Por Evilazio de Oliveira

Para o carreteiro que atua no transporte rodoviário internacional de cargas, a atividade pode ter o fascínio de novas descobertas, novos costumes e a vantagem de um salário razoavelmente melhor. Porém, é preciso enfrentar a má vontade dos policiais rodoviários argentinos com os motoristas brasileiros, além da necessidade de se adequar à legislação do país e de exigências específicas relacionadas ao equipamento obrigatório do veículo. A situação do motorista pode se complicar muito em caso de acidente, situação em que os entraves burocráticos – e até de comunicação – resultam em sérios problemas, inclusive financeiros. É de se considerar, também, casos em que motoristas adoeceram e até morreram no exterior.

7528t
O cansaço ainda é uma grande preocupação, porque tem muito motorista cumprindo jornada excessiva, comenta Cesar Fresinghelli

É difícil saber o número de motoristas brasileiros envolvidos em acidentes em países do Mercosul. Todavia, no período de janeiro de 2012 a 25 de novembro de 2013, (22 meses) o Sindimercosul (Sindicato dos trabalhadores em transportes rodoviários de carga de linhas internacionais do RS) efetuou o translado de 10 corpos de carreteiros mortos em acidentes na Argentina. No mesmo período, foram atendidos outros oito acidentados e que sofreram ferimentos. Vale lembrar que esses números são referentes apenas a casos em que os interessados recorreram ao Sindicato em busca de auxílio.

O vice-presidente do Sindimercosul, César Fresinghelli, 37 anos, 13 anos de estrada e há cinco como sindicalista, considera que o fator cansaço ainda preocupa, apesar da Lei 12.619 tem muitos motoristas cumprindo jornada excessiva, decorrente de ter passado o dia em operações de carga, descarga ou nas esperas em aduanas. Depois, precisa seguir viagem e, obviamente, cansado. Fresinghelli salienta que sempre é o dono do permiso o responsável pelo caminhão ou motorista, inclusive nos casos de acidentes e que, teoricamente, deveriam dar toda a assistência ao motorista e seus familiares em caso de sinistros. Como isso nem sempre acontece, o Sindimercosul dá esse atendimento, cobrando depois as despesas da empresa empregadora ou do responsável pelo caminhão, no caso de veículo agregado. “Uma tarefa que nem sempre é fácil”, ressalta.

7539t
Gladys Vinci, diz que em casos de acidentes a ABTI pode apenas dar orientação para os procedimentos, porque não é representante legal das empresas

Na ABTI (Associação Brasileira de Transportadores Internacionais) não existe qualquer informação sobre eventuais sinistros com caminhões que operam nos países vizinhos. De acordo com a coordenadora de assuntos internacionais, Gladys Vinci, as próprias empresas transportadoras atendem aos seus veículos e motoristas acidentados. Não é função da associação dar esse tipo de trabalho. O que pode ser feito, é dar orientação para os procedimentos a serem seguidos. Ou seja, apenas orienta porque não é representante legal das empresas para casos de acidentes. Lembra que empresas devidamente estabelecidas e organizadas não têm esse tipo de problemas no atendimento aos seus motoristas ou caminhões, pois elas mantêm representantes nas principais cidades aptos a providenciar o atendimento em qualquer circunstância, mesmo nas emergências.

O vice-presidente da Cootranscau (Cooperativa dos Transportadores de Cargas de Uruguaiana), Jonas Garay Pinto, 39 anos de idade e 20 no setor, afirma que nos 15 anos de existência da cooperativa, lembra apenas de um acidente grave com morte. Foi o caso do motorista Jesus Machado que ao passar em velocidade e vazio sobre um quebra-molas, em Córdoba/AR, o caminhão fez um “L” e capotou sobre ele. Jonas ficou encarregado de fazer o traslado do corpo e demorou cerca de uma semana até conseguir resolver todas as questões burocráticas. Segundo ele, o baixo índice de acidentes entre os 167 cooperativados – e 250 caminhões permissionados -, possivelmente se deva ao fato de serem profissionais já com certa idade e donos dos caminhões o que, em teoria, faria com que dirigissem com mais cuidado.

7546t
Em um acidente na Argentina, no qual o carreteiro morreu, Jonas Garay, da Cootranscau, demorou vários dias para resolver as questões burocráticas

O empresário argentino Eduardo Chávez, 38 anos de idade e há 15 anos no transporte internacional, é diretor da BR Cargas, empresa estabelecida em Córdoba/AR, que representa transportadoras brasileiras e oferece serviço de atendimento integral também em casos de sinistros. Chávez destaca que o crescente número de sinistros envolvendo caminhões é motivo de grande preocupação entre as autoridades de trânsito.

De acordo com um informe recente do Cesvi (Centro de Experimentación y Seguridad Vial), os caminhões participam de cerca de 30% do total de acidentes nas estradas argentinas e são responsáveis pelos maiores danos materiais e perda de vidas. De acordo com esse informe – segundo relata Eduardo Chávez – 45% desses acidentes foram causados pelo cansaço físico dos condutores e, num percentual menor, em torno de 20% estavam de alguma forma vinculados à falta de respeito às normas de trânsito, excesso de velocidade, inexperiência, consumo de álcool ou de outras drogas.

7551t
Eduardo Chávez destaca que o crescente número de acidentes envolvendo caminhões é preocupação das autoridades de trânsito da Argentina

A participação de motoristas brasileiros nos acidentes nas rodovias argentinas tem uma média de 2,8% no total de acidentes com caminhões. Segundo informações da Polícia Caminera de la Província de Córdoba, a ruta 158, que é parte de um corredor unindo a ruta 19 em San Francisco com a ruta 36 em Rio Cuarto, é a estrada onde todos os meses tem acidente com caminhão brasileiro. Especifica que nos controles feitos nas estradas com motoristas brasileiros, a principal causa de ficarem presos, é a condução com graduação de álcool acima do permitido.

O experiente estradeiro Cirino Souza Borges, 64 anos e 40 anos de profissão sempre trabalhando no transporte internacional, concorda que o álcool possivelmente seja o principal responsável pelo alto número de acidentes com motoristas brasileiros na Argentina. Natural de Uruguaiana/RS, ele garante que nunca dirigiu sob o efeito de rebites ou de álcool. Porém, afirma ver e escutar muitas coisas nas estradas. Segundo ele, o consumo de drogas pesadas entre os motoristas também é muito grande, “uma coisa de louco”, apesar da fiscalização dos policiais argentinos, sempre muito rigorosos. Em segundo lugar, considera que o cansaço é outro fator de grande influência nos acidentes, pois os motoristas perdem tempo para carregar, descarregar, nas aduanas e depois precisam rodar muito para cumprirem os horários e garantir o salário no final do mês. “Tudo muito complicado”, avalia.

7527t
Cirino Souza Borges acredita que o álcool seja o grande responsável pelo alto número de acidentes com motoristas brasileiros na Argentina

Ainda na questão ao consumo de bebidas alcoólicas, exames detectaram um índice de 2,32% no sangue do carreteiro brasileiro no dia sete de fevereiro, após ele ter trafegado por cinco quilômetros na contramão da autopista entre Córdoba e Mendonza, na Argentina e bateu de frente num ônibus. Nessa colisão os veículos incendiaram e 19 pessoas morreram, inclusive o brasileiro. O índice de álcool admitido pelas autoridades argentinas é de no máximo 0,5%.

Outro veterano em viagens internacionais, o argentino Eduardo Gil, agora aposentado e vivendo em Buenos Aires/AR, tem 66 anos e 40 de viagens para o Brasil. Ao longo desse tempo, e de observar com inquietude centenas de acidentes nas rodovias, acredita com convicção que pelo menos 90% desses sinistros ocorrem por negligência dos condutores. Por isso, tem uma preocupação permanente na realização de campanhas educativas com o auxílio de polícia rodoviária, montadoras de caminhões, engenheiros rodoviários, tudo com a intenção de salvar vidas através da educação e da melhoria das estradas, afirma. Enquanto isso, acidentes continuam acontecendo nas rodovias da Argentina, e também na Cordilheira dos Andes, com uma frequência que assusta. E com o agravante de ser em terras distantes, com língua, hábitos, legislação diferentes quase é necessária ajuda especializada. Taís Martins Maciel, 37 anos, casada há 18 anos com o carreteiro Franklin Paz da Cruz, 41 anos, e 10 de profissão – conta que no dia 13 de agosto de 2013 o marido foi atingido na cabeça por uma bobina de papel, ao abrir a porta do sider quando descarregava numa empresa em Córdoba/AR.

7549t
Taís Martins Maciel recorda do acidente sofrido na Argentina pelo marido, Franklin Paz, e elogia atendimento da empresa onde ele trabalha

Socorrido às pressas, foi levado para o Hospital de Urgência, onde ficou internado por 27 dias. Segundo Taís, seu marido foi muito bem cuidado e recebeu ampla assistência da empresa em que trabalha e do pessoal do Sindimercosul, que a transportou para Córdoba e providenciou até a sua hospedagem. Após ele ter alta, o transporte para Uruguaiana, onde a família reside, também foi providenciado. No acidente Franklin sofreu afundamento craniano e ficou afastado do serviço por quatro meses e já voltou para a estrada. Ela elogia e agradece o empenho da empresa e do Sindimercosul nos cuidados prestados ao marido e à família. “Sem essa ajuda, estaríamos perdidos”, reconhece.

Os familiares do carreteiro José Itamar Rodrigues Pires, 64 anos de idade e mais 40 anos de profissão, o Charque Gordo, como era carinhosamente chamado pelos amigos, lembram com pesar da sua morte, ocorrida no final de uma tarde chuvosa e com visibilidade escassa do dia 12 deagosto de 2012, no quilômetro 227 da Ruta 14, em Concórdia/AR,  quando ele capotou a carreta carregada com polietileno que transportava para Buenos Aires.

7540t
Familiares lembram do carreteiro José Itamar Rodrigues Pires, que perdeu a vida em 2012 no capotamento do caminhão que dirigia em rodovia da Argentina

A família ficou sabendo através de familiares de outro motorista, vizinho, e que viajava poucos metros atrás do caminhão acidentado. Em poucos minutos, o dono do veículo e representantes do Sindimercosul estavam na casa de Charque Gordo e na manhã seguinte, muito cedo, seguiram para Concórdia onde providenciaram o translado do corpo. Tudo com muita eficiência e solidariedade, recordam a viúva Eunice Elenir Dias Pires, 68 anos, e a filha Maria Cândida Pires Pereira, 39 anos, junto com três netos e, recentemente, uma bisneta. É uma família de carreteiros e, embora Eunice Elenir sempre acreditasse que “um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar”, desta vez caiu. É que eles ainda choram com pesar a morte do filho – há 17 anos – Edinilson Dias Pires, na época com 24 anos, em acidente ocorrido em Eldorado do Sul/RS numa colisão na qual morreu também um segundo motorista que viajava com ele, além condutor do veículo causador do acidente. Todos carbonizados, já que os dois veículos incendiaram e nada pode ser feito a tempo. Hoje, a família de José Itamar Rodrigues procura homenageá-lo exibindo um banner com sua fotografia e com camisetas personalizadas em todos os eventos gauchescos que ele participava. Ou nas missas que sempre são mandadas rezar em sua memória, embora a dor da perda seja permanente, explica a filha Maria Cândida com lágrimas nos olhos.