Por Alessandra Sales

Enfrentar a saudade de casa, a solidão na boleia do caminhão e os vários problemas encontrados nas rodovias são situações normalmente vividas pelos carreteiros que percorrem diversas Regiões do País e Mercosul. Para driblar as dificuldades da profissão, muitos se apegam a um amigo traiçoeiro que está sempre à mão em todos os momentos: o cigarro.

Quem fuma alega que o cigarro proporciona relaxamento enquanto se está no trânsito e também ao estresse diário provocado por uma série de fatores, desde o alto preço dos pedágios, cobrança de banho nos postos de estradas, medo de assaltos, etc. Por outro lado, o hábito de fumar provoca dependência e males à saúde do motorista, como o câncer de pulmão e outras doenças que levam à morte.

Fumante há mais de 40 anos, Nilton Sierra lembra que já chegou a consumir cinco maços de cigarro no período de uma noite e um dia
Fumante há mais de 40 anos, Nilton Sierra lembra que já chegou a consumir cinco maços de cigarro no período de uma noite e um dia

Dados do Inca – Instituto Nacional de Câncer – revelam que o câncer de pulmão é o mal que mais tem matado fumantes no País, além de aneurismas arteriais, úlcera do aparelho digestivo, infecções respiratórias, trombose vascular, impotência sexual e complicações na gravidez.

Mesmo ciente dos malefícios do vício, o carreteiro autônomo Nilton Gilberto Sierra, 54 anos, de Promissão/SP, que faz o trecho São Paulo a Belém/PA, disse que começou a fumar, escondido dos pais, aos sete anos de idade. Em seu histórico de fumante, lembra que já chegou a consumir cinco maços no período de uma noite e um dia. “Se eu não estiver nervoso, fumo uma maço por dia”, afirma. Fumante há 47 anos, Nilton diz que tentou parar com o vício uma única vez, período que durou quatro meses apenas. Para ele, a iniciativa não foi bem sucedida devido ao fato de sua esposa e irmão também fumarem. “Quando você resolve parar, e outras pessoas não, manter a decisão é difícil. Tudo faz lembrar, ainda mais sentindo o cheiro de cigarro todos os dias do seu lado”, justifica. Mesmo assim, admite que sentiu sua disposição aumentar enquanto permaneceu sem fumar.

José Carlos permaneceu durante três meses sem colocar cigarro na boca, mas depois retomou o vício e fuma, diariamente, mais de um maço
José Carlos permaneceu durante três meses sem colocar cigarro na boca, mas depois retomou o vício e fuma, diariamente, mais de um maço

“Atualmente, me sinto tão cansado”, comenta. Diz que recentemente fez alguns exames de saúde e ficou constatado alterações no triglicérides e no colesterol. “Se o médico disser, ‘ou você para com o cigarro ou morre’, com certeza, eu paro na hora”, admite. Ele aconselha às pessoas para não experimentarem fumar, porque depois é muito difícil largar o vício. “No meu caso, chego a sentir o gosto de chocolate quando fumo”, conclui. Situação parecida vive o carreteiro José Carlos da Silva, de São Paulo, 50 anos e fumante há 35. Comenta que ficou três meses sem fumar, por insistência da família, mas o resultado também não foi satisfatório, pois, conforme disse, a falta do cigarro o levou a apresentar tonturas e fortes dores de cabeça. Ao invés de procurar tratamento, ele voltou à sua rotina de fumante e acredita que muita coisa precisa ser feita para acabar com sua dependência.

Transportador de carga perigosa, Carlos Alberto garante que toma muito cuidado e admite que é preciso muita força de vontade para deixar o vício
Transportador de carga perigosa, Carlos Alberto garante que toma muito cuidado e admite que é preciso muita força de vontade para deixar o vício

“O cigarro é uma má companhia, mas é preciso mais incentivo do governo para nós, fumantes, termos mais forças para abandoná-lo”, se desculpa. Silva costuma fumar um maço e meio por dia (30 cigarros) e diz pagar em torno de R$ 3,00 por cada maço. “Apesar do cigarro não fazer bem à saúde, não me sinto mal. Penso em parar, mas a dependência fala mais alto”, argumenta. Consciente dos malefícios gerados pelo vício, realiza exames médicos duas vezes por ano na empresa em que trabalha. Outro ponto questionado por ele são os incêndios ocorridos em matas, na maioria das vezes, provocados pelas “bitucas” acesas atiradas nas margens das rodovias pelos motoristas.

Denis Belmonte, que fuma há oito anos, diz que o cigarro ajuda a relaxar no trânsito e contribui para reduzir a tensão do dia-a-dia na estrada
Denis Belmonte, que fuma há oito anos, diz que o cigarro ajuda a relaxar no trânsito e contribui para reduzir a tensão do dia-a-dia na estrada

Carlos Alberto Santos, 55 anos de idade, de Curitiba/PR, que transporta química metiolina – substância para ração de frango -, é fumante há 40 anos, e lembra ter conseguido parar por um ano, mas não resistiu e voltou a fumar. Diz que quando viaja são necessários dois maços por dia, mas ressalta o cuidado que toma com o cigarro na hora de transportar a carga. “Essa, por exemplo, é uma carga perigosa, qualquer descuido pode ser um grande problema”, destaca. Conta que realiza exames de saúde anualmente e afirma estar bem e admite “que é preciso ter vergonha na cara para parar de fumar de uma vez”.

Apesar de visitar o médico apenas quando sobra tempo, Murici de Souza diz que está bem de saúde e que um maço de cigarro dura até 36 horas
Apesar de visitar o médico apenas quando sobra tempo, Murici de Souza diz que está bem de saúde e que um maço de cigarro dura até 36 horas

Transportador de frutas, o carreteiro Denis Roberto Belmonte da Silva, 27 anos, de Uruguaiana/RS, fuma há oito anos e acredita que o cigarro o faça relaxar no trânsito e ajuda a reduzir a tensão vivida no dia-a-dia na estrada. Empregado, ele costuma consumir o equivalente a um maço e meio de cigarro quando viaja, e paga, em média, R$ 4,50 em cada maço. “Quando trabalho à noite a tendência é fumar mais, mas evito na hora de descarregar a mercadoria”, explica. Denis Roberto garante que está bem de saúde, mas por enquanto não pretende abandonar o vício.

Depois de ter fumado durante 18 anos, Adriano Lindemann deixou o vício de lado e diz que costuma sair de perto de quem fuma
Depois de ter fumado durante 18 anos, Adriano Lindemann deixou o vício de lado e diz que costuma sair de perto de quem fuma

Outro carreteiro que também fuma é o autônomo Murici de Souza Rodrigues, 42 anos, de Santana do Livramento/RS, e assim como o colega Denis, afirma fumar mais à noite. “Um maço dura em média 36 horas”, comenta. Além disso, explica que existem momentos que não dá para fumar, e cita como exemplo quando faz a rota internacional, ocasião em que é proibido o fumo. “Já sei o mal que o cigarro causa”, ressalta o carreteiro que diz estar com a saúde em dia, apesar de ir ao médico apenas quando sobra tempo.

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Depois que parou de fumar, Jones de Oliveira disse que sua disposição aumentou muito e até começou a praticar atividades físicas

Ao contrário dos carreteiros que ainda convivem com o cigarro, existem muitos que conseguiram se ver livres do vício. É o caso de Adriano Lindemann, 33 anos, de Pelotas/RS, que fumou dos 12 aos 30 anos e há cerca de três não sabe o que é colocar um cigarro na boca. Em sua rotina de motorista de caminhão, costuma sair de perto de quem fuma, porque não suporta mais o cheiro da nicotina. Reconhece que o cigarro faz mal e não pretende voltar a fumar. Adriano ressalta que existem lugares no trabalho que permitem ao motorista fumar, embora acredite que o viciado não escolhe lugar para matar a vontade.

Luiz Contreiras, do Chile, garante que não é dependente, porque só sente vontade de fumar quando toma um cafezinho, e pode parar a hora que desejar
Luiz Contreiras, do Chile, garante que não é dependente, porque só sente vontade de fumar quando toma um cafezinho, e pode parar a hora que desejar

Outro motorista que conseguiu vencer o vício é Jones de Oliveira, 34 anos, do Rio Grande do Sul/RS, que durante nove anos fumou e há cinco parou, porque pensou em sua saúde. Além disso, diz que depois que deixou o vício sua disposição aumentou e até começou a praticar atividades físicas. Para ele, um dos motivos que o fizeram deixar o cigarro de lado foi sua filha de seis anos. As propagandas publicitárias sobre os malefícios do fumo também contribuíram para que ele tivesse coragem e seguisse em frente com sua determinação. “Não me arrependo de ter parado. Sem o cigarro renovei 20 anos. Antes eu já acordava cansado. Hoje, fico nervoso quando alguém fuma perto de mim”, desabafa. Ele recomenda caminhadas e exercícios físicos para relaxar quando a vontade de fumar falar mais alto.

O chileno Luis Contreiras, 50 anos de idade, fuma de vez em quando, sem compromisso, conforme explica. Argumenta que pode ficar meses sem lembrar do cigarro, porque é apenas um passatempo. “Só sinto vontade de acender o cigarro quando tomo um cafezinho, mas não sou dependente, fumo e paro a hora que eu quiser”, conclui.