Por Sérgio Caldeira

Até recentemente, pensava-se que rodovias duplicadas e pavimentos recuperados garantiriam a redução do número de acidentes. Este fato se confirmou em alguns casos, mas veio acompanhado de outra realidade: as melhorias nas condições das pistas. Eventualmente podem até ter ocasionado a redução no número de acidentes rodoviários sim, porém, a gravidade deles elevou-se drasticamente. Pavimentos recuperados e duplicação de rodovias, como a Fernão Dias, por exemplo, estimulam o excesso de velocidade e aumentam a gravidade dos acidentes. Os carreteiros apontam como solução um maior rigor na fiscalização contra os abusados.

Pelo menos é o que relatam carreteiros que freqüentam diversas rodovias brasileiras recém recuperadas ou duplicadas. Eles estão assustados com os rastros de sangue deixados em pistas cujas condições de tráfego foram melhoradas, seja com nova sinalização, com a troca do pavimento ou acréscimo de uma pista, mesmo que não sigam as especificações ideais de raios de curvas ou inclinação de rampas, como nas estradas européias e norte-americanas.

Depois do estado lastimável em que se encontravam muitas rodovias, pontes importantes escandalosamente cedendo ou ruindo e quase uma década sem receberem um centavo de investimento para manutenção por parte do governo Federal, e de alguns Estaduais, a situação começa a mudar. Certas rodovias, mesmo sem privatização ou cobrança de pedágios estão ficando um verdadeiro tapete liso. Muitos dizem que foram obras eleitoreiras, mas o fato é que da maneira vergonhosa como se encontravam, o Brasil estava a um passo para o chamado “apagão rodoviário”, no qual o caos total se instalaria nas rodovias através da falta de mobilidade gerada, em especial, pelas péssimas condições de conservação das estradas, além de fatores como o envelhecimento de grande parte da frota de caminhões por falta de linhas de financiamento ajustados ao bolso do carreteiro, por exemplo.

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Imar da Silva Teles lembra que depois das melhorias na BR-381 é possível economizar combustível e reduzir o desgaste do caminhão, mas os acidentes ficaram mais graves

Imar da Silva Teles, 53 anos, começou a rodar entre Minas e São Paulo em 1966 e continua com muito ânimo. Desde 1979 é dono de seu próprio negócio e hoje tem uma carreta ano 2005 tracionada por um Scania R 420 do mesmo ano. Ele dirige cerca de 11 mil quilômetros por mês, cujas rotas predominantes passam pela Fernão Dias, a BR 381, na qual a duplicação foi concluída recentemente, depois de se arrastar por mais de uma década. O mineiro, cuja residência é em Itatiaiuçu/MG, carrega há mais de 20 anos um tipo de carga bastante delicada: bobinas de aço, que leva para a região da Grande São Paulo. Volta para Minas Gerais com polietileno, de Cubatão. Nestes 40 anos de trabalho, nunca se envolveu em acidentes. “Caminhão não foi feito para correr”, ensina. Assim, ele observa que o carreteiro tem a possibilidade de economizar combustível e reduzir o desgaste das peças, além da segurança amplificada. Para Imar, os acidentes ficaram bem mais violentos depois da melhoria das condições das rodovias, em função do excesso de velocidade propiciado pela faixa adicional da pista dupla, tanto por parte dos automóveis quanto pelos motoristas profissionais. “As estradas convidam o inconsciente a correr e a falta de fiscalização o estimula mais ainda”, avalia.

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Trecho da BR-116 entre Rio de Janeiro e Bahia recebeu nova camada de asfalto, porém a reforma não foi acompanhada de faixas de sinalização, lembra Aquiles Francisco

Aquiles Francisco Tosta tem 34 anos de idade e 16 de boléia. É natural de Estiva e também roda pela Fernão Dias de ponta a ponta. Trabalha no Expresso Nepomuceno dirigindo um Volvo FH ano 2000 que puxa um baú tipo sider, cujas rotas vão de Gravataí/RS até Camaçari/ BA, onde faz entrega de peças de automóveis para duas fábricas de automóveis. Aquiles se queixa da falta de faixas de sinalização horizontais no novo pavimento da BR 116, no trecho Rio Bahia.

Para ele, a reposição asfáltica não foi acompanhada de faixas, o que torna as viagens noturnas bastante inseguras. “Não conseguimos ver direito a pista, pois não existem faixas para nos guiar, principalmente as laterais. Quando chove, a situação fica crítica. É muito comum ocorrerem choques de retrovisores de caminhões em sentidos opostos, quando não ocorre o pior, uma batida choque frontal”.

Ele reclama do desgaste prematuro do asfalto da Fernão Dias na região de Careaçu, sul mineiro, onde o carreteiro é obrigado a rodar o mais próximo possível da defensa de concreto central da rodovia, pois a faixa da pista esquerda está em condições bem melhores que na faixa da direita. “Se não ando assim, posso tombar o caminhão ou, na melhor das hipóteses, estourar a suspensão e provocar avarias na carga”, diz Aquiles.

Seu colega, Antônio Silva, mora em Lavras/MG, tem 56 anos de idade e está na profissão há 39 anos. Ele também trabalha no Expresso Nepomuceno com um VW Constellation cedido para teste por um concessionário VW do sul de Minas. Silva tem opinião de que o excesso de confiança é responsável por grande parte dos acidentes nas rodovias boas, pois estimula atos de imprudência. “Pude sentir isto no meu cotidiano, pois quando a Fernão Dias tinha pista simples, as pessoas eram bem mais cuidadosas e sentiam muito mais medo do que hoje. Havia mais cuidado com a velocidade e com as ultrapassagens”, exemplifica Silva

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Na opinião de Antônio Silva, as boas condições das rodovias têm sido responsáveis por boa parte dos acidentes, porque estimulam a imprudência e o excesso de velocidade

O gaúcho Renato Molon tem 39 anos de idade e trabalha na Alpes, uma transportadora especializada no transporte de vinhos e derivados em tanques inox, de Flores da Cunha/RS. Molon considera boas as condições das rodovias na atualidade, em especial, a BR 116 e as outras por onde ele roda para o a região Nordeste, as quais foram recentemente reformadas. Sua rota se estende da Serra Gaúcha até a região de Petrolina em Pernambuco, onde estão instaladas várias vinículas no vale do rio São Francisco.

No comando de um FH 520 6X2 com carreta tanque de três eixos, informa que as principais rodovias nordestinas estão sendo recuperadas e tem percebido uma maior imprudência por parte de alguns motoristas que se acham muito confiantes no asfalto novo e acabam cometendo barbaridades, que podem resultar em tragédias. Também compactua da idéia de que excesso de velocidade não combina com segurança. Ele prefere fazer “tiro longo” para o Nordeste via Belo Horizonte, pela BR 381, pois afirma que está cada vez mais difícil encontrar espaço nos postos da Dutra. “Além disso, na Dutra há mais chance de ocorrerem assaltos”, completa Molon.

Motorista e dono e de um MB L1113 trucado, ano 1974, David Baptista Rodrigues, mineiro de 60 anos de idade, mora em Santa Luzia, região metropolitana de BH e roda pela Fernão Dias desde a década de 60. Conhece muito bem cada quilômetro daquela artéria que liga Minas a São Paulo e tem rota fixa entre Belo Horizonte e Jundiaí, transportando louças sanitárias na ida. No retorno carrega parafusos, porcas e peças automotivas, perfazendo cerca de seis mil quilômetros por mês. Ele acha que a duplicação da Fernão Dias foi feita da maneira mais econômica, pois a maior parte do traçado sinuoso não teve sua geometria melhorada. “A maioria das curvas perigosas continua no percurso entre São Paulo e Minas. Foi uma duplicação sem importantes alterações, a qual simplesmente acompanhou o traçado da época da inauguração do asfaltamento da ligação “café com leite” em fins da década de 50”, comenta o carreteiro.

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Renato Molon roda do Rio Grande do Sul diz ter notado maior imprudência por parte dos motoristas nas estradas reformadas

Mas o estradeiro diz ainda que a falta de respeito com relação às leis de trânsito amplia a possibilidade de acidente ou a sua gravidade. Principalmente o desrespeito quanto aos limites de velocidade. Além disso, ele enumera alguns problemas encontrados que também poderiam contribuir para ocorrer um acidente. “Não existem mais de 100 quilômetros de pista lisa”, reclama. Sobre os buracos que apareceram na faixa da direita – onde os pesados devem manter-se durante a maior parte do percurso – da BR 381, ele credita ao excesso de peso praticado por alguns colegas. Também reclama do desnível das cabeceiras de pontes na BR 381, inclusive as mais novas. “Só dá para passar a 80 km/h em duas pontes na Fernão Dias inteira. Se eu passo nessa velocidade nas outras, eu danifico a carga e o caminhão” informa.

Ele se posiciona a favor do uso de balanças, especialmente as móveis, para inibir a prática destrutiva do pavimento e para reduzir os acidentes que ocorrem diariamente nas serras de Igarapé, Itaguara e Cambuí. Baptista sugere a instalação de barreiras eletrônicas para “segurar” os pesados desde o topo até os respectivos vales das respectivas serras, como aquelas instaladas no trecho de Mairiporã/SP. “Sempre existem os abusadinhos que deveriam ser mais vigiados pelas autoridades para evitar conseqüências graves, como os acidentes que na pista dupla são sempre mais violentos”, observa.

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Para David Baptista Rodrigues, além do desrespeito às leis de trânsito, outros problemas na pista do trecho São Paulo – Belo Horizonte ampliam a possibilidade de acidentes

Talvez os estragos e crateras das rodovias recuperadas (alguns desses buracos gerados na virada do ano, ou pelas chuvas intensas, ou pela precariedade do serviço executado em conjunto com a prática de excesso de peso) sejam uma boa alternativa para controlar a velocidades dos veículos e diminuir a gravidade dos sinistros, já que muitos motoristas não conseguem distinguir uma rodovia de um autódromo, só por que há um asfalto bom e liso sob seus pneus, aproveitando-se para fazer atitudes irresponsáveis.