Texto e fotos: Erik Valeriano
Aos poucos, as mulheres vão conquistando espaço no volante dos caminhões. Muitas transportadoras no Estado do Mato Grosso têm incentivado o ingresso de carreteiras na atividade. Isso tem acontecido tanto por uma suposta falta de mão obra masculina quanto pela dedicação delas à profissão. “As mulheres são caprichosas, cuidam bem mais do caminhão, são mais comunicativas”, justifica o gerente de transporte da Bom Jesus Transportes.
Uma profissional que está na lista é Sueli Ribeiro, 40 anos de idade, que conheceu a profissão há pouco mais de 10 anos e se apaixonou. Na cabine de seu caminhão não falta o toque feminino, com dezenas de pelúcias penduradas no para-brisas, fotos da família no teto e uma bíblia ao lado do volante. “A primeira vez que entrei num caminhão foi há 14 anos, quando peguei uma carona, naquele mesmo momento tive vontade de aprender a dirigir um veículo pesado”, lembrou a carreteira. E para completar a história de seu ingresso na profissão, ela recordou que o rapaz que estava no volante se dispôs a ensiná-la. Para resumir, o encontro virou namoro e hoje são casados compartilhando a mesma atividade.
Sueli mora com a família em Rondonópolis, região Sul de Mato Grosso, a 220 quilômetros de Cuiabá, mas viaja constantemente por todo o Brasil. Atualmente dirige um bitrem graneleiro de uma transportadora. Com unhas bem feitas, joias e tamanco, ela conduz o gigante de 25,5 metros comprimento com grande habilidade e garante que nunca se envolveu em acidentes. O veículo é um dos mais limpos e conservado da empresa.
Conhecida pelo apelido de Guerreira, não por acaso, Sueli garante que se precisar ela faz a manutenção sem qualquer receio. A única experiência que ainda não viveu, conforme diz, é a de trocar um pneu, o qual pesa mais de 50 kg. “Para quem dirige um veículo desse porte todo dia, tira e cobre lona, trocar um pneu não é nada. Um dia vai acontecer, mas eu não vou pedir ajuda dos homens, porque aprendi a me virar muito bem”, afirma.
A única dificuldade que diz ainda não ter superado é a saudade de casa. Lembra que quando começou na profissão ficou três meses longe, mas atualmente procura não passar mais do que 15 dias fora de casa. “A questão familiar pesa muito, mas com fé em Deus é possível seguir adiante”. E mesmo com o coração apertado em alguns momentos, ela garante que não pensa em trocar a estrada por qualquer outra profissão. “Não me vejo fazendo outra coisa, se não guiando um caminhão. Podem me oferecer uma sala executiva, com ar condicionado, que não aceito”, taxa Guerreira, acrescentando que no volante da carreta ela ganha mais do que muitas mulheres em escritórios, além de conhecer vários lugares diferentes. “Sou livre. É uma profissão linda”, conclui.
Dirigir caminhão é uma paixão que ganha cada vez mais espaço entre as mulheres, conforme comprova Tatiane Rios dos Santos, 32 anos de idade. Há seis anos, a fisioterapeuta decidiu sair da cidade São Paulo para começar uma nova vida e profissão em Rondonópolis. Diz que em pouco tempo já sabia dirigir veículos pesados e hoje é uma das cinco motoristas contratadas pela transportadora, que tem mais 180 carreteiros.
Tatiane é capacitada para conduzir uma carreta tanque de 26 metros de comprimento e capacidade para transportar 60 mil litros. “Quando comecei não tinha experiência alguma, a empresa me contratou, mas eu fiquei um bom tempo parada só ganhando conhecimento. Aprendi aos poucos, fiz curso na Volvo e assim fui conseguindo subir degrau por degrau até chegar nesse posto”, explica.
Os principais pré-requisitos para transportar combustível são atenção, cuidado e responsabilidade, por isso a carreteira garante que só faz ultrapassagem quando tem certeza de que poderá fazer a operação com muita segurança. Tatiane cita também outros cuidados como estacionar longe de caminhões com fogareiros , além de tomar cuidados com os locais onde para porque a carga que transporta, conforme diz, é muito visada por ladrões, principalmente na região de Paulínia/SP, onde ela, por segurança, costuma parar em estacionamentos. “Também sempre encosto mais cedo e graças a Deus nunca tive qualquer problema na estrada”.
Tati, como é chamada entre os amigos, tem um dos melhores salários entre os colegas do trabalho e hoje – com experiência e dezenas de qualificações – é referência para os motoristas mais novos da empresa. “Sempre que alguém novo é contratado fico responsável em monitorar, mostrar todo o funcionamento, manobras e segredos. Enfim, tudo que possa prevenir riscos e facilitar a vida na estrada”, finaliza.
Muitas transportadoras do Estado incentivaram mulheres a seguirem para volante por, falta de mão-de-obra masculina, mas com passar dos anos, os números demonstraram uma grata surpresa. De acordo com Toni Erick Silva, gerente de transporte da Bom Jesus Transportes, a empresa começou a contratar mulheres para dirigir caminhões há pouco mais de dois anos e alguns casos até paga pela mudança de categoria da CNH. Silva diz que hoje as mulheres representam mais de 7% do quadro de motoristas profissionais da transportadora e a meta é aumentar muito mais esse percentual dentro de pouco tempo. “Elas são caprichosas, cuidam bem do caminhão e são mais comunicativas e o respeito pela competência delas cresce de tal modo, que ganham espaço também na hora de ensinarem tudo que sabem em cursos de qualificação e reciclagem”, reconhece.
Valdineuza Santos, motorista com 10 anos de estrada, é uma das instrutoras dos cursos promovidos pelo Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat). Há três anos ela se divide entre o volante e a arte de ensinar. Suas aulas são ministradas numa sala para 30 alunos, todos colegas de estrada. Além dos conhecimentos práticos, Valdineuza também transmite informações teóricas adquiridas nos cursos promovidos em turmas passadas e em sua pós-graduação, direcionada para o setor. “O caminhão exige muito, é preciso saber trabalhar e metodologias de trabalho não se aprende só na prática. É preciso também conhecer teoria e essas informações são transmitidas nesses cursos”.
A motorista e professora é uma das profissionais mais respeitadas da região de Rondonópolis, onde já qualificou centenas de colegas, inclusive o próprio marido. “Aprendi as primeiras lições de um caminhão com ele, anos depois fui eu que ensinei a ele algumas coisas sobre estrada e veículo. Mesmo com toda experiência, ele garantiu que não conhecia muita coisa que viu nos cursos”.
O sexo “frágil” está presente também nesta e em outras capacitações oferecidas pelas entidades. Em 36 meses, aos menos 38 caminhoneiras estiveram presentes nos cursos. Leia Aparecida de Souza, por exemplo, está concluindo mais uma qualificação. A motorista de 37 anos começou a dirigir bem antes da idade permitida e já acumula 23 anos de rodagem. Filha de pai e mãe carreteiros, ela se apaixonou por caminhões aos 10 anos de idade e atualmente ela é uma das profissionais mais experientes do Centro-Oeste.
Leia trabalha com uma carreta graneleira no trecho entre Sorriso/MT e o Sul do Pará, uma das regiões mais críticas do País e mesmo com tanta bagagem profissional destaca que procura se reciclar constantemente. “Estou há bastante tempo nesta atividade e sei que o conhecimento é muito importante, pois é aqui que você corrige certos vícios”, afirma. Ainda segundo ela, as orientações fazem toda a diferença, principalmente no trânsito pesado de Mato Grosso, o qual exige muita atenção, prudência e cuidado. “Dirigir é uma arte que se aprende todos os dias”, conclui.