Por Evilazio de Oliveira
Carreteiro que vai para o trecho como comissionado, sem vínculos empregatícios com o dono do caminhão – que por sua vez opera como agregado de uma transportadora de maior porte – poderá causar sérias dores de cabeça e prejuízos financeiros no caso de uma reclamatória trabalhista. A advertência é do presidente do Sindimercosul (Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Cargas Seca, Líquida, Infl amável, Explosiva e Refrigerada de Linhas Internacionais no Estado do Rio Grande do Sul), de Uruguaiana/RS, Roberto Ferreira do Nascimento, o Kangurú.
Numa iniciativa do próprio Sindicato, que há 10 anos denunciava essas supostas irregularidade, sobretudo no transporte internacional de cargas – o Ministério Público do Trabalho decidiu investigar o assunto e só no município de Uruguaiana foram autuadas cerca de 27 empresas. Os valores vão de R$ 300 mil a R$ 1 milhão em multas, segundo informação do presidente do Setal (Sindicato das Empresas de Transporte, Armazenamento e Logística), Elísio Roberto Schmitz Júnior. “Estamos fazendo uma campanha entre as empresas e até envolvendo os autônomos, de que os motoristas têm alguns direitos. Aquelas que foram notificadas estão procurando amparo jurídico para evitar o pagamento das multas”.
Apesar de haver apreensão entre as empresas transportadoras, a prática da contratação de motoristas comissionados, sem vínculos empregatícios, portanto, prossegue, sobretudo na região da fronteira do Brasil com a Argentina. João Cândido Flores, 50 anos de idade e 15 de profissão dirige como autônomo um dos sete caminhões do sogro, Orlito Gonçalves, e apesar de cuidar dos pagamentos à Previdência, não tem carteira assinada. Ele confessa que nunca se preocupou com o assunto porque tudo é feito em família e na base da confiança. Além disso, conforme explica a sua mulher, Cláudia Gonçalves, acabaram de ganhar um caminhão trucado de seu pai para começarem a tocar a vida por conta própria. Reconhece que a situação está ficando complicada para as empresas que não registram a carteira de trabalho dos motoristas, principalmente agora com as autuações do Ministério Público e da quantidade de motoristas que está procurando os seus direitos nos sindicatos da categoria.
É difícil avaliar a quantidade de carreteiros que operam como autônomos no transporte de cargas, no País, sobretudo pela falta de um censo oficial sobre o setor. Diante desse quadro de aparente desorganização, apenas as empresas transportadoras melhor estruturadas dispõem de informações corretas sobre frota, tonelagem transportada, faturamento e, claro, sobre os seus motoristas e a regularização funcional de acordo com a legislação trabalhista. Todavia, entre os autônomos são poucos os que contribuem para a Previdência, conforme comprovado pelo Sindimercosul.
Jacir Pedrinho de Oliveira, natural de Cordilheira Alta/SC, tem 53 anos de idade, 34 de estrada e aposentado há cinco, está no trecho dirigindo um graneleiro Scania 2004, e tirando cerca de R$ 2 mil mensais, “limpos”. Sempre trabalhou como empregado da empresa atacadista Ludovico Tozzo, com a carteira assinada desde o primeiro dia e onde continua trabalhando com muito orgulho. Afinal, são pessoas muito exigentes, porém muito corretas com os funcionários, afirma. Nunca teve qualquer problema trabalhista e as relações com os patrões são de muito respeito. Tem salário fixo, diárias e roda sempre dentro dos limites, sem cobranças de horários ou de metas.
O uruguaio Jony Caetán, 51 anos e 31 de estrada, é funcionário da Efice S.A., de San José, e transporta cloro do Brasil para empresas de celulose que operam no seu país. Ele destaca que a grande maioria dos motoristas de caminhão no Uruguai estão registrados e cobertos por todos os benefícios sociais, públicos e privados. Isso porque os trabalhadores preferem fazer um seguro complementar para garantir assistência médica em caso de doenças, acidentes ou para a aposentadoria, que acontece aos 60 anos na Previdência pública ou aos 65 no sistema privado. “Tudo funciona muito bem e os patrões sempre estão atentos para essas questões”, explica. Inclusive com a obrigatoriedade de tirar férias, que não podem ser adiadas ou vendidas.
Para o carreteiro Altair Amorim, 42 de idade e 20 de profissão, a experiência como autônomo não está dando certo. Ele é natural de Medianeira/ PR e depois de trabalhar 19 anos como empregado e de ter construído uma casa, realizou o sonho de comprar um caminhão e enfrentar a estrada. Comprou um Mercedes 79 há um ano, mas está desiludido com as despesas e o pouco lucro que obtém com o frete. Além disso, não está pagando a Previdência, pois é preciso economizar de todos os lados, diz. Nesta viagem trouxe a mulher, Márcia, e a filha Maíara de um ano e um mês, já como uma despedida do caminhão. Vai fazer a safra, juntar um pouco de dinheiro e voltar a trabalhar como empregado, com carteira assinada e com os direitos trabalhistas garantidos. “É preciso pensar no futuro, na mulher e na criança”, raciocina.
Jardelino Cardoso, 46 anos e 14 de trecho, dirige um Volvo 1997 há pouco tempo e, portanto, ainda sem vínculo empregatício, pois encontrase no período de testes, e, também, por estar recebendo o seguro-desemprego, benefício que tem direito enquanto procura outro trabalho. Mas, tem certeza que será admitido na empresa e a situação logo estará regularizada. Conta que sempre teve a carteira assinada, contribuindo para a Previdência Social. E, durante seis meses em que trabalhou como comissionado, também pagou como autônomo. “Não dá para se descuidar “, afirma.
Na opinião de José Antônio Oliveira, 56 anos e há 37 no trecho, pelo menos 90% dos autônomos trabalham sem registro em carteira ou pagam o INSS. “O motorista trabalha no sufoco e nem pensa em aumentar suas despesas”, lembra. Segundo ele, só as empresas grandes e estruturadas – que também são muito exigentes e rigorosas – dão algum tipo de garantia e benefício para os motoristas. Reconhece que sempre teve sorte e agora, com apenas seis meses no emprego, já está com a carteira assinada e com um salário razoável, “graças a Deus”.
O irmão de José Antônio, Ivandir Rolim de Oliveira, 61 anos e 43 de estrada, já aposentado, também elogia a necessidade de se trabalhar como empregado de empresas honestas que cumpram com os deveres trabalhistas dos funcionários. Conta que durante seis anos teve o seu próprio caminhão, período em que continuou pagando a previdência normalmente e que mais tarde ajudou na sua aposentadoria. Quando se apertou e vendeu o caminhão, voltou a trabalhar como empregado, sempre “legalizado”, orgulha-se.
É nesse aspecto do registro funcional do motorista que o presidente do Sindimercosul, o Kangurú, vê o maior perigo para as empresas transportadoras. Explica que no caso de uma terceirizada, ou agregada, sofrer uma ação trabalhista por parte de um motorista, essa empresa fatalmente também será responsabilizada. Lembra que é muito comum, na Fronteira, o dono de uma pequena frota de quatro ou cinco caminhões contratar o motorista como comissionado. Passa o tempo e dentro de um ano esse motorista vai em busca de seus direitos. “Ele já sai ganhando um ano de salário, 13º, férias e FGTS”, assinala o líder sindical. É prejuízo certo. Além disso, lembra, o Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho estão fiscalizando de cima, fechando o cerco.
O presidente da Fecam (Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina), Éder Dal’Lago, afirma que a Lei 7.290, que criou a categoria dos Autônomos, diz que não há vínculo empregatício com as empresas. “Eu acho um absurdo que haja essa interpretação: o autônomo existe por Lei e também está cadastrado na ANTT”. A tendência é favorecer o desemprego, pois o ganha-pão do autônomo é o seu caminhão, por isso as empresas e os autônomos estão no mesmo barco, assinala.
Para o presidente da Fetransul (Federação das Empresas de Transporte de Carga no Estado do Rio Grande do Sul), Paulo Vicente Caleffi, “o Ministério Público está interpretando que a forma utilizada da terceirização, configura descumprimento dos objetivos sociais das empresas, e se for mantido esse pensamento a tendência é desaparecer a categoria do caminhoneiro autônomo”.