Por Daniela Giopato

É comum no período de férias escolares encontrar motoristas viajando com a família no caminhão. Para o profissional que passa tantos dias fora de casa é uma combinação perfeita trabalhar em companhia da esposa e filhos. A cabine se transforma em uma extensão móvel de sua casa, com brinquedos espalhados, travesseiros e até televisão portátil dentro do espaço. Os carreteiros garantem que a viagem fica muito mais tranqüila, com horários de parada para almoço, lanche, jantar e descanso, embora o caminhão não tenha sido projetado para transportar crianças e adultos em excesso.

O inspetor da PRF, Edson Varanda, ressalta a importância de o motorista se conscientizar de que o perigo maior não é a multa e sim a segurança e a vida dos familiares
O inspetor da PRF, Edson Varanda, ressalta a importância de o motorista se conscientizar de que o perigo maior não é a multa e sim a segurança e a vida dos familiares

A falta de assentos adequados e de cintos de segurança para todos os ocupantes são os principais motivos que tornam o ato de levar a família na cabine uma maneira pouco adequada e segura de viajar. “O primeiro item a ser observado no momento que o carreteiro opta em viajar com a família é a quantidade de cintos de segurança existente na cabine”, alerta o inspetor Edson Varanda da 6ª Superintendência da Polícia Rodoviária Federal de São Paulo.

Ele explica que em caso de transportar crianças menores de 10 anos, que ainda não tem altura suficiente para utilizar o cinto, é prudente adaptar algum sistema de retenção e cita como exemplo as cadeirinhas de banco, mesmo não sendo obrigatório no caso dos caminhões, conforme resolução do Contran. A questão das cadeirinhas, prossegue o inspetor da PRF, é importante pelo fato de o cinto de segurança ter sido projetado para atender adultos. E acrescenta que uma criança com massa corpórea e altura desproporcional que utiliza o dispositivo corre grande risco de sofrer danos graves, inclusive asfixia.

A empresa que Alexsandro da Veiga trabalha permite que ele viaje com a esposa e garante que levá-la é uma tranqüilidade que não tem preço
A empresa que Alexsandro da Veiga trabalha permite que ele viaje com a esposa e garante que levá-la é uma tranqüilidade que não tem preço

Varanda chama atenção também para o fato de muitos motoristas colocarem mais pessoas do que o caminhão pode transportar e alerta que esta prática pode resultar em acidente grave. Explica que uma pessoa – assim como qualquer objeto solto na cabine – se transforma em uma arma durante a colisão. “Mais do que se preocupar com multas, o motorista deve ter consciência de que se não respeitar o código de trânsito estará comprometendo a segurança e até a vida de seus familiares, principalmente das crianças”, conclui.

Apesar de se considerarem conscientes em relação aos riscos, os carreteiros acreditam que uma viagem ao lado da família proporciona benefícios que compensam. E mais, garantem que nessas ocasiões costumam ser ainda mais prudentes e cuidadosos na estrada. É o caso de Alexsandro da Veiga, de Uruguaiana/RS, cinco anos de profissão, que não abre mão da companhia da esposa Letícia nas viagens e diz ter sorte em trabalhar para uma empresa que permite levá-la com ele. “É uma tranqüilidade que não tem preço. Às vezes passo 15 dias longe de casa e sem ela não ficaria sossegado. Outra vantagem são os horários de parada e uma conduta mais correta”, admite.

Alexandre Meneghetti levava a esposa na cabine antes dela ter entrado na faculdade, e lembra que o motorista é muito sozinho na estrada
Alexandre Meneghetti levava a esposa na cabine antes dela ter entrado na faculdade, e lembra que o motorista é muito sozinho na estrada

Veiga afirma que conhece os perigos, porém, garante que faz tudo para garantir sua segurança e da esposa. Entre os principais cuidados estão dirigir com cautela, parar em locais conhecidos e manter distância do veículo da frente. “A única coisa que não posso prever é a irresponsabilidade dos outros motoristas”, diz. Quando questionado a respeito de filhos diz que pretende continuar viajando com a família, mas para isso irá providenciar equipamentos seguros, como a cadeirinha. Com 33 anos de profissão, Alexandre Meneghetti, de Passo Fundo/RS, conta que costumava levar a esposa antes dela iniciar a faculdade. Destaca que o motorista de caminhão é muito sozinho, por isso é ótimo estar ao lado de alguém confiável para conversar. “O caminho fica até mais curto. É uma pena que algumas empresas ainda não entenderam as vantagens e não oferecem estrutura para o carreteiro viajar com a família”, reclama.

Apesar da companhia da esposa ser limitada apenas às férias, e ainda não ter filhos, Alexandre garante estar sempre antenado sobre a melhor maneira de proporcionar segurança a todos os ocupantes, e faz questão de mostrar a estrutura do caminhão que dirige. “Quando minha esposa está comigo usa sempre de cinto de segurança e quando vier os filhos pretendo instalar uma cadeirinha. Acho um absurdo alguns colegas que deixam as crianças soltas na cabine”, comenta.

Acompanhado sempre da esposa e da filha, Rogério Silva admite que quando viaja com a família não existe pressa para chegar
Acompanhado sempre da esposa e da filha, Rogério Silva admite que quando viaja com a família não existe pressa para chegar

“Viajar com a família só tem vantagens, não existe pressa. Paro com maior freqüência, tenho horário para almoçar e principalmente companhia para suportar a solidão da estrada”, diz Rogério da Silva, motorista há cinco anos. Na ocasião que foi entrevistado, Silva estava acompanhado da esposa Daniela e da filha de dois anos e quatro meses. Ele defende que viajará com a família até a filha atingir idade escolar, embora seu caminhão não ofereça estrutura segura para transportar todos.

Na estrada, Rogério conta que a esposa e a filha dividem o mesmo cinto, mesmo a criança não ficando presa de modo adequado. Além disso, confessa que na maior parte do tempo a filha fica solta brincando na cabine. Sabe que apesar dos cuidados ao dirigir, como andar em velocidade segura, fazer manutenção no veículo antes de viajar, a estrada é sempre cheia de surpresas. “O problema é que nunca pensamos no que poderá acontecer com a gente e esquecemos que não podemos responder pelos outros e tem muito irresponsável por ai”, admite. A esposa também concorda que o perigo existe, mas diz que se a viagem é pensada e feita com responsabilidade os riscos diminuem. Afirma que não há nada melhor do que poder estar ao lado do marido. “Em dezembro e julho a felicidade fica completa, pois nossa outra filha de sete anos também nos acompanha”, finaliza.

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João de Mouro sempre viajou acompanhado da esposa e filhos, quando eram pequenos, e agradece a Deus por nunca ter acontecido nada de grave

O experiente João Francisco Soares de Mouro, diz que nesses 32 anos de profissão esteve quase sempre acompanhado de esposa e filhos, que hoje já são grandes. “É ótimo e confortável não ter preocupações com quem está em casa, e a viagem e o trabalho rendem mais. Estar em companhia da esposa só tem vantagens. E quando os filhos ainda eram pequenos sempre estiveram com a gente”. Quando questionado de que forma transportava as crianças, Soares simplesmente disse “ficavam soltas”, ou no colo da mãe, mesmo tendo consciência dos perigos, e agradece a Deus por nunca ter vivido uma experiência traumática.

Silvia, a esposa, confessa que realmente é loucura colocar um bebê ou uma criança no caminhão, e admite que nunca havia pensado nos riscos, pois queria apenas estar próximo do marido. “Nos dias de hoje, em que as estradas estão péssimas e a falta de segurança é cada vez maior, é mais perigoso ainda, mas também se não for assim esposas e filhos ficam muitos dias sem ver o pai”, justifica.

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Para Ronivaldo Emerim, a falta de fiscalização é um fator que incentiva o motorista a levar a família na cabine. Ele mesmo diz que nunca foi abordado

Na opinião de Ronivaldo Soares Emerim, de Ararangua/SC, a falta de fiscalização é um dos principais fatores que incentivam a prática de motoristas viajarem com a família. Ele conta que nesses 16 anos de profissão – e muitos deles junto da esposa e filhos – nunca foi abordado com relação a ocupantes sem cinto. Mesmo quando questionado não levou multa. “Nos meses de férias sempre viajo com minha esposa e filhos. É uma diversão, uma tranquilidade. Sei que não tem cinto para todo mundo, mas faço a minha parte para que tudo saia perfeito e com segurança”, diz. Ronivaldo afirma ainda que muitos colegas que também optam em levar a família nunca receberam multa por estar com mais ocupantes do que o número de cinto de segurança na cabine.

Confessa que a esposa é mais cautelosa e viaja apenas para agradar. O medo de colocar os filhos na cabine ficou mais evidente após dois acidentes graves que ele sofreu. Um deles na Barra do Turvo/PR, onde foi jogado no barranco por uma carreta. “O motorista do outro caminhão morreu na hora. Comigo não aconteceu nada, porém se estivesse com minha família com certeza alguém teria se machucado grave ou até não estaria mais aqui”, lembra. Apesar do trauma, Ronivaldo acredita que são coisas da profissão e que jamais vai deixar de viajar com filhos e esposa. “Só se eles não quiserem ir”, conclui.

Em relação à fiscalização e punição, o Inspetor Varanda explica que conforme o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, a falta do cinto de segurança é considerada infração grave, podendo haver multa e retenção do veículo até a instalação do cinto de segurança. Em caso de transportar pessoas em número maior do qual o veículo foi projetado, o mesmo poderá ficar retido e será necessário o transbordo do número de passageiros em excesso. “É importante ressaltar e conscientizar os motoristas, principalmente os de caminhão, que não é a multa que está em jogo e sim a segurança e a vida de seus filhos e esposas. E isso depende exclusivamente, do bom senso de cada um”, finaliza.