Por Evilazio de Oliveira

Os carreteiros autônomos que se dedicam ao transporte internacional de cargas, residentes no município gaúcho de Uruguaiana – na fronteira do Brasil com a Argentina – estão acostumados a prestar atenção ao noticiário econômico, nas cotações do dólar e na previsão do tempo. Essas informações são importantes no resultado de cada viagem, principalmente para o Chile, quando as nevadas chegam a interromper a estrada várias vezes ao dia e até por dias seguidos, geralmente nos meses de agosto e setembro.

Esses profissionais, que aos poucos ainda se recuperam dos prejuízos sofridos com a recente crise que afetou a economia da Argentina, se ressentem agora da baixa cotação do dólar e das péssimas condições do tempo que tem prejudicado as viagens para o Chile. Continuam trabalhando, afinal – dizem – não dá para parar, mas reclamam dos baixos rendimentos em razão da defasagem das moedas.

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Dono de posto de combustível, Edislei Fan, diz que não tem como fazer uma programação, porque o que é ótimo hoje perde o valor em seis meses

Ninguém esquece o período de dolarização da economia argentina, que tornava as exportações pouco competitivas. Em 1997, quando começou uma fase de instabilidade financeira internacional, com fugas de capitais que atingiram diversos países, foi o começo de um caos que afetou duramente o setor de transportes internacionais. O Brasil perdia a metade de suas reservas cambiais, que atingiam U$ 70 bilhões, forçando o governo desvalorizar o Real. Isso tornou as exportações argentinas ainda mais caras, iniciando o que foi denominado Crise do Mercosul.

E na Argentina, entre muitas medidas duras para a sobrevivência do País, a moeda foi desvalorizada violentamente. E como todas as operações eram feitas através da igualdade de moedas, peso/dólar, a quebradeira foi geral.

Naquela época os transportadores brasileiros que recebiam em dólares passaram a receber em pesos, valendo até quatro vezes menos do valor negociado. Além da falência de empresas argentinas, havia restrições para o movimento financeiro, com grande parte dos compromissos deixando de ser honrados. Os reflexos no Brasil foram imediatos. Só as grandes empresas, as mais bem estruturadas, conseguiram sobreviver. Os pequenos empresários e autônomos não tiveram condições de resistir à crise.

Hoje os tempos são outros, a Argentina voltou a crescer e a movimentação de caminhões na fronteira do Brasil com a Argentina (Uruguaiana e Paso de Los Libres) é intensa, e aumenta sempre. O Brasil continua exportando mais do que importa, numa tendência que se mantém ao longo dos tempos.

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Alcemir Bertolazzo tem três caminhões e prefere transportar para o Chile porque o frete é melhor e acredita que a pior fase já passou

Todavia, a cotação do dólar continua assustando, conforme explica o empresário Alcemir Antônio Bortolazzo, 56 anos e há seis no setor de transportes. Ele é dono de três caminhões: dois Scania e um Ford Cargo, que viajam para Argentina e Chile. “Mais para o Chile, porque o frete é melhor”, diz. Lembra que sempre procurou transportar para o Chile, não sentindo diretamente os efeitos da crise que afetou a Argentina e grande parte dos transportadores brasileiros, por tabela, que ficaram sem receber seus fretes. Sabe – por ouvir falar – que muitos colegas quebraram, precisaram vender os caminhões, automóveis e até a casa para pagar dívidas. “Mas hoje tudo passou”, comemora.

Alcemir Bortolazzo não vai para a estrada dirigir caminhão. Ele é dono da Frondiesel, empresa com sede em Uruguaiana/RS, especializada em bombas e bicos injetores. Espera que o dólar volte a ser valorizado para comprar um caminhão novo. E também torce para não enfrentar problemas nas Cordilheiras para poder continuar trabalhando, porque as despesas sempre são muito a

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Selsso Mott lembra que entre 1992 e 1997 muita gente que não era do ramo entrou no negócio de transporte e com a crise houve uma quebradeira geral

Na opinião de Selsso Mott de Bairos, 53 anos e uma experiência de 36 no setor de transportes, cerca de 40% dos autônomos da região que atuavam no transporte internacional caíram durante a crise que afetou a Argentina. Ele é dono de quatro caminhões que transportam para a Argentina e Chile. Lembra que entre 1992 e 1997, houve uma fase de pujança, com muita gente ganhando dinheiro nessa atividade. Com isso,
pessoas que não eram do ramo compraram caminhão e foram para a estrada. “Aparecia de tudo, arrozeiros, advogados, médicos, gente vendendo casa e o patrimônio para investir no transporte internacional. Com a crise, só ficaram os mais bem estruturados ou os que não tinham dívidas. Além das grandes empresas”, destaca Selsso de Bairos.

Ele conta que a crise serviu para uma depuração no setor de transportes na Fronteira. Agora as coisas estão se acomodando, porém ainda existem muitas dificuldades por causa das diferenças cambiais e das divergências econômicasentre Brasil e Argentina. Acredita que as coisas vão se normalizar, em 2006, para ele comprar mais dois caminhões para a sua frota.

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Muitas pessoas perderam tudo e ainda ficaram devendo, comenta Jane Regazzon. Ela e o marido José precisaram vender um caminhão para saldar dívidas

Jane Marli Regazzon, 44 anos, 12 no setor de transportes, conta que ela e o marido, José Aldo, tinham quatro caminhões no trecho na época da crise. Precisaram vender um dos caminhões para saldar as dívidas, dispensaram os motoristas e José Aldo precisou voltar para a boléia. Hoje eles têm dois caminhões no trecho e trabalham para se recuperar dos prejuízos sofridos naquele período. Segundo Marli, muitas pessoas conhecidas perderam tudo e alguns donos de caminhões ainda não pagaram as contas nos postos de combustíveis.

Apesar da recuperação da economia da Argentina e do aumento no fluxo de carga entre os dois países, inclusive para o Chile, ela não acredita numa melhoria para a vida dos autônomos que atuam na fronteira. Ainda mais com a baixa cotação do dólar, obrigando e torcendo para que não aconteça nada com o caminhão. As reclamações recaem também sobre os preços do óleo diesel, pneus e impostos.

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Dono de seis caminhões, Ricardo Schimitt e seu irmão Eduardo tiveram prejuízo com a crise argentina e passaram a transportar somente para o Chile

Ricardo Antônio Schmitt, 36 anos, cinco de profissão, é dono de seis caminhões em sociedade com o irmão Eduardo. Também tiveram prejuízos com o “calote” argentino e precisaram trabalhar muito, ajustar o orçamento ao máximo, recorreram ao cheque especial e passaram a transportar apenas para o Chile, única opção de frete garantido na época. Porém, com o inverno rigoroso e as dificuldades de passar pelas Cordilheiras, eles passaram a carregar também para a Argentina, “mas sem abandonar os clientes chilenos. Mesmo assim, com a desvalorização do dólar, as empresas brasileiras estão vendendo pouco, diminuindo a rentabilidade do frete”. Ricardo acredita que o governo deva fazer alguma coisa urgente, pois os custos com encargos, juros e combustíveis estão muito altos. Hoje, cerca de 40% das despesas do caminhão vão para o combustível, afirma. “Estamos trabalhando apenas para viver e pagar a prestação do caminhão”, reclama.

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Para os carreteiros que vivem ou trabalham nas regiões de fronteira, o noticiário econômico sempre é acompanhado com muita atenção, sobretudo as flutuações no câmbio, que pode significar lucro ou prejuízo ao final de cada viagem. Nesta época, a torcida é pelo aumento da cotação do dólar, com o incremento nas exportações brasileiras e na remuneração dos fretes, conforme afirmam motoristas e transportadores de Uruguaiana.