oliveira que roda pelo Mercosul. Ele contou que atualmente a situação está mais complicada no Chile

Nelson de Oliveira, 36 anos de idade e 17 de profissão, de Guarujá do Sul/SC,  disse que  falta de segurança é sempre uma questão complicada e que não é um problema somente do Brasil. “Além do Brasil, na Argentina e no Chile, por exemplo, a situação é também bastante complicada. Não tem pontos de parada, é complicado encontrar um local e ainda temos de cumprir os horários”, relatou.

De acordo com Oliveira, que roda por estradas do Brasil e do Mercosul, no Chile existe atualmente uma questão a mais: a situação econômica, que provocou uma onda de insegurança no  país e que um dos reflexos para os motoristas é permanecer muitos dias esperando carga para retornar ao Brasil. “Já existe até um racionamento de comida acontecendo”, contou. Porém, reforça que a principal dificuldade ainda é encontrar um lugar seguro para estacionar. “Temos que mudar todo o roteiro de programação de horário para conseguir ficar com segurança. Por isso antes de viajar verifico os locais de parada, além de receber treinamento de segurança na empresa que trabalho”, concluiu.