Por Daniela Giopato

O excesso de horas de trabalho sem pausas, postura inadequada ao dirigir, sedentarismo, obesidade e estresse decorrente das condições inadequadas de trabalho – como o risco e responsabilidade da profissão, estradas malconservadas, – são algumas dificuldades enfrentadas no dia-a-dia do motorista de caminhão que contribuem para o desenvolvimento de certas doenças. Uma delas, encarada como comum, é a lombalgia, dores lombares agudas e crônicas, que têm origem nervosa ou muscular, e quando não tratadas podem resultar no afastamento do trabalho e até na aposentadoria precoce.

“A enfermidade também pode ser causada pelo estresse, pela fadiga ou contração generalizada devido à permanência numa mesma posição por um tempo prolongado, caso dos motoristas, que dirigem por várias horas”, explica o médico João Augusto Figueiró, coordenador científico da sociedade Alivador e médico assistente do Centro Multidisciplinar de Dor, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ele destaca que o descuido com a saúde e a má alimentação, geralmente justificada pela falta de tempo, também levam os carreteiros a desenvolverem a doença.

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Para cumprir horário, Ronízio de Paula chega a dirigir 12 horas sem parar sob tensão causada pelas estrada esburacadas e quando estaciona come e dorme

O carreteiro Ronízio Paula Felício, do Ceará/PE, 23 anos de idade e um de profissão, faz a rota Belém – São Paulo e diz ter uma rotina agitada. Para cumprir os prazos de entrega chega a dirigir 12 horas direto sob pressão para chegar no horário e tensão causada pelas estradas esburacadas e sem segurança. Quando consegue encostar para descansar come e dorme. “Tenho um desvio na coluna, e por não ter tempo de visitar um médico alivio a dor com uma estalada. Parar em um hospital público é impossível e nem sempre dá para pagar uma consulta particular. Então, a solução é dar um jeitinho”, justifica. Nas viagens que exigem mais atenção, por conta das péssimas condições das estradas, Ronízio explica que a região do pescoço fica completamente contraída e como medida toma analgésicos.

O doutor Figueiró alerta para que os motoristas não se automediquem e procurem o médico para terem melhor esclarecimento. “É importante lembrar que em algumas situações a dor lombar pode ser o indicativo de outra doença mais grave, como por exemplo, um tumor na coluna, um processo infeccioso, um problema neurológico ou ortopédico mais sério e que exigem avaliação imediata e tratamento”.

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Narciso de Oliveira gosta de conversar com amigos para relaxar e diz que raramente se estressa. Joga bola nas horas vagas e diz não sentir dores nas costas

Com uma rotina menos estressante, o gaúcho de Canoas/RS, José Mairon, 45 anos de idade, 17 de profissão, afirma que também sente um pouco de dor nas costas. “Para tentar compensar procuro fazer um pouco de caminhada e dar uma boa espreguiçada quando paro no posto. Durante o percurso, me mantenho o mais calmo possível, pois se eu ficar tenso dói o pescoço”, confessa. Para manter a saúde em dia, ele conta que procura dormir bem e participar de ações sociais em postos, onde são oferecidos exames médicos gratuitamente.

Narciso de Oliveira, 28 anos e oito de profissão, de Santa Cruz/RS, viaja pelo Brasil inteiro, e apesar de dirigir por 12 horas sem parar afirma que é tranqüilo e que raramente se estressa durante o percurso. “Nos intervalos, entre uma entrega e outra, procuro relaxar e colocar o papo em dia com os colegas. Nas horas vagas gosto de jogar bola”, diz. Oliveira garante que não sente dor nas costas, porém, engordou oito quilos por conta da rotina de comer e dirigir. “Não tenho tempo para fazer exercícios. Confesso que mesmo que tivesse não faria, pois chego tão cansado que só penso em deitar e dormir”, admite. A saída é consumir uma alimentação saudável para tentar reduzir o peso e evitar esses tipos de problemas. “Mas, está difícil”, desabafa.

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José Marion sente dores nas costas, mas considera isso normal porque permanece muitas horas sentado. Pata tentar compensar caminha quando pára no posto

A responsabilidade de entregar a carga no horário determinado fez Armindo Maganha, 65 anos, 30 de profissão, São Borgia/RS, dirigir cerca de 28 horas com pausa apenas para abastecer o caminhão. “Depois de um frete como esse só tenho vontade de comer e dormir. Mas, tenho de agradecer a Deus, pois estou melhor que muito carreteiro mais jovem. O meu filho, por exemplo, tem 36 anos de idade e vive reclamando de dores nas costas. Acho que me acostumei com essa vida”, define.

Armindo revela que o segredo é dirigir com tranqüilidade, sem pressa e aproveitar as horas vagas. “Sempre que estou em casa faço caminhada e procuro relaxar com uma boa pescaria”. Quanto às visitas aos médicos, o carreteiro afirma que está em falta. O último check up foi há dois anos. “Assim que tiver um tempo vou refazer os exames. Na minha idade isso é importante”, afirma.

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Aos 65 anos de idade, Armindo Maganha ainda dirige mais de 20 horas com paradas apenas para abastecer e diz que se sente melhor do que muitos carreteiros jovens

Há dois anos, José Teixeira da Silva Jr., 42 anos e 12 de profissão, de São Paulo/SP, teve um problema sério por permanecer ao volante por muitas horas seguidas e por não fazer exercício. “O nervo ciático infl amou. Segundo os médicos, a causa foi minha própria profissão. Tive que ficar afastado do trabalho por quatro meses. Hoje ainda tenho muita dor na lombar, mas tento dar uma alongada e fazer bastante caminhada quando paro em um posto”. José afirma que alguns trechos de rodovia são muito prejudiciais à saúde dos carreteiros. Ele cita como exemplo cerca de 50km em Goiás, cheio de buracos. “Quando acaba esse trecho meu pescoço está tão tenso que sou obrigado a parar, tomar um banho e dar uma relaxada nos músculos para continuar a viagem”. Outro item avaliado por José como vilão dos carreteiros são os caminhões sem bancos a ar que não oferecem conforto necessário para uma viagem sem dores. “Já vi um colega, que tinha acabado de fazer o trecho São Paulo – Belém, estar com tanta dor nas costas que teve de ser retirado do caminhão”, conclui.

Astor Stucker, 54 anos de idade e nove de profissão, de Lageado/RS, tem um dia-a-dia bem tranqüilo em relação a outros colegas de estrada. “A empresa determina que as entregas sejam feitas no máximo até às 21 horas, mesmo assim criei o hábito de fazer exercícios de alongamento matinais ou no final de cada entrega. Assim, relaxo e evito dores ou outro desconforto qualquer que possa ser ocasionado pela profissão”.

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Exercícios de alongamento pela manhã e ao final de cada entrega tornou hábito de Astor Stucker para evitar dores e outros desconfortos ocasionados pela profissão

Após ingressado na profissão, Astor sentiu que engordou e logo procurou controlar a alimentação e se preocupar mais com a saúde. Ele lembra que os caminhões que dirige são confortáveis, o que ajuda muito fazer uma viagem tranqüila, apesar de, às vezes, ficar tenso com algumas situações na estrada. “Mas aprendi a lidar com elas. A cabeça é tudo e se você realmente quiser, passa por uma situação de pressão sem estresse algum”, finaliza.

O doutor Figueiró explica que fazer os exercícios de alongamento antes e depois do início das atividades, utilizar as técnicas de redução de estresse e melhorar a alimentação são importantes, porém, o carreteiro deve valorizar a ergonomia na cabine, com bancos adequados a sua altura e peso, com apoio adequado para os braços e pescoço e uma inclinação do apoio das costas em um ângulo de 100 graus aproximadamente, com sistema de amortecimento das vibrações e impactos. Adequar a altura de distância da direção também fazem parte do processo.

“Dores agudas que não são cuidadas podem tornar-se crônicas ou mais intensas. Se os fatores precipitantes da dor não forem alterados e o motorista continuar reincidido nos mesmos erros, esses fatores se tornam perpetuantes e agravantes da dor”, diz o médico, acentuando que um sinal de alerta que poderia ser eliminado com facilidade pode tornarse um problema crônico de difícil e demorada solução.